Acórdão Nº 5000695-58.2021.8.24.0010 do Quinta Câmara Criminal, 05-05-2022

Número do processo5000695-58.2021.8.24.0010
Data05 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão
Recurso em Sentido Estrito Nº 5000695-58.2021.8.24.0010/SC

RELATORA: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER

RECORRENTE: EMELY DA CRUZ MOREIRA (ACUSADO) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

O representante do Ministério Público de Santa Catarina ofereceu denúncia em face de Emely da Cruz Moreira imputando-lhe a prática dos crimes previstos nos art. 123 e art. 211, ambos do Código Penal, em concurso material, conforme os fatos narrados na peça acusatória (evento 01 da ação penal):

ATO I

No dia 26 de agosto de 2020 - em horário a ser melhor apurado no decorrer da instrução processual penal, mas sabidamente entre o período da manhã e 16h57min, no interior da residência situada na rua Ângelo Volpato, nº 323, bairro Vila Nova, neste município de Braço do Norte/SC, a denunciada EMELY DA CRUZ MOREIRA, sob a influência do estado puerperal (conforme laudo pericial de fl. 9 do evento "12"), matou o próprio filho, G. M. dos S. - criança do sexo masculino descrita no laudo pericial cadavérico nº 9417.2020.332 de fls. 28-31 do evento "12"3 - logo após o parto.

Segundo consta, nas circunstâncias acima mencionadas, logo após o parto natural ocorrido no local mencionado, a denunciada, sob influência do estado puerperal, mas, ainda assim, de forma livre e consciente, agindo com manifesto animus necandi - valendo-se da natural fragilidade do neonato - deixou o recém-nascido no piso do banheiro, por período a ser melhor esclarecido no decorrer da instrução (mas sabidamente por lapso suficiente para causar-lhe a perda brusca de temperatura corporal), ocasionando a sua morte.

ATO II

Nas mesmas circunstâncias de local, logo após ao ATO I, a denunciada EMELY DA CRUZ MOREIRA ocultou o cadáver da vítima recém-nascida, enterrando-a nos fundos do quintal da residência.

De acordo com o caderno investigatório, a denunciada colocou a criança em um saco plástico e, após escavar um pequeno buraco aos fundos da residência (fotografia de fl. 30 do relatório da 6ª parte do IP e vídeo 23 do evento "1"), enterrou o neonato no local.

A denúncia foi recebida (evento 03 da ação penal), a ré compareceu espontaneamente ao feito (evento 18 da ação penal) e apresentou resposta à acusação por meio de seu defensor constituído (evento 22 da ação penal).

Recebida a defesa e não sendo caso de absolvição sumária, foi designada a audiência de instrução e julgamento (evento 31 da ação penal).

Na audiência, houve a oitiva das testemunhas arroladas pelas partes, bem como o interrogatório da ré (eventos 98 e 99 da ação penal).

Encerrada a instrução processual, foram apresentadas as alegações finais pelo Ministério Público (evento 104 da ação penal) e pela defesa (evento 106 da ação penal), e, na sequência, sobreveio a decisão de pronúncia (evento 108 da ação penal), com o seguinte dispositivo:

Ante o exposto, JULGO ADMISSÍVEL o pedido formulado na denúncia de Evento 1 e, em consequência, com fundamento no art. 413 do CPP, PRONUNCIO a ré Emely da Cruz Moreira como incursa nas sanções dos arts. 123, caput, e 211, ambos do CP, submetendo-a a julgamento pelo Egrégio Tribunal do Júri.

Inconformada, a ré interpôs recurso em sentido estrito (evento 117 da ação penal). Em suas razões recursais, pugna pela absolvição sumária ou impronúncia diante da sua inimputabilidade, bem como a concessão do efeito suspensivo ao recurso.

O Ministério Público apresentou as contrarrazões no evento 130 da ação penal e os autos ascenderam a este Tribunal de Justiça.

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Sr. Pedro Sérgio Steil, manifestando-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso (evento 09 destes autos).

É o relatório.

VOTO

Conforme sumariado, trata-se de recurso em sentido estrito interposto por Emely da Cruz Moreira contra a decisão do Juízo da Vara Criminal da Comarca de Braço do Norte que a pronunciou pela prática do crime previsto no art. 123, caput, e art. 211, ambos do Código Penal.

1. Juízo de admissibilidade

De início, convém salientar que o reclamo preenche apenas em parte os requisitos de admissibilidade, de modo que deve ser conhecido parcialmente.

Isso porque, ainda que na esfera penal os pedidos defensivos possam ser feitos com fundamentação escassa, isto não permite a ausência de fundamentos, em afronta ao princípio da dialeticidade.

No caso em apreço, a recorrente apresentou pedido genérico que não pode ser conhecido, uma vez que pugnou pela concessão do efeito suspensivo do julgamento tão somente na parte dispositiva de seu recurso, não apresentando as razões ou fundamentos para o pedido.

