Acórdão Nº 5000564-66.2020.8.24.0124 do Quinta Câmara de Direito Comercial, 20-10-2022

Número do processo5000564-66.2020.8.24.0124
Data20 Outubro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5000564-66.2020.8.24.0124/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5000564-66.2020.8.24.0124/SC

RELATORA: Desembargadora SORAYA NUNES LINS

APELANTE: LIDIA DUARTE (AUTOR) ADVOGADO: ELIANA SANTANGELO REIS HALL (OAB SC005815) ADVOGADO: MARCOS ANTÔNIO HALL (OAB SC006589) APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU) ADVOGADO: RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA (OAB SC047610) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Lidia Duarte ajuizou "ação declaratória de inexistencia de débito c/c indenização por danos morais e materiais, restituição de valores e tutela provisória de urgência" contra Banco BMG S.A, na qual sustenta que formalizou contrato de empréstimo consignado com o banco réu e, assim, concluiu que o pagamento seria realizado com os descontos mensais diretamente do seu benefício, conforme sistemática de pagamento de empréstimos consignados. No entanto, a instituição financeira realizou operação bancária diversa, com reserva de margem de cartão de crédito, em nítida falha na prestação do serviço.

Aduziu que não houve o desbloqueio, tampouco o regular uso dos cartões, de modo que a instituição financeira não poderia cobrar ou descontar valores da autora a título de RMC.

Pugnou, dessa maneira, pela declaração da inexistência da relação jurídica relativa ao empréstimo via cartão de crédito, bem como da reserva de margem consignável (RMC), com a condenação do réu à restituição em dobro dos valores cobrados indevidamente.

Além disso, pleiteou pela condenação do banco ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a concessão da assistência judiciária gratuita e a inversão do ônus da prova (evento 1, INIC1 - autos de origem).

Recebida a petição inicial, deferiu-se a gratuidade da justiça e a inversão do ônus da prova e indeferiu-se a tutela de urgência (evento 4, DESPADEC1).

Citada, a instituição financeira, apresentou contestação (evento 14, CONT1) e juntou documentos.

Houve réplica (evento 23, PET1).

Sentenciando (evento 30, SENT1), o Juízo a quo julgou procedentes em parte os pedidos formulados na exordial, nos seguintes termos:

DIANTE DO EXPOSTO, com fulcro no artigo 487, inc. I, do CPC, JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido inicial, para os fins de: a) DECLARAR a inexigibilidade dos valores descontados nas folhas de pagamento da parte autora referente ao contrato de cartão de crédito consignado n. 11398303, vinculado ao benefício previdenciário da demandante de n. 103.158.725-7, estabelecido pelo banco réu; b) CONDENAR a parte ré à restituição dos valores descontados indevidamente (R$ 46,85 mensais), na forma simples, os quais devem ser apurados mediante cálculo aritmético, corrigidos monetariamente pelo INPC desde cada desconto e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação, observando-se a compensação de valores com a quantia disponibilizada à parte autora (R$ 1.065,94) no momento da liquidação de sentença, corrigidos nos mesmos termos, a partir da disponibilização do montante à demandante, sem incidência de juros de mora; e c) RESOLVER o contrato n. 11398303, vinculado ao benefício previdenciário n. 103.158.725-7 entabulado entre as partes.

Condeno as partes ao pagamento das despesas processuais, na proporção de 70% à parte autora e 30% à ré, e honorários advocatícios em favor dos patronos das partes, fixados em 10% do proveito econômico da autora (CPC, art. 85), observado o art. 98, § 3º, do CPC em favor da demandante, em razão de a parte ser beneficiária da gratuidade judiciária.

Vedada a compensação de honorários de sucumbência (CPC, § 14, art. 85).

[...]

Inconformada com a prestação jurisdicional, a parte ré interpôs recurso de apelação (evento 36, APELAÇÃO1), em que sustenta a legalidade dos contratos celebrados e dos saques realizados pela autora, tendo a contratante aderido expressamente aos serviços de cartão de crédito consignado. Menciona jurisprudência das Turmas Recursais desta Corte em prol da sua tese. Postula a reforma da sentença e, consequentemente, o provimento do recurso para julgar improcedentes os pedidos deduzidos na exordial. Alternativamente, pugna que o montante creditado em favor da autora seja compensado.

A parte autora também manejou recurso de apelação (evento 41, APELAÇÃO1), no qual pretende, em suma: a) o reconhecimento da ilegalidade da avença referente ao benefício de pensão por morte (NB - 140.392.959-6), com a conseguinte declaração de inexistência da contratação do cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC); b) a restituição em dobro dos valores indevidamente "descontados" dos seus dois benefícios (NB 103.158.725-7 e NB 140.392.959-6), a título de "reserva de margem consignável" e de "empréstimo sobre a reserva de margem consignável", desde novembro/2015; c) a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais); d) a majoração dos honorários advocatícios, tendo em vista o trabalho em sede recursal.

