Acórdão Nº 5000499-73.2020.8.24.0091 do Quinta Câmara de Direito Público, 27-10-2020

Número do processo5000499-73.2020.8.24.0091
Data27 Outubro 2020
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5000499-73.2020.8.24.0091/SC

RELATOR: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA

APELANTE: ILSON ROBERTO DE SOUZA JUNIOR (AUTOR) APELADO: ESTADO DE SANTA CATARINA (RÉU) INTERESSADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (INTERESSADO)

RELATÓRIO

Ilson Roberto de Souza Junior ajuizou ação de rito comum em relação ao Estado de Santa Catarina buscando a anulação das questões 28, 30, 32, 34 e 37 do concurso público regido pelo Edital 042/CGCP/2019.

Quando do indeferimento da tutela antecipada, agravou da decisão em que o recurso fora desprovido, com aplicação da multa por litigância de má-fé.

A sentença foi de improcedência por estas razões:

A questão 28 possui enunciado com o assunto "direitos sociais", sendo que as opções de resposta correspondem com o Edital no tocante às "noções de direito constitucional".

A questão 30 traz no enunciado o tema "direitos de nacionalidade", ao passo que as alternativas pressupõem o conhecimento sobre nacionalidade e naturalização. Portanto, a questão está em consonância com o Edital, que prevê o conteúdo do art. 12 da Constituição Federal, com "noções de direito constitucional" e "direitos da nacionalidade".

Não subsiste a alegada nulidade da questão 32, arguida pelo impetrante, sob o argumento de que se exigiu do candidato "conhecimento sobre cláusulas pétreas (art. 60, CF)", que não estaria previsto no edital do certame.

O ANEXO III, que se refere ao conteúdo programático do edital, no que interessa referida questão, prevê o seguinte:

"NOÇÕES DE DIREITO CONSTITUCIONAL: Constituição Federal: Dos Princípios Fundamentais. Dos Direitos e Garantias Fundamentais - Dos direitos e deveres individuais e coletivos [...]".

Nota-se que os direitos e garantias fundamentais, como se infere do art. 60, § 4º, inciso IV, da Constituição Federal, têm "status" de cláusula pétrea e, por isso, não podem ser abolidos por emenda constitucional, situação abarcada pelo edital cuja interpretação se dá de forma sistemática e não-pontual, de sorte que não há nulidade a ser declarada na questão 32.

No que tange à questão 34, percebe-se que o enunciado versa a respeito dos direitos e garantias fundamentais previstos no art. 5º da Constituição Federal, nos termos do Edital, sendo que as alternativas de resposta seguem a mesma linha.

Já a questão 37 enuncia o crime de injúria por preconceito, e as alternativas demandam apenas o estudo atinente à matéria que consta no Edital quanto às disciplinas de direito penal e direito processual penal. A alternativa "B" tem a seguinte redação: "não se enquadra no conceito de infração de menor potencial ofensivo.". Desse modo, nota-se que o conhecimento da Lei n. 9.099/1995 (que não está no Edital do certame) não seria imprescindível para responder sobre o crime de injúria.

O autor recorre argumentando que o Poder Judiciário pode interferir nas decisões administrativas quando ilegais. No caso, a questão 28 exigiu conhecimento doutrinário aprofundado, que não estava previsto no edital. Por outro lado, as questões 30 e 34 versaram sobre jurisprudência e o candidato necessitava ter conhecimento da jurisprudência dominante. O enunciado 32 tratou de cláusulas pétreas e emenda constitucional, sendo que o edital discriminou os capítulos da Constituição Federal dentre os quais não estavam aqueles temas. Por fim, o enunciado 37 abordou o crime de injúria, previsto no artigo 61 da Lei 9.099/95 , esta que igualmente estava fora do edital.

Sem contrarrazões.

A Procuradoria-Geral de Justiça se absteve de manifestação.

VOTO

1. Todo ato administrativo é passível de questionamento judicial: não há antecipado veto ao direito de ação (art. 5º, inc. XXXV, da CF). Daí não se tira, porém, a aptidão do Poder Judiciário para se colocar na posição de administrador, como se fosse necessariamente mais sábio ou altruísta, censurando por mera valoração diferente do fato ou do direito as opções dos demais Poderes.

Além das lícitas escolhas que cabem notadamente ao Executivo no campo dos atos discricionários, há atos vinculados que não indicam antecipadamente uma solução unívoca, haja vista o emprego de conceitos juridicamente indeterminados.

A correção de uma prova de concurso público é missão administrativa. Não que exista potestatividade na outorga de notas. Trata-se de reconhecer que em campo sujeito a interpretações (notadamente em provas de concursos na área do direito) dificilmente se alcançarão respostas alheias a polêmicas.

Há necessidade de autocontenção do Judiciário, ou se trasladará para os tribunais a tarefa de fixação dos resultados em concursos públicos. Foi a posição assumida pelo STF, tal como se tornou notório.

Se é necessário impedir que assumamos a recorreção das provas (uma espécie de extensão da banca examinadora), fixando gabarito, identicamente se deve debitar à Administração a atribuição de conferir se as respostas estão rentes ao padrão previamente exposto.

A partir daí, existem fronteiras bem demarcadas em que a solução parece transparecer nítida pela necessidade de revisão. São situações nas quais a interpretação adotada pelo avaliador fuja de uma razoabilidade mínima, de um sentimento de justiça evidente. Outras, quando se verifica a cobrança de matéria não prevista na relação listada pelo edital, o qual, naturalmente, não ostenta papel figurativo e deve ser seguido na elaboração das provas.

Há, porém, casos em que não se pode afirmar que a banca tomou decisão manifestamente extravagante - aquelas deliberações desarrazoadas, que rumem para a teratologia. Nesses situações deve ser prestigiada a decisão encampada pela Administração. O ato administrativo, afinal, presume-se legítimo e não deve ser desacreditado como se fosse um obstáculo menor.

Essas, aliás, foram as bases firmadas pelo STF na repercussão geral conferida ao RE 632.853, de relatoria do Min. Gilmar Mendes. A tese fixada foi: "Os critérios adotados por banca examinadora de concurso não podem ser revistos pelo Poder Judiciário". Os fundamentos, contudo...

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