Acórdão Nº 5000669-94.2022.8.24.0052 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 01-11-2022

Número do processo5000669-94.2022.8.24.0052
Data01 Novembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5000669-94.2022.8.24.0052/SC

RELATOR: Desembargador ROBSON LUZ VARELLA

APELANTE: MARIO RINCAO (AUTOR) E OUTRO ADVOGADO: TIAGO DE AZEVEDO LIMA (OAB SC036672) ADVOGADO: EDUARDO FERNANDO REBONATTO (OAB SC036592) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação cível interpostos por MARIO RINCAO e BANCO BMG S.A contra sentença de parcial procedência (evento 15) da denominada ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito cumulada com restituição de indébito e indenização por danos morais, a qual foi prolatada nos seguintes termos:

Ante o exposto, com fundamento no artigo 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido inicial, nos termos da fundamentação, para os fins de:

a) DECLARAR a inexigibilidade do valor descontado na folha de pagamento da parte autora a título de RMC estabelecido pelo banco réu.

b) CONDENAR a parte ré à restituição simples dos valores retidos indevidamente, os quais devem ser apurados mediante cálculo aritmético, corrigidos monetariamente pelo INPC desde cada desconto e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação;

c) RESOLVER o contrato entabulado entre as partes e DETERMINAR a devolução, pela parte autora, dos valores creditados em sua conta bancária referente ao contrato discutido nos autos, acrescidos de correção monetária pelo INPC e juros de 1% ao mês, ambos a contar da data de cada disponibilização na conta do autor;

d) CONDENAR a parte ré ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), acrescido de correção monetária pelo INPC a partir do arbitramento (Súmula n. 362 do STJ) e juros legais desde a citação.

e) DETERMINAR a compensação do valor a ser devolvido pela parte autora (item "c"), com as verbas que tem direito a receber (itens "b" e "d").

Face à sucumbência recíproca, condeno a parte ré ao pagamento das custas e despesas processuais na proporção de 70%; arcando, a parte autora, com os 30% remanescentes.

Fixo os honorários advocatícios em 10% sobre o valor da condenação, considerando o valor e a simplicidade da causa, o seu rápido deslinde e o julgamento antecipado do mérito, distribuídos na proporção da sucumbência, vedada a compensação (art. 85, §14, CPC).

A exigibilidade da obrigação sucumbencial resta suspensa em favor da parte autora, em virtude dos benefícios da justiça gratuita que ora defiro.

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se.

Em suas razões recursais (evento 21), a casa bancária sustenta, em síntese, a legalidade do negócio jurídico celebrado entre as partes, ressaltando a inexistência de prova de que a apelada teria sido levada a erro, não se vislumbrando, assim, irregularidade que dê causa à anulação do instrumento. Assevera que, à época da pactuação, o recorrido já não tinha margem consignável em seus rendimentos, inviabilizando a contratação de empréstimo consignado, restando apenas a obtenção de crédito consignado através da adesão ao contrato de cartão de crédito com margem consignável. Diz que inexiste termo final a caracterizar dívida impagável, porquanto o débito é extinto com pagamento do débito, que se dá na data do vencimento da fatura, que constitui liberalidade da autora. Defende que o uso cartão fica constituído e provado pelo saque de valores. Também, afirma inexistir danos indenizáveis, requerendo, subsidiariamente, a minoração do "quantum". Ainda, discorre acerca do descabimento da restituição de valores, vislumbrando, em caso de manutenção do "decisum", que eventual importância disponibilizada à parte adversa sejam devolvidos ou compensados, e devidamente corrigidos monetariamente, sob pena de enriquecimento ilícito.

Por sua vez, o autor (evento 25) requer a majoração dos danos morais, bem como dos honorários advocatícios.

Foram apresentadas contrarrazões (eventos 27 e 35).

Este é o relatório.

VOTO

Insurgem-se ambos os litigantes contra sentença de parcial procedência da ação declaratória de inexistência do contrato de cartão de crédito cumulada com repetição do indébito e indenização por danos morais.

Os pontos atacados nos apelos serão analisados separadamente com o objetivo de facilitar a compreensão.

