Acórdão Nº 5000535-77.2020.8.24.0039 do Quarta Câmara de Direito Civil, 18-08-2022

Número do processo5000535-77.2020.8.24.0039
Data18 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5000535-77.2020.8.24.0039/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ FELIPE SCHUCH

APELANTE: AYMORÉ CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S/A (RÉU) APELADO: MARCO ANTONIO VIEIRA BORGES ANTUNES (AUTOR)

RELATÓRIO

Acolho o relatório da sentença (evento 32/1G) por contemplar precisamente o conteúdo dos presentes autos, ipsis litteris:

Cuida-se de ação declaratória de inexistência de relação jurídica cumulada com pedido de danos morais ajuizada por MARCO ANTONIO VIEIRA BORGES ANTUNES em face de AYMORÉ CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S/A, partes devidamente qualificadas nos autos. Alega o autor que em novembro/2019 vendeu para Janete Mozine Moraes da Silva o veículo Fiat/Toro Volcano, placas NAX-2656. Sustenta que o veículo foi adquirido à vista e era livre de qualquer ônus. Ocorre que após receber o preço do automóvel da referida compradora, esta foi impedida de transferir o veículo para seu nome haja vista a existência de um gravame incluído pela ré em 26.02.2019 referente a um contrato de alienação fiduciária (AYMM20030216166) em nome de Daniel Fernandes da Silva. Procurado pela compradora, o autor fez contato imediato com o banco/réu a fim de esclarecer o que havia acontecido, uma vez que o citado automóvel nunca foi objeto de alienação. Desta forma, diante da inexistência da relação jurídica entre as partes e considerando que não pôde vender o veículo pugna pela fixação de indenização por danos morais. A ré foi citada e apresentou contestação nos autos (Evento 19) onde alegou, em preliminar, a perda do objeto da pretensão do autor, uma vez que o pleito foi resolvido administrativamente, quitando-se o contrato de alienação fiduciária fraudulento e dando-se a respectiva baixa no gravame que inquinava o bem em questão. Por tais razões, pugna pela improcedência do pedido e pela denunciação à lide dos supostos causadores do dano. Em sede de réplica o autor repisou os termos da exordial (Evento 28).

O Magistrado resolveu o processo nos seguintes termos:

Isto posto, julgo procedentes os pedidos ventilados na presente demanda e declaro a inexistência da relação jurídica apontada na exordial. Por via de consequência condeno a ré a indenizar o autor a título de danos morais no importe de R$ 12.000,00 (doze mil reais), com juros legais de mora de 1% ao mês devidos desde a data da inserção indevida do gravame (26.02.2019) - Súmula n. 54 do STJ e acrescida de correção monetária pelo INPC desde a data do arbitramento (Súmula n. 362 do STJ). Condeno a ré ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios de sucumbência devidos à procuradora do autor, verba que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, na forma do art. 85, §2º do CPC/2015, tendo em vista a complexidade da matéria em debate, o reduzido número de atos processuais praticados, o julgamento antecipado, o grau de zelo da profissional e o local da prestação dos serviços.

Irresignada com a prestação jurisdicional entregue, a instituição financeira ré interpôs apelação, por meio da qual alega: a) a ausência de interesse processual do autor em razão da solução administrativa dado ao caso antes do ajuizamento da demanda; b) a necessidade de acolhimento da denunciação da lide; c) a inexistência de dano moral ou, subsidiariamente, a minoração do quantum. Ao final, pugna o provimento integral do recurso (evento 35/1G).

Contrarrazões no evento 42/1G, nas quais pugna o apelado o desprovimento do recurso e a condenação da apelante ao pagamento de multa processual por litigância de má-fé.

VOTO

De início, assinalo que, não obstante a existência de outros feitos mais antigos no acervo de processos distribuídos a este Relator, a apreciação do presente recurso em detrimento daqueles distribuídos há mais tempo não significa violação ao disposto no art. 12, caput, do novo Código de Processo Civil, uma vez que a Lei n. 13.256/2016 modificou a redação original do referido dispositivo legal para flexibilizar a obrigatoriedade de a jurisdição ser prestada em consonância com a ordem cronológica de conclusão dos autos. Observe-se que essa salutar alteração legislativa significou uma importante medida destinada à melhor gestão dos processos aptos a julgamento, pois permitiu a análise de matérias reiteradas e a apreciação em bloco de demandas ou recursos que versem sobre litígios similares sem que haja a necessidade de espera na "fila" dos feitos que aguardam decisão final, o que contribui sobremaneira na tentativa de descompressão da precária realidade que assola o Poder Judiciário em decorrência do assombroso número de lides jurisdicionalizadas.

O recurso preenche os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.

1 AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL

Defende a apelante/ré ser flagrante a perda do objeto da lide, pois o contrato, ante a solução administrativa dada, se encontrava liquidado nos seus sistemas antes mesmo do ajuizamento da demanda, além da baixa do gravame ter ocorrido em 15-1-2020.

Salienta, ainda, que não houve resistência à pretensão autoral, inexistindo fundamento para que se invoque o Estado-Juiz para (i) resolver um conflito inexistente e (ii) obrigar à adoção de providências que já foram tomadas.

Pois bem.

Sobre o interesse processual, o Código de Processo Civil dispõe:

Art. 17. Para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade. [...]. Art. 19. O interesse do autor pode limitar-se à declaração: I - da existência, da inexistência ou do modo de ser de uma relação jurídica; II - da autenticidade ou da falsidade de documento.

No presente caso, ao contrário do que alega a recorrente, subsiste o interesse do autor em ver declarada a inexistência da relação jurídica fraudulenta apontada na exordial e reconhecida a existência de eventuais danos morais, pretensões que não restaram esvaziadas pela ocorrência de baixa do gravame e quitação do contrato administrativamente (em 15-1-2020), um dia antes do ajuizamento da lide (em 16-1-2020).

A sentença, no ponto, reforçou que a "eventual baixa do gravame na seara administrativa não foi suficiente para que a honra e a imagem do demandante não restassem maculadas perante a pretensa compradora da caminhonete, a qual não conseguiu transferir o bem para seu nome perante o DETRAN diante da existência de um gravame de alienação fiduciária em contrato desconhecido pelo demandante, fruto de fraude" (evento 32/1G).

Desse modo, a preliminar não merece acolhimento.

2 DENUNCIAÇÃO DA LIDE

Aduz a recorrente que, preocupada com o cenário de expressivo número de golpes praticados por terceiros no Brasil, iniciou uma série de políticas, jurídicas e institucionais, de combate à fraude e que, além disso, a denunciação da lide lhe assegura a garantia constitucional de ampla defesa, bem como cumpre os princípios de celeridade e economia processual.

Explica que o presente caso trata de transferências suspostamente não conhecidas pela parte apelada para beneficiários terceiros estranhos a lide (Autofácil Shopping do Carro Ltda. ME e Daniel Fernandes da Silva), sendo inegável, ao seu ver, a complexidade da lide, havendo a necessidade de trazer ao processo esses terceiros para prestarem esclarecimentos, os quais são os reais legitimados passivos em razão da natureza da relação jurídica discutida.

Contudo, razão novamente não lhe assiste.

Isso porque o art. 125 do Código de Processo Civil dispõe ser "admissível a denunciação da lide, promovida por qualquer das partes: I - ao alienante imediato, no...

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