Acórdão Nº 5000603-53.2022.8.24.0040 do Quinta Câmara de Direito Comercial, 13-04-2023

Número do processo5000603-53.2022.8.24.0040
Data13 Abril 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5000603-53.2022.8.24.0040/SC



RELATORA: Desembargadora SORAYA NUNES LINS


APELANTE: MARIZA DE OLIVEIRA RODRIGUES (AUTOR) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)


RELATÓRIO


MARIZA DE OLIVEIRA RODRIGUES ajuizou "ação declaratória de inexistência de contratação de empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável c/c reparação por danos morais" contra BANCO BMG S.A, na qual sustenta que formalizou contrato de empréstimo consignado com o banco réu e, assim, concluiu que o pagamento seria realizado com os descontos mensais diretamente do seu benefício (NB 196.889.340-4), conforme sistemática de pagamento de empréstimos consignados. No entanto, a instituição financeira realizou operação bancária diversa, com reserva de margem de cartão de crédito, em nítida falha na prestação do serviço.
Aduziu que não houve o desbloqueio, tampouco o regular uso do cartão, de modo que a instituição financeira não poderia cobrar ou descontar valores da autora a título de RMC.
Pugnou, dessa maneira, pela declaração da inexistência da relação jurídica relativa ao empréstimo via cartão de crédito, bem como da reserva de margem consignável (RMC), com a condenação do réu à restituição em dobro dos valores cobrados indevidamente.
Além disso, pleiteou pela condenação do banco réu ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), a concessão da assistência judiciária gratuita e a inversão do ônus da prova (evento 1, INIC1 - autos de origem).
Recebida a petição inicial, deferiu-se a gratuidade da justiça (evento 4, DESPADEC1).
Citada, a instituição financeira apresentou contestação (evento 12, CONT4), juntou documentos e áudio de saque complementar.
Houve réplica (evento 16, RÉPLICA1).
Sentenciando (evento 18, SENT1), o Juízo a quo julgou improcedentes os pedidos formulados na exordial, nos seguintes termos:
Ante o exposto, com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos deduzidos na petição inicial, julgando extinto o feito e resolvido o mérito.
Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios da parte adversa, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, restando suspensa a exigibilidade da cobrança, uma vez que deferido à autora os benefícios da Justiça Gratuita (Evento 04).
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Cumpridas as formalidades legais, arquivem-se.
Inconformada com a prestação jurisdicional, a parte autora interpôs recurso de apelação (evento 22, APELAÇÃO1), no qual postula a reforma da sentença, e, consequentemente, o provimento do recurso para julgar procedentes os pedidos deduzidos na exordial.
Intimado, o apelado apresentou contrarrazões (evento 28, CONTRAZ1).
Após, com os autos em grau recursal, sobreveio petição da casa bancária para requerer a aplicação de tese provisória fixada no IRDR n. 5040370-24.2022.8.24.0000, desta Corte, de modo a afastar a fixação de indenização por danos morais in re ipsa (evento 9, PET1).
Após, vieram os autos conclusos.
Este é o relatório

