Acórdão Nº 5000554-47.2020.8.24.0051 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 13-04-2021

Número do processo5000554-47.2020.8.24.0051
Data13 Abril 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5000554-47.2020.8.24.0051/SC

RELATOR: Desembargador ROBSON LUZ VARELLA

APELANTE: ILDA BERNARDI URBANO (AUTOR) E OUTRO ADVOGADO: FRANCINARA MAGRINI FERREIRA APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação cível interpostos por Banco Bradesco S.A. e Ilda Bernardi Urbano contra sentença de parcial procedência (evento 40) da denominada ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito cumulada com restituição de indébito e indenização por danos morais, a qual foi prolatada nos seguintes termos:

Ante o exposto, com fundamento no art. 487, inciso I, do CPC, julgo parcialmente procedente a pretensão deduzida na inicial, para o fim de:

a) declarar a nulidade da avença firmada entre as partes (contrato nº 20209000385000019000) e determinar que a parte ré suspenda/cesse a cobrança de quaisquer valores a título de "reserva de margem consignada - RMC" (ou variações nominais) do benefício previdenciário percebido pela parte autora, sob o n. 186.555.646-4, promovendo, também, a retirada de quaisquer apontamentos eventualmente decorrente do benefício referido.

b) condenar a parte ré ao pagamento dos valores cobrados indevidamente a título de RMC, na forma simples, e que deverão ser atualizados (pelo INPC) desde a data de cada cobrança indevida, acrescido de juros de mora de 1% ao mês desde a citação válida (em 09/04/2020- Evento 8, AR1) e determinar que a parte autora devolva à instituição financeira o valor que eventualmente recebeu/sacou a título de empréstimo, também na forma simples, atualizado pelo INPC desde a data da disponibilização. É admitida a compensação entre as quantias, na forma do art. 368 do Código Civil.

c) condenar a parte ré ao pagamento, em favor da parte autora, do valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a título de dano moral, que deverá ser corrigido monetariamente (pelo INPC), a partir desta data (súmula 362/STJ), e acrescido de juros de mora à razão de 1% (um por cento) ao mês, desde o dia 05/02/2020 (data do início dos descontos - evento1, OUT6) (súmula 54/STJ).

Condeno a parte ré, por sucumbente, ao pagamento das custas/despesas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Em caso de interposição de recurso de apelação, bem como de apelação adesiva, por qualquer das partes, observe-se o disposto no art. 1.010 §§ 1º, 2º e 3º, do Código de Processo Civil.

Cumpram-se, ademais, todas as providências preconizadas no Código de Normas e, oportunamente, arquivem-se os autos.

Em suas razões recursais (evento 48), a casa bancária sustentou, preliminarmente, a ocorrência de cerceamento de defesa. No mério afirmou, em síntese, a legalidade do negócio jurídico celebrado entre as partes, ressaltando a inexistência de prova de que a apelada teria sido levada a erro, não se vislumbrando, assim, irregularidade que dê causa à anulação do instrumento. Assevera que, à época da pactuação, o recorrido já não tinha margem consignável em seus rendimentos, inviabilizando a contratação de empréstimo consignado, restando apenas a obtenção de crédito consignado através da adesão ao contrato de cartão de crédito com margem consignável. Diz que inexiste termo final a caracterizar dívida impagável, porquanto o débito é extinto com pagamento do débito, que se dá na data do vencimento da fatura, que constitui liberalidade da autora. Defende que o uso cartão fica constituído e provado pelo saque de valores, razão pela qual não há falar em nulidade. Também, afirma inexistir danos indenizáveis, requerendo, subsidiariamente, a minoração do "quantum". Ainda, discorre acerca do descabimento da restituição de valores, vislumbrando, em caso de manutenção do "decisum", que eventual importância disponibilizada à parte adversa sejam devolvidos ou compensados, e devidamente corrigidos monetariamente, sob pena de enriquecimento ilícito.

Por sua vez, a autora (evento 50) requer a majoração dos danos morais, bem como dos honorários advocatícios.

Foram apresentadas contrarrazões (eventos 59 e 60).

Este é o relatório.

VOTO

Insurgem-se ambos os litigantes contra sentença de parcial procedência da ação declaratória de inexistência do contrato de cartão de crédito cumulada com repetição do indébito e indenização por danos morais.

Os pontos atacados nos apelos serão analisados separadamente com o objetivo de facilitar a compreensão.

