Acórdão Nº 5000578-61.2020.8.24.0088 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 05-04-2022

Número do processo5000578-61.2020.8.24.0088
Data05 Abril 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5000578-61.2020.8.24.0088/SC

RELATORA: Desembargadora REJANE ANDERSEN

APELANTE: VILMAR PEREIRA (AUTOR) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

Vilmar Pereira ajuizou "ação declaratória de nulidade de desconto em folha de pagamento/ausência do efetivo proveito c/c repetição de indébito e danos morais, com pedido de tutela provisória antecipada de urgência em caráter incidental" (RMC) em face de Banco BMG S.A., ao argumento de que, em síntese, está sofrendo descontos indevidos em seu benefício previdenciário, os quais são realizados a título de reserva de margem consignável oriunda de contrato de cartão de crédito que aduz ter sido contratado mediante um desvirtuamento da real operação de crédito que pretendia contratar.

Diante dessas circunstâncias, requereu, em suma: 1) a declaração de inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito com RMC; 2) a restituição do indébito; e, 3) a condenação da demandada ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (evento 1).

Concedido o benefício da gratuidade da Justiça e indeferido o pleito liminar (evento 8).

Contestação apresentada (evento 20 e 21).

Réplica no evento 25.

Sobreveio sentença de mérito, nos seguintes termos (evento 29):

Ante o exposto, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por Vilmar Pereira contra Banco BMG S.A.

Ante o princípio da sucumbência, condeno a parte demandante ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil. Anote-se, entretanto, que a exigibilidade das verbas fica suspensa em razão do benefício da gratuidade da justiça deferida, conforme prevê o art. 98, § 3º, do diploma processual civil.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Em caso de apelação, intime-se a parte contrária para contrarrazões e, em seguida, remetam-se os autos ao egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

Após o trânsito em julgado, cumpridas as formalidades legais, arquive-se.

Irresignada, a requerente interpôs recurso de apelação (evento 35), rechaçando os argumentos expostos em primeiro grau, eis que deve ser reconhecida a nulidade da contratação, com o retorno das partes ao status quo ante e a condenação da ré, por conseguinte, à indenização por danos morais e repetição do indébito.

Contrarrazões no evento 39, oportunidade em que o banco recorrido sustentou a ocorrência da prescrição no caso.

É o relatório.

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença que, no âmbito da presente ação, julgou improcedentes os pleitos formulados na peça exordial. Realizada a admissibilidade recursal, passa-se à análise das insurgências levadas ao duplo grau de jurisdição.

1 Preliminar alegada em sede de contrarrazões - Prescrição

Sustenta a instituição bancária apelada que a pretensão da parte autora está acobertada pelo manto da prescrição, tendo em vista que, no caso concreto, se aplica o prazo prescricional de 3 (três) anos, previsto no artigo 206, § 3º, IV e V, do Código Civil de 2002.

Não lhe assiste razão.

Cabe salientar que o caso envolve relação de consumo, razão pela qual tem aplicação o art. 27 do Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual "prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria".

Assim sendo, o prazo começa a fluir a partir do último desconto indevido, "porquanto em se tratando de relação de trato sucessivo, no qual, a cada desconto indevido, surge uma nova lesão, o prazo prescricional começa a fluir a partir da data do última dedução realizada no benefício previdenciário da autora" (Apelação n. 5000286-05.2020.8.24.0047, rel. Des. Robson Luz Varella, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 25-5-2021).

Veja-se, nesse mesmo sentido, excerto de precedente recente desta Corte, em aresto da relatoria do Insigne Desembargador Roberto Lucas Pacheco, onde o Eminente Julgador se valeu, para fundamentar o seu decisório, de julgado do Tribunal da Cidadania:

"1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, em se tratando de pretensão de repetição de indébito decorrente de descontos indevidos, por falta de contratação de empréstimo com a instituição financeira, ou seja, em decorrência de defeito do serviço bancário, aplica-se o prazo prescricional do art. 27 do CDC.2. O termo inicial do prazo prescricional da pretensão de repetição do indébito relativo a desconto de benefício previdenciário é a data do último desconto indevido. Precedentes (AgInt no AREsp n. 1.412.088/MS, Rel. Min. RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 27-8-2019 [...])" (Apelação n. 5000399-28.2020.8.24.0218, rel. Des. Roberto Lucas Pacheco, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 1º-10-2020).