Segundo Humberto Theodoro Júnior: "pelo princípio da dialeticidade exige-se, portanto, que todo recurso seja formulado por meio de petição na qual a parte, não apenas manifeste sua inconformidade com o ato judicial impugnado, mas, também e necessariamente, indique os motivos de fato e de direito pelos quais requer novo julgamento da questão nele cogitada, sujeitando-se ao debate da parte contrária" (Curso de direito processual civil. vol. 3. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 962).

Dessa forma, em conformidade com o referido princípio, deixa-se de conhecer do pleito genérico de concessão de efeito suspensivo, por total ausência de fundamentação.

Ademais, apenas à título argumentativo, o pedido não comportaria acolhimento pois não houve o julgamento pelo Tribunal do Júri até o presente momento e não há suspensão do feito na eventual interposição de recursos para os tribunais superiores.

Dito isso, passa-se à análise das partes conhecidas do recurso.

2. Mérito

A recorrente busca a sua impronúncia ou absolvição sumária, sob o argumento de que é inimputável nos termos do art. 26, caput, do Código Penal pois "estava sob forte estado puerperal, estando assim, fora dos discernimentos entre certo e errado. Sua vontade não era estabelecida sobre a premissa da vontade de matar, mas sim de amenizar uma angustia derivada do estado que a gravidez lhe trouxe".

Contudo, o pedido não comporta acolhimento.

É cediço que, na decisão de pronúncia, o magistrado deve se limitar a análise sobre o convencimento acerca da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.

É o que determina o caput e §1º do artigo 413 do Código de Processo Penal:

Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.

1º A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena.

Não se realiza estreito juízo de valor quanto à autoria, caso contrário estar-se-ía se sobrepondo à competência do Tribunal do Júri.

O artigo 414, do CPP, dispõe que: "Não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado."

A absolvição sumária, por sua vez, deve ser observada quando houver prova suficientemente e segura acerca da inocência, não bastando a mera dúvida da autoria, nos termos do artigo 415 do Código de Processo Penal:

Art. 415. O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando:

I - provada a inexistência do fato;

II - provado não ser ele autor ou partícipe do fato;

III - o fato não constituir infração penal;

IV - demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime.

Portanto, dito de modo mais simples, na fase de pronúncia faz-se apenas um mero juízo de admissibilidade da acusação, oportunidade em que é averiguado se o feito reúne condições de ir a julgamento pelo Tribunal do Júri, ou seja, se há provas suficientes da materialidade de algum crime doloso contra a vida, bem como se há indicativos suficientes da autoria ou participação do réu.

No caso dos autos, a materialidade delitiva se viu comprovada por meio do boletim de ocorrência n. 43.2020.0002040 (evento 01, doc. 02 do inquérito policial), prontuários de atendimentos médicos (evento 01, docs. 03/05 e 06/07 do inquérito policial), laudo fotográfico (evento 01, doc. 05 do inquérito policial), laudo pericial n. 9417.2020.332 e ofícios 076/DDL/2020 e 077/DDL/2020 (evento 12, doc. 32 do inquérito policial), relatório final (evento 12, doc. 32 do inquérito policial), bem como pela prova oral colhida em ambas as etapas procedimentais.

Em relação à autoria imputada à recorrente, vislumbram-se indícios suficientes para a pronúncia.

Da documentação acima citada, extrai-se do exame ofício 076/DDL/2020 (evento 12, doc. 32 do inquérito policial) realizado pelo perito médico legista que, apesar da causa da morte ser desconhecida, "A ausência de sinais de asfixia, aspiração meconial e/ou traumatismos, associado aos fatos ocorridos, pode ter sido por Hipotermia".

Quando ouvida na delegacia de polícia, a ré Emely da Cruz Moreira narrou que:

o parto ocorreu depois que voltou do hospital; que foi ao hospital com cólicas e sangramento e quando voltou para casa teve o bebê; que foi ao hospital no dia 26 de agosto, quarta feira, às 6h da manhã; que na quinta feira, dia 27, na parte da tarde, foi até o posto de saúde do bairro São Francisco de Assis para pegar um atestado; que no posto foi atendida por um médico; que não lembra o horário em que o parto ocorreu; que saiu do hospital com dor e foi para casa, pois o médico lhe deu um "Buscopan"; que ainda estava com muita dor e ficou em casa; que teve vontade de ir ao banheiro e a criança nasceu; que sabia que estava grávida, pois o médico tinha lhe falado, estava com dor, mas não sabia que estava tendo o filho; que no dia 20 de agosto o médico do hospital lhe falou que o bebe já estava formado; que o médico lhe mostrou a imagem na tela do computador, falando que estava grávida; que ficou em choque, pois apesar de desconfiar que estava gravida...

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