Acórdão Nº 5000498-64.2020.8.24.0002 do Terceira Câmara de Direito Público, 04-10-2022

Número do processo5000498-64.2020.8.24.0002
Data04 Outubro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5000498-64.2020.8.24.0002/SC

RELATOR: Desembargador SANDRO JOSE NEIS

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) APELADO: IVAN JOSE CANCI (RÉU) APELADO: IVO ANTONIO APPIO (RÉU) APELADO: MARTINHOS SCANTAMBURLO (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de Apelação Cível interposto pelo Ministério Público de Santa Catarina em desfavor da sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa n. 5000498-64.2020.8.24.0002, ajuizada pelo ora Apelante em desfavor de Ivan José Canci, Ivo Antônio Appio e Martinhos Scantamburlo, na qual a Juíza da Vara Única da Comarca de Anchieta, em adendo ao disposto no art. 17, §8º, da Lei n. 8.429/1992, rejeitou a ação, ao entendimento de que não há indícios de que os réus violaram os princípios da Administração Pública e frustraram a licitude de concurso público (art. 11, caput e inc. V, da Lei de Improbidade Administrativa) (Evento 35, Eproc/PG).

O Apelante objetiva a reforma da sentença, a fim de que seja recebida a demanda de origem e, em consequência, determinado o retorno dos autos ao juízo de origem para que se promova o prosseguimento do feito, nos termos do art. 17, §9º, da Lei n. 8.429/1992. Para tanto, asseverou que o aparato probatório que instruiu a exordial demonstra ''suficientemente a ocorrência dos atos de improbidade administrativa que deram ensejo à propositura desta demanda, o que impossibilita a rejeição da ação'', a qual, em razão da incidência do princípio do in dubio pro societe, deve ser recebida e processada (Evento 35, fl. 10, Eproc/PG).

Ademais, asseverou que a designação do réu Ivo Antônio Appio para exercer o cargo de Motorista da Saúde, havendo concurso público vigente com candidatos aprovados, visou satisfazer alianças políticas e beneficiar o acionado, não tendo sido considerado o interesse público, em clarividente afronta aos princípios que regem a administração pública e, em consequência, denotam a prática de improbidade administrativa.

Acrescentou, ainda, que a situação somente foi regularizada após a denúncia do verador Ivo Schaeffer e o início das investigações pelo Ministério Público, o que reforça o dolo da conduta dos acionados.

Ao final, prequestionou a matéria (Evento 35, Eproc/PG).

Os Apelados apresentaram contrarrazões (Eventos 41 e 42, Eproc/PG).

Após a ascensão dos autos a esta Corte Estadual de Justiça, foram remetidos à douta Procuradoria-Geral de Justiça, na qual o Dr. Roge Macedo Neves se manifestou pelo conhecimento e provimento do recurso (Evento 11, Eproc/SG).

Posteriormente, tendo em vista a entrada em vigor da Lei n. 14.230/2021, a qual resultou em significativas modificações na Lei n. 8.429/1992, este Subscritor, em adendo ao disposto no art. 10 do Código de Processo Civil/2015, oportunizou a manifestação das partes e da Procuradoria-Geral de Justiça (Evento 13, Eproc/PG).

O Autor aduziu entender que as modificações realizadas na Lei de Improbidade Administrativa não se aplicam aos processos em curso bem como que, mesmo no caso de posicionamento diverso, a sentença que rejeitou a inicial comporta reforma, pois a sua pretensão também é agasalhada pela Lei n. 14.230/2021. Ao final, manifestou-se pelo prosseguimento do feito e reiterou as suas razões recursais (Evento 17, Eproc/SG).

Ivo Antônio Appio defendeu a retroatividade das alterações advindas da Lei n. 14.230/2021 e pugnou pela manutenção da sentença (Evento 22, Eproc/PG).

Ivan José Canci e Martinhos Scantamburlo permaneceram inertes (Eventos 19 e 20, Eproc/SG).

Por fim, a douta Procuradoria-Geral de Justiça se pronunciou pela incaplicabilidade da Lei n. 14.230/2021 e reiterou o parecer anterior, ao passo que a pretensão Ministerial está em consonância com ambos textos legais (Evento 26, Eproc/SG).

É o relato necessário.

VOTO

1. Admissibilidade:

O recurso é tempestivo, adequado e preenche os demais requisitos de admissibilidade recursal, razão pela qual comporta conhecimento.

2. Das alterações promovidas pela Lei n. 14.320/2021:

Antes de adentrar no julgamento do caso em epígrafe, necessário tecer considerações acerca da incidência, ao caso em comento, das alterações ocorridas na Lei n. 8.429/1992 após o advento da Lei n. 14.3208/2021, a qual alterou significativamente a redação anterior.

O art. 1º da Lei n. 8.429/1992, após as alterações introduzidas pela Lei n. 14.230/2021, passou a ter a seguinte redação:

Art. 1º O sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social, nos termos desta Lei.