Cerceamento de defesa

Prefacialmente, o banco a ocorrência de cerceamento de defesa em razão do julgamento antecipado da lide, afirmando que "o banco apresentou contestação requerendo dilação de prazo para apresentar em juízo a proposta de adesão do cartão de crédito objeto de sua insurgência e demais documentos necessários para o deslinde do feito." (evento 48), asseverando ainda que os fatos por si alegados poderiam ser confirmados com a produção de outras provas.

Razão, contudo, não lhe assiste.

No sistema de persuasão racional adotado pelos arts. 370 e 371 da Lei Processual Civil, cabe ao magistrado determinar a conveniência e a necessidade da produção probatória.

Nesse viés, como presidente da instrução processual, não há obrigação de o juiz coletar a prova requerida pela parte quando configurada a inutilidade de sua produção para o deslinde da "quaestio", sendo lícito ao togado decidir antecipadamente a lide.

A respeito da temática, colhe-se do Superior Tribunal de Justiça:

[...] É lícito ao magistrado formar a sua convicção com base em qualquer elemento de prova disponível nos autos bastando para tanto que indique na decisão os motivos que lhe formaram o convencimento, de forma que a intervenção desta Corte quanto a tal valoração encontra óbice na Súmula nº 7/STJ. 3. Não configura cerceamento de defesa a sentença que julga antecipadamente a lide, de maneira fundamentada, resolvendo a causa sem a produção de outras provas em razão da suficiência probatória. Precedentes. [...] (AgInt no REsp 1459039/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Boas Cueva, publ. em 25/6/2018)

Ademais, conforme indicado no art. 370, parágrafo único, da Lei Adjetiva Civil, "o juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias".

Dessa maneira, dispensando-se a produção probatória ulterior, inexiste mácula no julgamento antecipado do litígio, tal como deliberado pelo juízo "a quo".

É o posicionamento desta Corte de Justiça:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL DECORRENTE DE INSCRIÇÃO INDEVIDA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA PARTE AUTORA. PRELIMINAR. DESCONSTITUIÇÃO DA SENTENÇA POR CERCEAMENTO DE DEFESA EM RAZÃO DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. PRETENSÃO DE REABERTURA DA FASE DE INSTRUÇÃO, COM A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA E OITIVA DE TESTEMUNHAS. MEDIDAS DISPENSÁVEIS. TESE AUTORAL DEMONSTRADA POR PROVA MERAMENTE DOCUMENTAL. [...] RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS. (Apelação Cível n. 0301382-56.2014.8.24.0054, Rel. Des. Rubens Schulz, j. em 29/8/2019) (sem grifos no original)

Registra-se ainda que no caso em análise a própria instituição financeira pugnou pelo julgamento antecipado da lide afirmando "não ter mais provas a produzir nos autos e requerendo, caso seja assim determinado por este Juízo, a concessão do prazo de 90 dias para apresentação de eventuais documentos" (evento 20), tendo havido deferimento, pelo magistrado "a quo", concessão de extenso prazo adicional de 90 (noventa) dias (evento 27) para juntada de documentação. Referido prazo transcorreu, contudo, sem que a casa bancária colacionasse aos autos o ajuste celebrado entre as partes.

Diante dessas considerações, não há razões para reconhecer a nulidade da sentença, razão pela qual a preliminar aventada deve ser rechaçada.

Contratação via cartão de crédito consignado (irresignação da ré)

Relativamente ao tema, importa esclarecer que, durante o curso do processado, a parte autora defendeu a nulidade da contratação ajustada com a ré, sustentando ter sido vítima de fraude por esta ao adquirir cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), operação diversa e mais onerosa do que o contrato de empréstimo consignado, o qual acreditou efetivamente ter celebrado.

No pronunciamento judicial atacado, o Magistrado de Primeiro Grau concluiu pela nulidade do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, determinando que os valores depositados na conta bancária da autora, atualizados monetariamente pelo INPC, sejam compensados, na forma simples, com os valores descontados indevidamente pelo banco a título de RMC, corrigidos pelo INPC e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, ambos a contar de cada desembolso.

Em seu reclamo, pretende a apelante a reforma do referido "decisum", a fim de que seja julgada improcedente a demanda, no que assevera, para tanto, a validade do contrato de cartão de crédito consignado, defendendo ter sido entabulado com anuência da demandante, a significar, em consequência, a licitude dos descontos efetuados no seu benefício previdenciário e a inviabilidade de restituição de valores.

Pois bem.

Sobre as modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.asp).

Ainda a respeito, esclarece a jurisprudência que, no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, "disponibiliza-se ao consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, j. em 14/5/2015, DJe 20/5/2015).

Nessa perspectiva, a concessão de crédito através...

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