Acórdão Nº 5000559-07.2021.8.24.0125 do Primeira Câmara Criminal, 31-05-2022

Número do processo5000559-07.2021.8.24.0125
Data31 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5000559-07.2021.8.24.0125/SC

RELATORA: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO

APELANTE: TANIA MARIA DE BARROS ARAUJO (INTERESSADO) APELANTE: LUIZ ROBERTO DE BARROS ARAUJO (INTERESSADO) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) APELADO: JEFFERSON DE ARAUJO ALVES (ACUSADO)

RELATÓRIO

No Juízo da Vara Criminal da Comarca Itapema, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia em face de Jefferson de Araújo Alves pela prática, em tese, da infração penal contra a vida prevista no art. 121, § 2º, IV, com incidência das agravantes dispostas no art. 61, II, "f" e "h", ambos do Código Penal, em razão dos fatos assim narrados na inicial acusatória (Evento 1 dos autos originários):

Em 7 de dezembro de 2020, por volta das 17h, na residência localizada na Rua 402, s/n., Morretes, Itapema/SC, com vontade de matar, utilizando-se de uma faca, o denunciado JEFFERSON DE ARAUJO ALVES matou João Alves de Araujo, seu cunhado, de 93 anos de idade.

No referido dia, hora e local, o denunciado JEFFERSON DE ARAUJO ALVES golpeou a vítima João Alves de Araujo com uma faca, de inopino e por diversas vezes, causando-lhe anemia aguda por traumatismo torácico, causa eficiente de sua morte (Laudo Pericial de Exame Cadavérico n. 9405.20.4658 - ev. 30, exame4).

O crime foi praticado mediante recurso que dificultou e tornou impossível a defesa da vítima, uma vez que João Alves de Araujo estava desprevenido e em inferioridade física, considerando que se tratava de idoso de 93 de anos de idade, não podendo suspeitar que o denunciado JEFFERSON, seu cunhado e residente há dois meses no local, fosse lhe atacar no interior de sua própria moradia.

Encerrada a instrução processual e apresentadas alegações finais pelas partes, sobreveio sentença de absolvição imprópria, que reconheceu a inimputabilidade do acusado e aplicou a medida de segurança de internação e sujeição a tratamento ambulatorial até a cessação da periculosidade. A deliberação contou com o seguinte dispositivo (Evento 167 dos autos originários):

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a Denúncia para ABSOLVER IMPROPRIAMENTE o réu JEFFERSON DE ARAUJO ALVES da imputação criminosa que lhe fora inicialmente atribuída (art. 121, § 2º, IV, c/c art. 61, II, "f" e "h", c/c art. 26, todos do Código Penal), o que faço com fulcro nos artigos 415, IV, do Código de Processo Penal e 96 e seguintes do Código Penal.

Sem custas.

Em decorrência da inimputabilidade, APLICO, com fulcro no art. 96, incisos I e II, do CP, a MEDIDA DE SEGURANÇA DE INTERNAÇÃO, a ser cumprida em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado, e sujeição a TRATAMENTO AMBULATORIAL, preferencialmente por equipe multidisciplinar em Centros de Atenção Psicossocial, ambos por tempo indeterminado, até a cessação da periculosidade, com prazo mínimo de 1 (um) ano, descontado o tempo de segregação cautelar.

Após o prazo, deverão ser realizadas perícias médicas periódicas, a cada ano, até a cessação da periculosidade.

O tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado (Súmula n. 527 do STJ).

Nego ao réu o direito de recorrer em liberdade uma vez que persiste o risco à ordem pública diante do fundado perigo de reiteração de condutas ilícitas pelo agente.

Inconformado com o decisum, o causídico assistente da acusação interpôs o presente recurso, almejando, em suma, o encaminhamento do feito a julgamento pelo Conselho de Sentença, pois a prova oral aponta a higidez mental do réu. Em caso deste Tribunal entender que o laudo pericial é insuficiente, postula a realização de exames médicos avançados e, posteriormente, seja o acusado submetido a nova avaliação mental.(Evento 15 destes autos).

Em contrarrazões, o Ministério Público e a defesa propuseram a manutenção incólume da sentença recorrida. O defensor nomeado pugnou a fixação de honorários pela apresentação das contrarrazões (Eventos 20 e 21 destes autos).

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça a Exma. Dra. Procuradora Vera Lúcia Coró Bedinoto, que se manifestou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (Evento 24 destes autos).

Este é o relatório.

