Acórdão Nº 5000503-83.2019.8.24.0079 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 24-09-2020

Número do processo5000503-83.2019.8.24.0079
Data24 Setembro 2020
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5000503-83.2019.8.24.0079/SC



RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO


APELANTE: VALDOMIRO ANTUNES DE SOUZA (AUTOR) ADVOGADO: CHRISTIAN PARIZOTTO (OAB SC044915) APELANTE: BANCO BMG SA (RÉU) ADVOGADO: CRISTIANA NEPOMUCENO DE SOUSA SOARES (OAB MG071885) APELADO: OS MESMOS


RELATÓRIO


VALDOMIRO ANTUNES DE SOUZA e BANCO BMG SA interpuseram recursos de apelação cível (eventos 28 e 36) em face da sentença (evento 21), que, proferida pelo juízo da 1ª Vara Cível da comarca de Videira, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados pelo autor na ação de restituição de valores e de indenização por danos morais para converter a operação de saque em cartão de crédito em operação de empréstimo pessoal consignado, condenando a instituição financeira demandada, ainda, à restituição/compensação de eventuais valores cobrados a maior em decorrência da contratação de operação não consentida pelo consumidor, bem como ao pagamento de danos morais à parte contrária.
Cuida-se, na origem, de ação de restituição de valores com pedido de indenização por danos morais aforada em 01-08-2019 aforada por VALDOMIRO ANTUNES DE SOUZA contra BANCO BMG SA, na qual sustenta, inicialmente, (1) a invalidade do contrato firmado entre as partes. Neste sentido, informa que foi ludibriado pela casa bancária, tendo contratado, sem seu conhecimento e consentimento, crédito disponibilizado por meio de saque em cartão de crédito com reserva de margem consignada, operação com natureza e sujeita a encargos diversos, e superiores, aos do empréstimo pretendido. Destaca que o desconto do valor emprestado em sua folha de pagamento, limitado a 5% de seu rendimento líquido, acaba por tornar o valor recebido impagável, na medida em que apenas da conta dos encargos incidentes, não representando efetiva amortização, fazendo com que o consumidor, a despeito dos pagamentos efetuados, permaneça eternamente devedor do saldo contratado. Alega que, diante de vício na vontade, não pode ser considerada contratada a operação de crédito na forma efetuada, a qual representa nítida venda casada, tendo em vista que apenas pretendia a contratação de empréstimo e não fornecimento de cartão. Pugna, assim, pelo cancelamento da operação com a suspensão dos descontos em sua folha de pagamento e a devolução da quantia que entende indevidamente cobrada. Defende, por fim, (2) a condenação da parte demandada ao pagamento de danos morais decorrentes do abalo sofrido em relação à suposta atitude fraudulenta e aos descontos irregulares perpetrados pela casa bancária.
No evento 3, foi concedida a gratuidade da justiça requerida pela demandante.
Devidamente citado, o BANCO BMG SA apresentou contestação (evento 9), na qual defendeu, em suma, que houve a expressa contratação pelo autor, do contrato para utilização de cartão de crédito mediante consignação em pagamento, razão pela qual não são indevidos os descontos a título de reserva de margem consignável lançados em seu benefício previdenciário. Logo, por não serem indevidos os descontos, argumenta que não deve restituir valores ao autor, e tampouco indenizar-lhe pelo ocorrido. Pugnou pela improcedência da demanda. Juntou o contrato firmado com a parte autora e o extrato de benefício do INSS da parte demandante vigente ao tempo do contrato.
Manifestação à contestação no evento 14, na qual o autor, rebatendo os argumentos da parte adversa, reitera os termos da inicial, pugnando pela procedência da demanda.
Sobreveio sentença de mérito prolatada em 23-10-2019 pelo magistrado Rafael Goulart Sarda, da 1ª Vara Cível da comarca de Videira, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados pelo autor, o que se deu nos seguintes termos (evento 21):
Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos iniciais para:
I- Determinar seja oficiado ao INSS para que proceda ao cancelamento dos descontos à título de "reserva de margem consignável" e "empréstimo sobre a RMC" efetivados pela instituição financeira ré nos benefícios da parte autora;
II- Declarar a ineficácia da relação jurídica unicamente quanto ao contrato de cartão de crédito com "Reserva de Margem Consignável" (RMC), com o cancelamento do cartão de crédito, preservando-se a relação contratual na modalidade de empréstimo consignado, com o recálculo do saldo devedor pelo agente financeiro, observados os seguintes parâmetros: (a) os juros remuneratórios deverão ser limitados conforme a tabela da taxa média divulgada pelo Banco Central do Brasil no mês da contratação; (b) os valores adimplidos até a presente data deverão ser abatidos do saldo devedor do contrato; (c) o valor da parcela deverá limitar-se ao montante descontado mensalmente do benefício previdenciário da parte autora;
III - Condenar a parte ré à repetição de indébito na forma simples, somente se, observados os parâmetros estabelecidos no item II, for constatada a existência de saldo em favor da parte autora; o valor deverá ser corrigido monetariamente pelo INPC desde a data do desconto de cada parcela e com a incidência de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da data da citação;
IV - Condenar a parte ré ao pagamento, em favor da parte autora, do valor de R$ 3.000,00 a título de danos morais, incidindo juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês, a partir do evento danoso (data da inclusão da reserva de margem para cartão de crédito) e correção monetária pelo INPC a partir da presente data (enunciados das Súmulas n. 54 e 362 do Superior Tribunal de Justiça), autorizada a aplicação do valor no abatimento do saldo devedor do empréstimo consignado contratado, acaso existente, observados os parâmetros estabelecidos no item II.
Considerando que a parte autora decaiu em parte mínima de seus pedidos, condeno a parte ré ao pagamento da integralidade das despesas processuais pendentes, além daquelas adiantadas no curso do processo pelo vencedor.
Fixo os honorários sucumbenciais devidos pela parte ré ao advogado da parte autora, no percentual de 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, em atenção aos critérios previstos no artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil.
Após o trânsito em julgado, arquivem-se.
Inconformadas, ambas as partes interpuseram recursos de apelação (eventos 28 e 36).
O autor (evento 36) pugna pela majoração dos valores arbitrados a título de indenização por danos morais.
A instituição financeira demandada (evento 28), por sua vez, alega, em síntese, que: (1) a parte autora tinha total ciência da natureza e forma de cobrança da operação pactuada, a qual se encontrava descrita de forma clara e expressa no contrato, desprovido de qualquer irregularidade, não possuindo o demandante, diversamente do que alega, a intenção de contratar empréstimo pessoal consignado no lugar do saque via cartão de crédito, tendo em vista que ao tempo da contratação sequer possuía margem consignável além daquela disponível para uso no cartão, sendo esta modalidade de crédito a única operação viável para a concessão do valor perseguido; (2) incabível a conversão da operação em crédito pessoal consignado porque a contratação original era regular, não justificando a intervenção judicial operada pelo juízo singular; (3) inexistindo irregularidades no contrato, ausente o ato ilícito ensejador de dano moral indenizável, de sorte que deve ser afastada a indenização fixada pelo juízo singular. Pugna pelo provimento do recurso com a reforma da decisão objurgada, sendo julgada totalmente improcedente a demanda de origem, com a inversão a responsabilidade pelo pagamento dos ônus sucumbenciais.
Contrarrazões apresentadas nos eventos 35 e 46.
Os autos ascenderam a este egrégio Tribunal de Justiça, vindo-me às mãos por sorteio.
Este é o relatório