E mais, destacam-se entendimentos desta Câmara, na linha da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

APELAÇÕES CÍVEIS - AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO CUMULADA COM RESTITUIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA - RECLAMOS INTERPOSTOS POR AMBOS OS LITIGANTES. PRESCRIÇÃO - INTENTO DA PARTE RÉ DE APLICAÇÃO DO LAPSO TRIENAL COM FUNDAMENTO NO ART. 206, § 3º, V, DO CÓDIGO CIVIL (PRETENSÃO DE REPARAÇÃO CIVIL) - PREFACIAL AFASTADA - RELAÇÃO OBRIGACIONAL EXISTENTE DE NATUREZA CONTINUADA - TERMO INICIAL CORRESPONDENTE À DATA DO ÚLTIMO DESCONTO REALIZADO NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DO AUTOR. "É assente o entendimento desta Corte Superior que em se tratando de pretensão de repetição de indébito decorrente de descontos indevidos, por falta de contratação de empréstimo com a instituição financeira, ou seja, em decorrência de defeito do serviço bancário, aplica-se o prazo prescricional do art. 27 do CDC e o termo inicial do prazo prescricional, é a partir da data em que ocorreu a lesão, ou seja, a data do pagamento/desconto indevido" (STJ, AREsp 1.539.571/MS, rel. Ministro Raul Araújo, j. em 24/9/2019). (Apelação Cível n. 0300117-36.2019.8.24.0218, de Catanduvas, rel. Robson Luz Varella, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 23-6-2020).

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE CONTRATUAL CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E REPETIÇÃO DO INDÉBITO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA PARTE AUTORA.CONTRARRAZÕES. TESE DE PRESCRIÇÃO. PREFACIAL NÃO ANALISADA PELO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU. APRECIAÇÃO EM SEDE RECURSAL. DEMANDA QUE ENVOLVE RELAÇÃO DE CONSUMO E DE TRATO SUCESSIVO. INCIDÊNCIA DO PRAZO QUINQUENAL PREVISTO NO ART. 27 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. TERMO A QUO A PARTIR DO ÚLTIMO DESCONTO INDEVIDO. CAUSA EXTINTIVA NÃO CONFIGURADA. PRELIMINAR AFASTADA. [...] RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação n. 5004164-94.2020.8.24.0092, rel. Altamiro de Oliveira, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 11-5-2021).

Desta forma, não há falar em prescrição, porquanto a contagem do prazo prescricional de 5 (cinco) anos insculpido no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor sequer teve seu curso iniciado, pois não houve a cessão do dano discutido até o momento.

Portanto, afasta-se a prefacial de prescrição suscitada pela ora apelada.

2. Mérito

2.1. Legalidade do contrato firmado entre as partes

Sustenta o apelante que a sentença singular deve ser reformada para declarar a inexistência da contratação de empréstimo consignado via cartão de crédito, o qual originou os descontos a título de reserva de margem consignável, realizados no seu benefício previdenciário. Para tanto, alega que sua intenção era apenas a de fazer um empréstimo consignado simples e jamais a de contratar cartão de crédito, o qual aduz nunca sequer ter utilizado ou desbloqueado. Argumenta, ainda, que a manutenção dos termos do contrato sub judice implicará em uma dívida vitalícia e impagável, a qual representa obrigação totalmente desproporcional ao consumidor.

Depreende-se, portanto, que a celeuma principal cinge-se na verificação da (i)legalidade da contratação de empréstimo de numerário, por meio de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) e, também, na averiguação da existência de eventual vício de consentimento em relação à referida contratação.

Compulsando detidamente o caderno processual verifica-se por incontroverso, que houve uma transação formalizada pelas partes para realização de empréstimo de dinheiro, o qual se consolidou por meio do documento denominado "Termo de Adesão Cartão de Crédito Consignado Banco BMG e Autorização para Desconto em Folha de Pagamento" (evento 20 - contrato 3).

Entretanto, apesar de o referido documento estar formalmente perfeito e possuir a assinatura da ora recorrente, o contexto fático-probatório coligido nos autos, revela uma ilicitude na referida contratação, a qual se materializa no fato de que a autora foi induzida a contratar o cartão de crédito em questão com o fim único e exclusivo de viabilizar uma operação financeira de mútuo, qual seja, o empréstimo na modalidade consignado, o qual lhe é disponibilizado em razão da sua condição de aposentado pelo Instituto Nacional de Seguro Social - INSS.

Oportunamente, cabe destacar que, conforme infere-se das faturas acostadas pela própria casa bancária no evento 20 (outros 4), o cartão de crédito supostamente contratado jamais fora utilizado pela parte autora para fins de aquisição de produtos ou pagamento de serviços. Pelo contrário, os únicos lançamentos que constam nas mencionadas faturas são aqueles referentes à encargos contratuais e impostos oriundos da operação financeira firmada entre as partes.

Doutro vértice, dessume-se dos autos que a instituição financeira recorrida sequer comprovou o envio ou a efetiva entrega do aludido cartão no endereço da autora, o que poderia ser facilmente provado por meio da apresentação de documento idôneo assinado pela requerente.

Sendo assim, tem-se...

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