Observância ao art. 926 do Código de Processo Civil

A casa bancária pretende, "ab initio", o reconhecimento da legalidade do contrato ajustado entre os litigantes, suscitando a aplicação do art. 926 do Código Fux, sob argumento de que esta Corte de Justiça teria uniformizado a jurisprudência acerca da matéria quando do entendimento exarado pela Turma de Uniformização dos Juizados Especiais.

Nada obstante, o Grupo de Câmaras de Direito Comercial deste Tribunal, no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas n. 0000507-54.2019.8.24.0000, decidiu que a questão em debate ("Validade ou não da contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável") não seria unicamente de direito, "necessitando de exame fático para reconhecer, caso a caso, a invalidade do negócio", impedindo, assim, "a fixação de tese uniforme e vinculativa sobre todo o Estado".

Eis o teor da ementa:

DIREITO COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL - INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (IRDR) - CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO VIA CARTÃO DE CRÉDITO E RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) - JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE - COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR LITIGANTE - ELEMENTO FÁTICO DECISIVO NO JULGAMENTO DA LIDE - QUESTÃO UNICAMENTE DE DIREITO INOCORRENTE - REQUISITO INDISPENSÁVEL À ADMISSÃO DO IRDR INEXISTENTE - INCIDENTE INADMITIDO Demandando a questão controvertida juízo de valor sobre o comportamento do consumidor litigante, a matéria não envolve questão unicamente de direito, mas também de fato, a afastar a admissibilidade do incidente de resolução de demandas repetitivas por ausência de um de seus indispensáveis requisitos de coexistência obrigatória. (TJSC, Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas n. 0000507-54.2019.8.24.0000, da Capital, rel. Des. Monteiro Rocha, Grupo de Câmaras de Direito Comercial, j. em 12/6/2019).

Sob esse prisma, percebe-se que restou inadmitido referido Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, razão pela qual não há amparo no pretenso pedido da apelante.

A esse respeito, já se manifestou este Órgão Fracionário:

APELAÇÕES CÍVEIS. "AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO". CONTRATO DE EMPRÉSTIMO VIA CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL - RMC. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DE AMBAS AS PARTES. PRELIMINARES SUSCITADAS PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. [...] PLEITO PARA UTILIZAÇÃO DE JULGAMENTO PARADIGMA DA TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS. INVIABILIDADE. GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO COMERCIAL DESTA CORTE QUE INADMITIU O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS N. 0000507-54.2019.8.24.0000 SOBRE O MESMO TEMA TRATADO NESTE AUTOS EM VIRTUDE DA NECESSIDADE DE JUÍZO DE VALOR SOBRE O COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR LITIGANTE, NÃO SENDO POSSÍVEL GENERALIZAR A VALIDADE OU INVALIDADE DOS CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO VIA CARTÃO DE CRÉDITO E RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. PROEMIAL REJEITADA. [...] RECURSO DA CASA BANCÁRIA CONHECIDO E DESPROVIDO. APELO DA PARTE AUTORA CONHECIDO E PROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 0310842-67.2017.8.24.0020, rel. Des. José Maurício Lisboa, j. em 27/8/2019) (sem grifos no original)

Logo, o requerimento merece inacolhimento.

Contratação via cartão de crédito consignado (irresignação da ré)

Relativamente ao tema, importa esclarecer que, durante o curso do processado, a parte autora defendeu a nulidade da contratação ajustada com a ré, sustentando ter sido vítima de fraude por esta ao adquirir cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), operação diversa e mais onerosa do que o contrato de empréstimo consignado, o qual acreditou efetivamente ter celebrado.

No pronunciamento judicial atacado, o Magistrado de Primeiro Grau concluiu pela nulidade do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, determinando que os valores depositados na conta bancária do autor, atualizados monetariamente pelo INPC, sejam compensados, na forma simples, com os valores descontados indevidamente pelo banco a título de RMC, corrigidos pelo INPC e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, ambos a contar de cada desembolso.

Em seu reclamo, pretende a apelante a reforma do referido "decisum", a fim de que seja julgada improcedente a demanda, no que assevera, para tanto, a validade do contrato de cartão de crédito consignado, defendendo ter sido entabulado com anuência do demandante, a significar, em consequência, a licitude dos descontos efetuados no seu benefício previdenciário e a inviabilidade de restituição de valores.

Pois bem.

Sobre as modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.asp).

Ainda a respeito, esclarece a jurisprudência que, no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, "disponibiliza-se ao consumidor...

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