Acórdão Nº 5000736-52.2019.8.24.0056 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 26-10-2021

Número do processo5000736-52.2019.8.24.0056
Data26 Outubro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5000736-52.2019.8.24.0056/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU) ADVOGADO: RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA (OAB SC047610) APELADO: ILDA SERLI FIDELIS (AUTOR) ADVOGADO: LUIZ HENRIQUE KERN ELY (OAB SC025817)

RELATÓRIO

BANCO BMG SA interpôs recurso de apelação cível (autos da origem, evento 37) em face da sentença (autos da origem, evento 28) que, proferida pelo juízo da Vara Única da Comarca de Santa Cecília, julgou procedentes os pedidos formulados pela autora, ILDA SERLI FIDELIS, na ação declaratória de nulidade com pedido de repetição de indébito e de indenização por danos morais, para declarar nulo o contrato em questão e determinar às partes o retorno ao estado anterior, condenando a instituição financeira demandada, ainda, à restituição/compensação de eventuais valores cobrados a maior em decorrência da contratação de operação não consentida pela consumidora, bem como ao pagamento de indenização por danos morais.

Cuida-se, na origem, de ação declaratória de nulidade com pedido de repetição de indébito e de indenização por danos morais aforada por ILDA SERLI FIDELIS, contra BANCO BMG SA, na qual pede o reconhecimento da inexistência de contratação de empréstimo consignado na modalidade de cartão de crédito, bem como a condenação da instituição financeira ao ressarcimento dos valores indevidamente descontados de seu benefício previdenciário, de maneira dobrada, e a condenação ao pagamento de danos morais, em razão da inexistência de contratação de reserva de margem consignada em seu benefício previdenciário, para contratação de cartão de crédito não solicitado.

Foi deferida a gratuidade da justiça requerida pela demandante (autos da origem, evento 3).

Citado, o demandado, BANCO BMG SA, apresentou resposta (autos da origem, evento 11), na forma de contestação, sustentando, em suma, que houve a expressa contratação pela autora, do contrato para utilização de cartão de crédito mediante consignação em pagamento, razão pela qual não são indevidos os descontos a título de reserva de margem consignável lançados em seu benefício previdenciário. Logo, por não serem indevidos os descontos, argumenta que não deve restituir valores a autora, e tampouco indenizar-lhe pelo ocorrido.

Réplica apresentada no evento 16 (autos da origem).

Ato contínuo, sobreveio sentença de mérito prolatada em 05-03-2021 pelo magistrado Paulo Henrique Aleixo, da Vara Única da Comarca de Santa Cecília, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados pela autora, o que se deu nos seguintes termos (autos da origem, evento 28):

Ante o exposto, julgo parcialmente procedentes, com resolução do mérito (art. 487, I, do CPC), os pedidos formulados por ILDA SERLI FIDELIS em face de BANCO BMG SA para:

a) declarar a nulidade das operações de crédito contratadas entre as partes, referentes ao cartão de crédito n. 5259.0535.3828.0124, contrato n. 11546238 (extrato 6, evento 1);

b) condenar a parte ré a restituir à parte autora todos os valores descontados do seu benefício previdenciário em dobro, corrigidos monetariamente pelo INPC, acrescidas de juros moratórios de 1% ao mês, ambos desde a data de cada pagamento indevido, admitida sua compensação (CC, art. 368) com a obrigação da parte autora de restituir ao réu as quantias recebidas, que relego para a liquidação, acrescidas apenas de correção monetária desde a(s) data(s) do(s) respectivo(s) saque(s); e

c) condenar a parte ré a pagar à parte autora indenização por danos morais no valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), acrescido de correção monetária pelo INPC a partir do arbitramento e juros de mora desde o evento danoso, qual seja a data da contratação, nos termos do artigo 406 do Código Civil e da Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça.

Condeno a parte passiva ao pagamento das despesas processuais, conforme arts. 86 e 87 do CPC, uma vez que a parte autora sucumbiu apenas quanto ao valor integral da indenização requerida.

Está igualmente obrigada a parte passiva a indenizar as despesas adiantadas no curso do processo pelo vencedor, conforme art. 82, § 2º, do CPC.

Fixo os honorários sucumbenciais devidos pela parte antes referida ao advogado do litigante vencedor no percentual de 10% sobre o valor total da condenação (acrescido dos encargos moratórios), conforme art. 85 do CPC.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Certificado o trânsito em julgado, arquivem-se.

