Acórdão Nº 5000475-51.2019.8.24.0068 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 20-10-2020

Número do processo5000475-51.2019.8.24.0068
Data20 Outubro 2020
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5000475-51.2019.8.24.0068/SC



RELATORA: Desembargadora REJANE ANDERSEN


APELANTE: AFFONSO GUSATTO (AUTOR) ADVOGADO: VANESSA BAUFLENHER DA SILVA (OAB SC046602) ADVOGADO: ALEXANDRE BERNARDON (OAB SC038460) APELADO: BANCO BMG SA (RÉU) ADVOGADO: HENRIQUE GINESTE SCHROEDER (OAB SC003780)


RELATÓRIO


Afonso Gusatto ajuizou ação declaratória c/c com pleito de restituição de valores e de indenização por danos morais em face de Banco BMG S/A, ao argumento de que está sofrendo descontos indevidos em seu benefício previdenciário, os quais são realizados a título de reserva de margem consignável oriunda de contratação de cartão de crédito que aduz ter sido realizada mediante um desvirtuamento da real operação de crédito que pretendia contratar.
Diante dessas circunstâncias, a demandante requereu o acolhimento dos argumentos declinados na exordial e, consequentemente, o provimento integral de seus pleitos recursais.
Contestação apresentada no evento 9.
Réplica no evento 13.
Ato contínuo, sobreveio sentença de resolução do mérito (evento 29): da qual se extrai a seguinte parte dispositiva:
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido inicial, o que faço com base no art. 487, I, do CPC. Condeno a parte autora ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% do valor atualizado da causa. Suspendo a cobrança de tais despesas, contudo, por ser a autora beneficiária da justiça gratuita. Publique-se. Registre-se, Intimem-se. Em havendo recurso, intimar a parte contrária para contrarrazões. Após, remeter à Instância Superior. Ao final, com o trânsito em julgado, arquivar.
Irresignado com o decisum de primeiro grau, o requerente apresentou recurso de apelação (evento 33) no qual aduziu, em síntese, que a sentença vergastada deve ser reformada para: a) reconhecer a ilegalidade do contrato de empréstimo consignado por meio de cartão de crédito e, por consectário, dos descontos realizados em seu benefício previdenciário a título de reserva de margem consignável (RMC); b) condenar a requerida ao pagamento de indenização por danos morais; c) determinar a repetição do indébito em dobro, nos termos do art. 42, do Código de Defesa do Consumidor. Ao final, pugnou pelo conhecimento e provimento do reclamo, bem como pela inversão dos ônus de sucumbência.
Contrarrazões no evento 40.
Por conseguinte, os autos ascenderam a esta Corte de Justiça.
É o relato do necessário