VOTO

Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto por Tânia Maria de Barros Araújo e Luiz Roberto de Barros Araújo contra sentença do Juízo da Vara Criminal da Comarca de Itapema que, ao julgar parcialmente procedente a denúncia, com fulcro no art. 415, IV, do Código de Processo Penal, absolveu impropriamente o acusado, impondo-lhe a medida de segurança de internação e tratamento ambulatorial, por tempo indeterminado, até a cessação da periculosidade, com prazo mínimo de 1 (um) anos, e limite máximo da pena abstratamente cominada ao crime praticado (art. 121, § 2º, IV, c/c art. 61, II, "f" e "h").



1. Dos fatos

Consta da peça vestibular, sinteticamente, que no dia 07-12-2020, por volta das 17h, o acusado, de forma consciente e voluntária, imbuído de manifesto animus necandi, desferiu múltiplos golpes de faca na vítima, seu cunhado, que possuía 93 (noventa e três) anos de idade à época dos fatos, provocando-lhe ferimentos que foram a causa determinante de sua morte.

Segundo a pretensão acusatória, o delito foi praticado mediante recurso que dificultou e impossibilitou a defesa da vítima, porquanto o réu aproveitou-se da distração da vítima e da sua inferioridade física. Ademais, nos termos delineados pelo Parquet, o ofendido não suspeitava que o acusado, seu cunhado e residente há dois meses no loca, fosse lhe atacar no interior da sua própria residência.

Por tais razões, o Ministério Público ofereceu denúncia em desfavor de Jefferson de Araujo Alves, dando-o como incurso na sanção do art. 121, § 2º, II, c/c art. 61, II, "f" e "h", ambos do Código Penal.

No curso do feito, sobreveio laudo pericial que atestou a inimputabilidade do acusado à época do cometimento da infração penal (Evento 129 dos autos originários).

Devidamente instruído o presente processo, sem oposição do Órgão Ministerial, o Juízo a quo prolatou sentença de absolvição imprópria, que reconheceu a inimputabilidade do acusado ao tempo da prática delitiva e aplicou a medida de segurança de internação e sujeição a tratamento ambulatorial até a cessação da periculosidade.

Irresignado, o assistente de acusação manejou a presente insurgência.



2. Da admissibilidade

O recurso preenche os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual comporta conhecimento.



3. Mérito

O assistente de acusação almeja que o acusado seja submetido a julgamento diante do Tribunal do Júri pela suposta prática do homicídio qualificado descrito na denúncia (art. 121, § 2º, IV, do Código Penal). Para tanto, sustenta que a prova oral angariada durante a persecução penal demonstra a higidez mental do réu.

Aduz, nessa toada, que o laudo pericial não pode conduzir, definitivamente, à conclusão de insanidade mental do acusado, sobretudo quando existem provas em sentido contrário. Alega que o exame técnico respaldou-se somente na entrevista do réu, e não contou com amparo em procedimento médico.

Em caso deste Tribunal entender que o laudo pericial é insuficiente, postula a realização de exames médicos avançados e, posteriormente, seja o acusado submetido a nova avaliação mental.

Os pedidos, adianto, não comportam acolhimento.

De início, como é cediço, a Constituição Federal conferiu ao Tribunal do Júri a competência para julgar os crimes dolosos contra a vida, e garantiu-lhe a soberania dos veredictos (art. 5º, XXXVIII). Em respeito ao comando da Carta Magna e ao princípio do juiz natural, a absolvição sumária unicamente é possível, na firme compreensão da jurisprudência e doutrina pátrias, quando houver prova induvidosa acerca da presença de alguma das hipóteses disciplinadas no art. 415, do Código de Processo Penal.

Oportuna, aliás, a transcrição do dispositivo legal que versa sobre a absolvição sumária, in verbis:

Art. 415. O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando:

I - provada a inexistência do fato;

II - provado não ser ele autor ou partícipe do fato;

III - o fato não constituir infração penal;

IV - demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime.

Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV do caput deste artigo ao caso de inimputabilidade prevista no caput do art. 26 do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, salvo quando esta for a única tese defensiva.

Justamente por seu caráter terminativo, que afasta competência constitucional, a absolvição sumária ao final da primeira etapa do procedimento do Tribunal do Júri é medida excepcional, que apenas se opera quando for possível constatar, diante do contexto fático-probatório, a incidência inequívoca das hipóteses elencadas no texto legal supramencionado. Subsistindo incerteza razoável, indicativa de probabilidade fundada, impõe-se a pronúncia.

Tratando da absolvição sumária, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça preconiza: "É sabido que a absolvição sumária somente é possível, quando houver prova unívoca de excludente de ilicitude ou culpabilidade...

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