Inconformada, a instituição financeira demandada interpôs recurso de apelação (autos da origem, evento 37), alegando, em síntese, que: 1) a parte autora tinha total ciência da natureza e forma de cobrança da operação pactuada, a qual se encontrava descrita de forma clara e expressa no contrato, desprovido de qualquer irregularidade, não possuindo a demandante, diversamente do que alega, a intenção de contratar empréstimo pessoal consignado no lugar do saque via cartão de crédito; 2) inexistindo irregularidades no contrato, ausente o ato ilícito ensejador de dano moral indenizável, de sorte que deve ser afastada a indenização fixada pelo juízo singular. Pugna pelo provimento do recurso com a reforma da decisão objurgada, sendo julgada totalmente improcedente a demanda de origem, com a inversão a responsabilidade pelo pagamento dos ônus sucumbenciais.

Contrarrazões apresentadas no evento 41 (autos da origem).

Os autos ascenderam a este egrégio Tribunal de Justiça, vindo-me às mãos por sorteio.

Este é o relatório.

VOTO

1. Exame de admissibilidade

Inicialmente, registra-se que a demanda foi ajuizada já com fundamento processual no Código de Processo Civil de 2015, motivo pelo qual é este o diploma processual que deverá disciplinar o cabimento, o processamento e a análise do presente recurso, haja vista o princípio tempus regit actum (teoria do isolamento dos atos processuais).

Dito isto, tem-se que o recurso deve ser conhecido porquanto presentes os requisitos de admissibilidade, razão pela qual passa-se à análise das teses recursais.

2. Fundamentação

2.1. Da regularidade da operação contratada entre as partes

Sustenta a instituição financeira recorrente, inicialmente em seu recurso, que a parte autora tinha total ciência da natureza e forma de cobrança da operação pactuada, a qual se encontrava descrita de maneira clara e expressa no contrato, desprovido de qualquer irregularidade, não possuindo a demandante, diversamente do que alega, a intenção de contratar empréstimo pessoal consignado no lugar do saque via cartão de crédito, tendo em vista que a demandante utilizou-se do cartão de crédito ora impugnado para efetuar compras no comércio local.

Analisados os autos, verifica-se que razão possui mesmo o banco recorrente.

A princípio, necessário destacar que a própria autora, na inicial, reconhece que buscou crédito junto à instituição financeira demandada, apenas afirmando que pretendia a contratação de empréstimo consignado no lugar da utilização de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC).

As operações de empréstimo consignado e de cartão de crédito com reserva de margem consignável encontram-se previstas na Lei n. 10.820/03, que assim disciplina (redação vigente ao tempo da contratação):

Art. 1º. Os empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, poderão autorizar, de forma irrevogável e irretratável, o desconto em folha de pagamento ou na sua remuneração disponível dos valores referentes ao pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, quando previsto nos respectivos contratos. (Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015)

§ 1º. O desconto mencionado neste artigo também poderá incidir sobre verbas rescisórias devidas pelo empregador, se assim previsto no respectivo contrato de empréstimo, financiamento, cartão de crédito ou arrendamento mercantil, até o limite de 35% (trinta e cinco por cento), sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para: (Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015)

I - a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou (Incluído pela pela Lei nº 13.172, de 2015)

II - a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito. (Incluído pela Lei nº 13.172, de 2015)

§ 2º. O regulamento disporá sobre os limites de valor do empréstimo, da prestação consignável para os fins do caput e do comprometimento das verbas rescisórias para os fins do § 1º deste artigo.

[...]

Art. 6º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1o e autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, nas condições estabelecidas em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS. (Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015)

§ 1o Para os fins do caput, fica o INSS autorizado a dispor, em ato próprio, sobre:

I - as formalidades para habilitação das instituições e sociedades referidas no art. 1o;

II - os benefícios elegíveis, em função de sua natureza e forma de pagamento;

III - as rotinas a serem observadas para a prestação aos titulares de benefícios em manutenção e às instituições consignatárias das informações necessárias à consecução do disposto nesta Lei;

IV - os prazos para o início dos descontos autorizados e para o repasse das prestações às instituições consignatárias;

V - o valor dos encargos a serem cobrados para ressarcimento dos custos operacionais a ele acarretados pelas operações; e

VI - as demais normas que se fizerem necessárias.

[...]

§ 5o Os descontos e as retenções mencionados no caput não poderão ultrapassar...

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