VOTO


Trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença que, no âmbito da presente ação de conhecimento, julgou improcedentes os pleitos formulados na peça exordial. Realizada a admissibilidade recursal, passa-se à análise das insurgências levadas ao duplo grau de jurisdição.
1 Legalidade do contrato firmado entre as partes
Sustenta o apelante que a sentença singular deve ser reformada para declarar a inexistência da contratação de empréstimo consignado via cartão de crédito, o qual originou os descontos a título de reserva de margem consignável, realizados no seu benefício previdenciário. Para tanto, alega que sua intenção era apenas a de fazer um empréstimo consignado simples e jamais a de contratar cartão de crédito, o qual aduz nunca sequer ter utilizado ou desbloqueado. Argumenta, ainda, que a manutenção dos termos do contrato sub judice implicará em uma dívida vitalícia e impagável, a qual representa obrigação totalmente desproporcional ao consumidor.
Depreende-se, portanto, que a celeuma principal cinge-se na verificação da (i)legalidade da contratação de empréstimo de numerário, por meio de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) e, também, na averiguação da existência de eventual vício de consentimento em relação à referida contratação.
Compulsando detidamente o caderno processual verifica-se por incontroverso, que houve uma transação formalizada pelas partes para realização de empréstimo de dinheiro, o qual se consolidou por meio do documento denominado "Termo de Adesão Cartão de Crédito Consignado Banco BMG e Autorização para desconto em folha de pagamento" (evento 23 - Doc. 24).
Entretanto, apesar do referido documento estar formalmente perfeito e possuir a assinatura do ora recorrente, o contexto fático-probatório coligido nos autos revela uma ilicitude na referida contratação, a qual se materializa no fato de que houve um desvirtuamento da real intenção do requerente que, ao que tudo indica, desejava apenas realizar um empréstimo de dinheiro, sem, contudo, adquirir/contratar qualquer cartão de crédito.
Oportunamente, cabe destacar que, conforme infere-se das faturas acostadas pela própria casa bancária no evento 9 - Docs. 19 e 20, o cartão de crédito supostamente contratado jamais fora utilizado pela parte autora para fins de aquisição de produtos ou pagamento de serviços. Pelo contrário, os únicos lançamentos que constam nas mencionadas faturas são aqueles referentes à encargos contratuais e impostos oriundos da operação financeira firmada entre as partes.
Doutro vértice, dessume-se dos autos que a instituição financeira recorrida sequer comprovou o envio ou a efetiva entrega do aludido cartão no endereço do autor o que poderia ser facilmente provado por meio da apresentação de documento idôneo assinado pelo requerente.
Sendo assim, tem-se por evidente que a pretensão do autor, ora apelante, era firmar, tão somente, o denominado "empréstimo consignado puro e simples", com parcelas fixas e preestabelecidas e não a de adquirir cartão de crédito que, conforme já salientado, não foi sequer utilizado para aquisição de produtos e serviços de consumo (fim específico de um cartão de crédito).
Importante destacar, também, que diante das especificidades concernentes a quaestio ora debatida, torna-se imprescindível elucidar a diferença existente entre o empréstimo consignado simples e o empréstimo de numerário via cartão de crédito, o qual se dá por meio de reserva de margem consignável (RMC). A esse respeito, tem-se excerto extraído do voto proferido pelo eminente Desembargador Robson Luz Varella, nos autos da Apelação Cível n. 0301157-67.2017.8.24.0042, o qual esclarece as características e diferenças pertinentes as mencionadas operações financeiras. Vejamos:
"Sobre essas duas modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.Asp).
Já a jurisprudência esclarece que no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, coloca-se "à disposição do consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo. O consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, acaba por aderir a um cartão de crédito, de onde é realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado [...]" (Tribunal de Justiça do Maranhão, Apelação Cível n. 043633, de São Luis, Rel. Cleones Carvalho Cunha). [...]" (Apelação Cível n. 0300673-62.2018.8.24.0092, da Capital, rel. Des. Robson Luz Varella, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 20-11-2018).
Tendo em vista os esclarecimentos alhures, é muito improvável que o consumidor submeter-se-ia a um contrato de cartão de crédito sem a intenção de fazer uso deste, simplesmente porque não o queria ou porque não saberia da sua finalidade. Ora, se a intenção do requerente era empréstimo de pecúnia, não haveria razão lógica para contratar um cartão de crédito com desconto de margem consignável apenas para esse fim específico.
De mais a mais, não é crível que a casa bancária demandada tenha prestado informações claras e adequadas sobre a viabilidade do requerente formalizar contrato de empréstimo por outros meios menos onersos), destacando as diferenças dos custos e encargos.
Logo, em que pese a parte autora ter lançado sua assinatura no documento mencionado, sobressai límpida a existência de mácula na manifestação de vontade deste (apelante), porquanto há fortes indícios de que a casa bancária requerida não prestou informações claras e adequadas acerca da modalidade contratual firmada entre as partes (empréstimo de dinheiro por meio de contratação de cartão de crédito), a qual é extremamente mais onerosa para o consumidor.
Diante destas constatações, tem-se por evidente que a conduta perpetrada pela parte requerida afetou a boa-fé objetiva, a qual, sabidamente, torna inválido o negócio jurídico entabulado entre as partes.
A respeito da quaestio, tem-se o seguinte julgado deste Areópago:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA AUTORA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. BANCO RÉU QUE, VIOLANDO O DIREITO DE INFORMAÇÃO, INTERFERIU DIRETAMENTE NA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE DA CONSUMIDORA, ENSEJANDO NA ACEITAÇÃO DE CONTRATO INEVITAVELMENTE MAIS ONEROSO DENTRE OS DISPONÍVEIS. CONTRATO NULO. DANO MORAL EVIDENTE. ATENTADO CONTRA VERBA DE SUBSISTÊNCIA. JUROS DE MORA DA CITAÇÃO E CORREÇÃO MONETÁRIA DO ARBITRAMENTO. ÔNUS SUCUMBENCIAL INVERTIDO.
Quando se desvirtua ou se sonega o direito de informação, está-se agindo em sentido diametralmente oposto a boa-fé objetiva, ensejando, inclusive, a enganosidade. A informação deve ser clara, objetiva e precisa, pois, do contrário, equivale ao silêncio, vez que influi diretamente na manifestação de...

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