Intimadas, as partes apresentaram contrarrazões (evento 46, PROC1 e evento 50, CONTRAZ1).

Após, vieram os autos conclusos.

Este é o relatório.

VOTO

Cuida-se de recursos de apelação cível interpostos por Lidia Duarte e pelo Banco BMG S.A contra a sentença prolatada pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Itá que, nos autos da "ação declaratória de inexistencia de débito c/c indenização por danos morais e materiais, restituição de valores e tutela provisória de urgência", julgou parcialmente procedentes os pedidos exordiais.

Presentes os requisitos de admissibilidade, passa-se à análise conjunta dos recursos.

1. Contratos de cartão de crédito com reserva de margem consignável

No caso em análise, denota-se da narrativa inicial que a parte autora sustenta que pretendia firmar contrato de empréstimo consignado com o banco réu mediante descontos mensais em seus benefícios previdenciários (NB 103.158.725-7 e NB 140.392.959-6). Entretanto, foram-lhe concedidos cartões de crédito consignados (5259.****.*****.2112 - evento 14, OUT8 e 5259.****.****.9113 - evento 14, OUT9), por meio dos quais foram promovidos descontos, a título de reserva de margem consignável (RMC), que são indevidos, pois não autorizados.

O banco, por sua vez, defende a validade do contrato de cartões de crédito firmado entre as partes e a licitude dos descontos realizados diretamente nos benefícios previdenciários da parte autora. Aduz, ainda, que os contratos de empréstimo via emissão de cartão de crédito com reserva de margem está previsto legalmente, não se tratando de prática abusiva, bem como que a consumidora foi devidamente informada da modalidade contratada.

A insurgência, adianta-se não merece acolhimento.

De início, cumpre ressaltar que se trata induvidosamente de relação de consumo, sujeita à aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor, com a inversão do ônus da prova para a facilitação dos direitos da parte autora, uma vez que configurada a hipossuficiência técnica e financeira em relação à instituição financeira (art. 6º VIII, CDC).

In casu, compulsando os autos, extrai-se da documentação acostada que a autora firmou, por meio de assinatura a rogo, em 14-10-2015, com o Banco o "Termo de Adesão Cartão Crédito Consignado Banco BMG e Autorização para Desconto em Folha de Pagamento", sob o nº adesão 395309-29, e "Cédula de Crédito Bancário, (evento 14, CONTR2), dos quais se originou a reserva de margem para os cartões de crédito ns. 5259.****.*****.2112 (evento 14, OUT8) e 5259.****.****.9113 (evento 14, OUT9), com inclusão em 3-2-2017 nos benefícios NB 140.392.959-6 (evento 1, EXTR5) e NB 103.158.725-7 (evento 1, EXTR6 ).

Depreende-se, ainda, que os termos de adesão apresentam a assinatura de duas testemunhas, bem como a aposição de impressões digitais e, ainda, assinatura a rogo por pessoa de confiança da autora, ou seja, pela sua filha (evento 14, CONTR2).

Já o contrato relativo ao benefício previdenciário n. 140.392.959-6 não foi apresentado pela instituição financeira, mesmo após determinação nesse sentido (evento 4, DESPADEC1).

Consta no documento de identidade da autora (evento 1, RG4) que esta possui 81 (oitenta e um) anos de idade e não é alfabetizada, sendo que tais fatos eram de conhecimento da instituição financeira no momento da celebração dos pactos.

É certo que a validade do negócio jurídico depende, além de outros requisitos, da capacidade civil do agente (art. 104 do CC/02), sendo passível de anulação quando praticado por pessoa relativamente incapaz (art. 171, I, do CC/02).

No entanto, o analfabetismo, por si só, não induz a presunção de incapacidade da pessoa, seja ela absoluta ou relativa, tampouco a idade avançada.

Ocorre que é forçoso reconhecer a suscetibilidade das pessoas idosas em contratar empréstimos com descontos em seus proventos, bem como sua hipossuficiência acentuada em relação às instituições financeiras.

Além disso, embora o analfabetismo não torne o sujeito incapaz, referida situação é fator que reduz a compreensão acerca dos termos contratados e requer a adoção de certa cautela quando da contratação dos serviços a fim de dar cumprimento ao direito de informação.

É o que diz o artigo 6.º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor, o qual elucida que são direitos básicos do consumidor a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem. Dessa forma, é dever da instituição financeira assegurar ao cliente o efetivo conhecimento do objeto contratado.

No caso de o contratante não saber ler e escrever, como na hipótese, o Código Civil disciplina que nos pactos...

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