VOTO


1. Juízo de admissibilidade
Inicialmente, registra-se que a demanda foi ajuizada já com fundamento processual no Código de Processo Civil de 2015, motivo pelo qual é este o diploma processual que deverá disciplinar o cabimento, o processamento e a análise dos presentes recursos, haja vista o princípio tempus regit actum (teoria do isolamento dos atos processuais).
Dito isto, tem-se que os recursos devem ser conhecidos porquanto presentes os requisitos de admissibilidade, razão pela qual passa-se à análise das teses recursais.
2. Da regularidade da operação contratada entre as partes
Sustenta a instituição financeira recorrente, inicialmente em seu recurso, que a parte autora tinha total ciência da natureza e forma de cobrança da operação pactuada, a qual se encontrava descrita de maneira clara e expressa no contrato, desprovido de qualquer irregularidade, não possuindo o demandante, diversamente do que alega, a intenção de contratar empréstimo pessoal consignado no lugar do saque via cartão de crédito, tendo em vista que ao tempo da contratação nem sequer possuía margem consignável além daquela disponível para uso no cartão, sendo esta modalidade de crédito a única operação viável para a concessão do valor perseguido.
Analisados os autos, verifica-se que razão possui mesmo o banco recorrente.
A princípio, necessário destacar que o próprio autor reconhece que buscou crédito junto à instituição financeira demandada, apenas afirmando que pretendia a contratação de empréstimo consignado no lugar da utilização de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC).
As operações de empréstimo consignado e de cartão de crédito com reserva de margem consignável encontram-se previstas na Lei n. 10.820/03, que assim disciplina (redação vigente ao tempo da contratação):
Art. 1º. Os empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, poderão autorizar, de forma irrevogável e irretratável, o desconto em folha de pagamento ou na sua remuneração disponível dos valores referentes ao pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento...

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