§ 1º Consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, ressalvados tipos previstos em leis especiais.

§ 2º Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente.

§ 3º O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa.

§ 4º Aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador.

§ 5º Os atos de improbidade violam a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções e a integridade do patrimônio público e social dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como da administração direta e indireta, no âmbito da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.

§ 6º Estão sujeitos às sanções desta Lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade privada que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de entes públicos ou governamentais, previstos no § 5º deste artigo.

§ 7º Independentemente de integrar a administração indireta, estão sujeitos às sanções desta Lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade privada para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra no seu patrimônio ou receita atual, limitado o ressarcimento de prejuízos, nesse caso, à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.

§ 8º Não configura improbidade a ação ou omissão decorrente de divergência interpretativa da lei, baseada em jurisprudência, ainda que não pacificada, mesmo que não venha a ser posteriormente prevalecente nas decisões dos órgãos de controle ou dos tribunais do Poder Judiciário. (Grifos nossos).

Tendo em vista a expressa previsão legal acerca da incidência dos princípios do direito administrativo sancionador às ações civis públicas de responsabilidade pela prática de ato de improbidade administrativa, após a entrada em vigor da nova Lei de Improbidade Administrativa, esta Corte Estadual de Justiça, majoritariamente, passou a adotar, na solução dos processos em curso, a redação dada pela Lei n. 14.320/2021.

No intuito de melhor elucidar o tema colacionam-se trechos de precedente desta Corte Estadual de Justiça:

[...] 1. A Lei 14.230/21 alterou substancialmente a Lei 8.429/92 (a Lei de Improbidade Administrativa). As modificações foram tão representativas, alterando-se valorativamente o regramento anterior, que surge, pode ser dito, uma "Nova Lei de Improbidade Administrativa".Há tendência nas instâncias ordinárias de considerar que (a) a atual disciplina tem aplicação retroativa quanto ao direito material, se favorável ao acusado - derivação constitucional, que assim prega quanto ao direito penal, mas que vale identicamente ao direito administrativo sancionador; e

(b) a regulamentação de caráter processual valerá apenas para o futuro, preservando-se o que se deu perante o regramento revogado.Adere-se a esse posicionamento, ressalvando-se que nos casos de pontos de estrangulamento (Cândido Rangel Dinamarco) entre direito material e processual (condições da ação, provas, coisa julgada e regime econômico) a questão mereça maior reflexão.O STF ainda cuidará da aludida retroatividade em repercussão geral, mas não há, por ora, ordem de suspensão. [...] (TJSC, Apelação n. 0900173-21.2018.8.24.0035, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Hélio do Valle Pereira, Quinta Câmara de Direito Público, j. 7-6-2022).

No mesmo norte:

REMESSA NECESSÁRIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. APRECIAÇÃO DA REGULARIDADE DO PROCESSO DE DISPENSA DE LICITAÇÃO N. 21/2013-PMS, QUE ORIGINOU O CONTRATO ADMINISTRATIVO N. 54/2013-PMS. CONTRATAÇÃO DIRETA DE ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA. IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM. AUSÊNCIA DE RECURSO VOLUNTÁRIO. AUTOS REMETIDOS PARA ANÁLISE DA REMESSA OFICIAL. IMPOSSIBILIDADE. MATÉRIA OBJETO DO TEMA N. 1.042 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SUPERVENIENTE ALTERAÇÃO LEGISLATIVA QUE AFASTOU O DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO OBRIGATÓRIO. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 17, §19, E 17-C, §3º, DA LEI N. 8.429/1992, COM REDAÇÃO DA LEI N. 14.230/2021.DIREITO INTERTEMPORAL. NORMA PROCESSUAL DE APLICAÇÃO IMEDIATA AOS PROCESSOS EM CURSO. RETROATIVIDADE DA NOVA REDAÇÃO DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA ÀS CONTENDAS EM ANDAMENTO, SE FAVORÁVEL AO RÉU. PRECEDENTES DESTA CORTE DE JUSTIÇA.1. A actio alçou em razão da aplicação, por analogia, do disposto no artigo 19 da Lei n. 4.717/1965 (STJ, EREsp 1220667/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 24/05/2017, DJe 30/06/2017). 2. Contudo, recentemente, a Quarta Câmara de Direito Público, firmou posicionar no sentido do não conhecimento, por inaplicabilidade da figura do reexame necessário nas ações de improbidade administrativa, cujo pleito foi julgado improcedente: Remessa Necessária n. 0023014-62.2013.8.24.0018, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Quarta Câmara de Direito Público, j. 09-06-2022; Remessa Necessária n. 0000896-31.2015.8.24.0048, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Quarta Câmara de Direito Público, j. 12-05-2022; Remessa Necessária n. 0001201-59.2017.8.24.0043, do Tribunal de Justiça de...

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