Acórdão Nº 5000559-78.2020.8.24.0242 do Quarta Câmara de Direito Comercial, 27-04-2021

Número do processo5000559-78.2020.8.24.0242
Data27 Abril 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5000559-78.2020.8.24.0242/SC

RELATOR: Desembargador JOSÉ CARLOS CARSTENS KOHLER

APELANTE: GENI MARCHESI SIMON (AUTOR) APELADO: BANCO DAYCOVAL S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Geni Marchesi Simon interpôs Recurso de Apelação (Evento 40) contra sentença prolatada pela Magistrada oficiante na Vara Única da Comarca de Ipumirim que, nos autos da "Ação declaratória de inexistência de relação jurídica c/c repetição de indébito e indenização por dano moral" ajuizada contra o Banco Daycoval S.A., julgou parcialmente procedente a pretensão vertida na exordial, cuja parte dispositiva se transcreve:

Ante o exposto JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES, nos termos do art. 487, I, CPC, os pedidos formulados por Geni Marchesi Simon contra Banco Daycoval S.A. para DETERMINAR a conversão do contrato firmado pelas partes em contrato de empréstimo consignado, observando-se que:

(i) o montante liberado na conta da autora deverá ser descontado do benefício previdenciário como empréstimo consignado desde quando celebrado;

(ii) deve haver o recálculo do montante, computados juros remuneratórios dentro dos balizamentos de empréstimos consignados com a taxa autorizada para desconto em benefícios previdenciários, observado como máximo o teto para operações iguais;

(iii) verificar-se-á a compensação de tudo aquilo que o requerente adimpliu a título de juros remuneratórios de cartão de crédito e demais consectários vinculados a esta modalidade contratual;

(iv) ainda no que se refere à compensação, os valores pagos a maior - cartão de crédito consignado - deverão ser aditados monetariamente pelo INPC desde a data de cada desembolso e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês a contar da citação; e

(v) caso haja saldo positivo em favor da autora, depois de efetuado o recálculo global, faz jus o mesmo à repetição simples do indébito.

Altere-se o rito para o procedimento comum, no sistema eproc.

Diante da sucumbência recíproca, condeno cada parte (autora e réu) ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como de honorários de sucumbência arbitrados em R$ 1.000,00, cuja exigibilidade fica suspensa pelo prazo de cinco anos em relação à autora, em razão do benefício da assistência judiciária gratuita a teor do art. 98, CPC.

P.R.I.

Após o trânsito em julgado, arquive-se.

Em suas razões recursais, a Autora asseverou, em síntese, que: (a) "foi ludibriada e enganada no momento da contratação, incorrendo em erro sobre a modalidade de contrato pactuada, impositivo o reconhecimento do ato ilícito e da nulidade do contrato, com o consequente retorno das partes ao status quo ante e não a conversão do contrato de cartão de crédito em empréstimo consignado conforme determinado em sentença.'"; (b) "cabe a Apelante devolver o montante que recebeu (R$ 1.270,00 - Evento 25, out3) e a Apelada ressarcir em dobro as deduções indevidamente realizadas no benefício previdenciário da consumidora desde junho de 2019, devidamente corrigidas pelo INPC e acrescidas de juros de 1% ao mês, a contar de cada desconto."; (c) "se faz necessária a declaração de nulidade do contrato e o retorno das partes às condições anteriores ao momento da contratação."; (d) "reconhecida a ilegalidade da contratação de cartão de crédito e dos respectivos descontos arbitrários em verba alimentar de pessoa hipervulnerável (idosa, pouca instrução e humilde), o dano moral resta caracterizado de forma presumida (in re ipsa), pois, redundou em abalo concreto na vida da Apelante."; e (e) "cabe a Apelada indenizar a Apelante no valor mínimo de R$ 10.000,00 (dez mil) reais pelos danos morais causados, pois, tratam-se de condutas reiteradas e realizadas em benefício de aposentadoria por idade de pessoa idosa por aproximadamente dois anos".

Empós, vertidas as contrarrazões (Evento 51), ascenderam os autos a este grau de jurisdição, sendo distribuídos a esta relatoria por prevenção.

É o necessário escorço.

VOTO

Esclareço, por oportuno, que a decisão recorrida se subsome ao regramento processual contido no novo Código de Processo Civil, porquanto a publicidade do comando judicial prolatado pelo Estado-Juiz se deu em novembro de 2020, isto é, já na vigência do CPC/2015.

1 Do Recurso

1.1 Da declaração de inexistência de débito

A Requerente ajuizou "ação declaratória de inexistência de relação jurídica c/c repetição de indébito e indenização por dano moral" em face de Banco Daycoval S.A., argumentando que a Instituição de Crédito impôs de forma dissimulada a contratação de empréstimo via cartão de crédito, com desconto em folha do valor mínimo da fatura, de modo que acreditou que estava realizando um empréstimo nos moldes tradicionais.