VOTO


Cuida-se de recurso de apelação cível interposto por MARIZA DE OLIVEIRA RODRIGUES contra a sentença prolatada pelo Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Laguna que, nos autos da "ação declaratória de inexistência de contratação de empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável c/c reparação por danos morais", julgou improcedentes os pedidos exordiais.
Presentes os requisitos de admissibilidade, passa-se à análise da quaestio.
1. Contrato de cartão de crédito consignado com margem consignável
No caso em análise, denota-se da narrativa inicial que a parte autora pretendia firmar contrato de empréstimo consignado com o Banco réu mediante descontos mensais em seu benefício previdenciário. Entretanto, foi-lhe concedido cartão de crédito consignado, por meio do qual foram promovidos descontos, a título de reserva de margem consignável (RMC), os quais são indevidos, pois não autorizados.
Inicialmente, cumpre registrar que se trata induvidosamente de relação de consumo, sujeita à aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor, com a inversão do ônus da prova para a facilitação dos direitos da autora, uma vez que configurada a hipossuficiência técnica e financeira em relação à instituição financeira (art. 6º VIII, CDC).
In casu, compulsando os autos, extrai-se da documentação acostada que a autora firmou, em 06/11/2017, com o banco a "Termo de Adesão Cartão Crédito Consignado Emitido pelo Banco BMG e Autorização para Desconto em Folha", sob o n. adesão 64019590 (evento 12, CONTR5), do qual se originou a reserva de margem para cartão de crédito n.16661246, cuja data de inclusão no benefício ocorreu em 29.07.2020 (evento 1, FINANC4).
Salienta-se que o "certificado de conclusão da formalização eletrônica", associado ao autorretrato fotográfico e à cédula de identidade da parte mutuária, afasta eventual alegação de nulidade por ausência de assinatura no pacto (veja-se: apelação n. 5000902-80.2021.8.24.0067, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Jânio Machado, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 31-03-2022).
Embora o banco tenha apresentado o contrato firmado entre as partes, bem como haja cláusula expressa autorizando a reserva de margem consignável e tenham sido realizado saque complementar, tais fatos, por si só, não conferem legitimidade à avença, tampouco permitem inferir-se extreme de dúvidas que, efetivamente, a parte autora possuía conhecimento sobre as características da avença celebrada.
Isso porque, a partir das faturas acostadas ao feito, resta demonstrado que o cartão de crédito cedido à recorrente jamais fora utilizado na sua função precípua, qual seja, aquisição de produtos e serviços de consumo, visto que os únicos lançamentos deduzidos se referem, justamente, aos saques disponibilizados via "TED" (evento 12, COMP2,evento 12, COMP3), bem como aos demais encargos de refinanciamento (evento 12, FATURA6). Resta evidente, portanto, que a apelante, na verdade, tinha a intenção de contratar um empréstimo consignado e não o serviço de cartão de crédito com reserva de margem consignável.
A gravação telefônica colacionada aos autos também não demonstra que a autora detinha conhecimento acerca da contratação, pois fora realizada em momento posterior a realização do pacto contratual e visava obter esclarecimentos acerca de saque complementar. Ressalta-se que a discussão neste feito é se as informações prestadas foram claras, adequadas, inequívocas e anteriores à formalização do contrato, de modo que tenham conduzido a contratante ao perfeito conhecimento acerca da modalidade de crédito, a forma de cobrança e todos os encargos incidentes.
Além disso, o pagamento do valor sacado é exigido de uma única vez, no primeiro vencimento do cartão - o que não se assemelha aos contratos consignados padrões, em que o adimplemento da quantia emprestada ocorre de forma parcelada. Não bastasse isso, o valor descontado do benefício previdenciário, através do "empréstimo RMC", reserva-se ao pagamento mínimo indicado nas faturas mensais do cartão, resultando, assim, na contratação de crédito rotativo quanto ao saldo remanescente, com incidência de juros altíssimos, típicos de contratos de cartões de crédito.
Tais situações são práticas consideradas abusivas e vedadas pelo Código de Defesa do Consumidor. É o que se extrai dos arts. 39, III e IV, e 51, IV, da mencionada Lei:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: [...] III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço; IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços.
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...]; IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.
Cumpre destacar que os serviços bancários em especial se revestem de complexidades e são altamente passíveis de expor os clientes a riscos, o que impõe deveres e redobrados cuidados aos prestadores. Bem por isso, a Resolução nº 3694/2009, do Conselho Monetário Nacional, dispunha:
Art. 1º As instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, na contratação de operações e na prestação de serviços, devem assegurar: [...]
III - a prestação das informações necessárias à livre escolha e à tomada de decisões por parte de clientes e usuários, explicitando, inclusive, direitos e deveres, responsabilidades, custos ou ônus, penalidades e eventuais riscos existentes na execução de operações e na prestação de serviços; [...]
V - a utilização de redação clara, objetiva e adequada à natureza e à complexidade da operação ou do serviço, em contratos, recibos, extratos, comprovantes e documentos destinados ao público, de forma a permitir o entendimento do conteúdo e a identificação de prazos, valores, encargos, multas, datas, locais e demais condições.
Acerca da necessidade de prestação adequada de informações previamente à celebração de operações bancárias, oportuno mencionar que pela sua relevância mereceu do legislador tratamento específico na recente Lei nº 14.181/2021, que atualizou o Código de Defesa do Consumidor, inserindo a este diploma legal, entre outros, o art. 54-D, com o seguinte teor:
Art. 54-D. Na oferta de crédito,...

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