A Autora aduziu que empós a celebração do aludido mútuo foi surpreendida com a informação que a contratação se deu em modalidades diversa, mediante "cartão de crédito com reserva de margem consignável - RMC".

Diante desse quadro, clamou pela: (a) declaração de inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável - RMC e, caso não acolhida a pretensão declaratória, a conversão da aludida avença para a modalidade empréstimo consignado; (b) restituição em dobro dos valores descontados indevidamente em folha de pagamento; e (c) condenação da Ré ao pagamento de indenização por danos morais.

A Instituição Financeira, por sua vez, advogou, em apertado escorço, que no contrato celebrado entre as Partes restou expressamente pactuada a contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), tendo a Autora plena ciência da referida contratação, efetuando inclusive saque dos valores disponibilizados em conta-corrente.

A Magistrada a quo julgou parcialmente procedentes os pedidos articulados na peça vestibular, pautando-se nos seguintes fundamentos:

Elucidadas essas questões, verifico que a contratação entre as partes está devidamente comprovada no evento 25 - CONTR2.

O que se denota é que, em verdade, a consumidora foi induzida a erro no momento da contração do empréstimo consignado, fazendo-o por meio de cartão de crédito consignado.

A conclusão se dá, a uma, porque houve a transferência do montante solicitado diretamente para a conta corrente indicada pela autora (evento 25 - OUT3).

A duas, porque a demandante alude sequer ter recebido e utilizado o cartão de crédito contratado. Acerca disso, o banco requerido não produziu nenhuma prova, pois não comprovou o envio ou a efetiva entrega do referido cartão.

A três, a autora não utilizou o cartão de crédito para adquirir bens e serviços, fim ao qual o produto se destina. As faturas contêm apenas créditos e débitos referentes ao empréstimo, realizado com taxas de juros e pela qual são cobrados diversos encargos financeiros. A ausência de compras demonstra que o objetivo inicial da parte autora não foi, em momento algum, contratar um cartão de crédito que nunca utilizaria, uma vez que sua finalidade estava adstrita ao saque do valor pretendido.

A quatro, porque a própria inscrição do título do contrato induz a parte autora a crer que estava a contratar modalidade diversa: o contrato menciona "cartão de crédito consignado", o que remete a "crédito consignado".

[...]

Assim, o banco réu não comprovou que a contratação preencheu os requisitos previstos na lei consumerista. A situação em análise indica que a contratante não foi devidamente cientificado da diferença de um empréstimo consignado e um RMC.

Desse modo, conclui-se que a postura do réu foi em sentido oposto ao da boa-fé objetiva, porquanto não prestou à autora informações suficientes e adequadas sobre a existência do contrato, especialmente no que tange à diferença dos custos e encargos, e dos riscos atrelados a cada modalidade.

Reprisa-se: a informação deve ser clara, objetiva e precisa, haja vista que afeta a livre e consciente manifestação de vontade da consumidora no momento da escolha de determinado serviço ou produto.

Logo, não há como considerar que a avença continha as informações básicas e essenciais à consumidora - tais como os encargos pactuados -, sobretudo porque a opção por tal modalidade de mútuo (mais oneroso do que o empréstimo consignado) deve se dar de forma consciente.

De todo o exposto, inegável a ocorrência de vício, uma vez que diante da aplicação da inversão do ônus da prova cabia ao réu demonstrar que a avença firmada cumpriu com as disposições consumeristas. Contudo, não produziu nenhuma prova nesse sentido.

Lado outro, não obstante o erro quanto à modalidade do contrato, é incontroverso que o empréstimo aperfeiçoou-se.

Deste modo, considerando que a parte autora efetivamente recebeu a quantia e dela se utilizou, necessário que se aplique na hipótese o princípio da conservação dos negócios jurídicos, previsto no art. 170 do Código Civil.

Assim, a correta e equânime decisão do caso implica necessariamente a conversão do contrato de cartão de crédito em contrato de empréstimo consignado, com a incidência de juros remuneratórios e encargos segundo o contrato padrão da instituição financeira para empréstimos dessa modalidade, até a data do efetivo adimplemento.

[...]

Anoto que, diante da conversão em contrato de empréstimo, em compasso com o que vem decidindo o TJSC devem ser tomadas as seguintes medidas:

(a) o montante liberado na conta da parte autora deverá ser descontado do benefício previdenciário como empréstimo consignado desde quando celebrado;

(b) deve haver o recálculo do montante, computados juros remuneratórios dentro dos balizamentos de empréstimos consignados com a taxa autorizada para desconto em benefícios previdenciários, observado como máximo o teto para operações iguais;

(c) verificar-se-á a compensação de tudo aquilo que a parte requerente adimpliu a título de juros remuneratórios de cartão de crédito e demais consectários vinculados a esta modalidade contratual;

(d) ainda no que se refere à compensação, os valores pagos a maior - cartão de crédito consignado - deverão ser aditados monetariamente pelo INPC desde a data de cada desembolso e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês a...

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