Acórdão Nº 5000752-39.2021.8.24.0087 do Quinta Câmara de Direito Civil, 14-12-2022

Número do processo5000752-39.2021.8.24.0087
Data14 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5000752-39.2021.8.24.0087/SC

RELATORA: Desembargadora CLÁUDIA LAMBERT DE FARIA

APELANTE: MARIA DE LOURDES CUSTODIA WESSLER (AUTOR) APELANTE: BANCO ITAU CONSIGNADO S.A. (RÉU) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Adoto o relatório da sentença por retratar com fidelidade os atos processuais (evento 78):

Cuida-se de ação ajuizada por Maria de Lourdes Custodia Wessler contra o Banco Itau Consignado S/A, na qual requer a declaração de inexistência de relação jurídica entre as partes, bem como a condenação da parte requerida ao pagamento de compensação por danos morais e à repetição de indébito.

Como fundamento da sua pretensão, alegou que a parte requerida efetuou descontos indevidos no seu benefício previdenciário, embora não exista relação jurídica entre as partes (evento 1).

Em contestação, o requerido sustentou que a autora contratou três empréstimos consignados, bem como recebeu os valores contratados, sendo legítimos, portanto, os descontos que estão sendo efetuados no seu benefício previdenciário (evento 12).

Indeferiu-se o pedido de tutela de urgência (evento 14).

Houve réplica (evento 21).

Determinou-se a realização de perícia grafotécnica (evento 32), cujo laudo foi apresentado no evento 69.

Após, as partes se manifestaram nos eventos 74 e 75.

Sobreveio sentença de procedência parcial dos pedidos iniciais, constando no dispositivo:

Diante disso, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos iniciais, extinguindo a demanda com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil, para:

a) DECLARAR a ausência de relação jurídica entre a parte autora e o Banco Itaú Consignado S/A, no que tange ao contrato objeto dos autos - n. 603817644; 614770807 e 629031025, determinando o retorno das partes ao seu status quo ante;

b) DETERMINAR ao Banco Itaú Consignado S/A a abstenção de proceder novos descontos no benefício previdenciário da parte autora, com fulcro no contrato objeto da ação - n. 603817644; 614770807 e 629031025;

c) CONDENAR o Banco Itáu Consignado S/A à restituição, em favor da parte autora, de forma simples, de todos descontos realizados no seu benefício previdenciário, a qual será apurada em liquidação de sentença, e deverá ser acrescida de juros moratórios de 1% ao mês, desde a citação, e de correção monetária pelo INPC, a partir de cada desconto indevido.

Como consequência da restituição das partes ao seu status quo ante, deverá a parte autora restituir à instituição financeira os valores recebidos a título do contrato objeto da ação, com acréscimo de correção monetária, sem juros.

AUTORIZO, desde já, a compensação entre créditos e débitos, como forma de viabilizar a satisfação de ambas as partes.

Diante da sucumbência recíproca, condeno as partes ao pagamento, pro rata, das custas processuais. Condeno-as, ainda, ao pagamento de honorários advocatícios em favor do patrono da parte contrária, os quais fixo em 10% (dez por cento) do valor da condenação para cada, observado o mínimo de R$ 300,00 (trezentos reais), à luz do art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil. Fica suspensa, contudo, a exigibilidade da verba em relação ao autor, devido à gratuidade da justiça deferida.

Quanto ao remanescente dos honorários periciais (50%), deverá ser adimplido exclusivamente pela parte requerida (Banco Itaú Consignado S/A), considerando a sua sucumbência integral no tocante à falsidade da assinatura aposta no documento objeto dos autos. Para tanto, requisite-se e expeça-se alvará em favor do perito nomeado.

Inconformado, o réu interpôs recurso de apelação (evento 86), sustentando, em suma, que as contratações são regulares, havendo comprovação do repasse dos valores para a parte autora. Alegou, também, que a perícia grafotécnica é falível e que o documento utilizado na hora da contratação é o mesmo apresentado pela autora e, por fim, versou sobre a inexistência de dano material a ser restituído. Diante disso, requereu a reforma da sentença atacada para que sejam julgados improcedentes os pedidos formulados na exordial.

Também irresignada, a autora interpôs recurso de apelação (evento 91), sustentando, em suma, que não há engano justificável no presente caso e que qualquer valor descontado, ainda mais indevidamente, faz muita diferença e impacta substancialmente na vida da apelante. Assim, requereu a modificação da sentença para que o réu seja condenado a restituir em dobro os valores indevidamente descontados de seu benefício previdenciário, bem como para que haja condenação ao pagamento de danos morais no montante de R$ 15.000,00.

As contrarrazões do réu foram apresentadas no evento 99 e as da autora no evento 100.

Os autos vieram conclusos para julgamento.

VOTO

Os recursos preenchem os requisitos de admissibilidade, motivo pelo qual devem ser conhecidos, sendo a autora dispensada do recolhimento do preparo por ser beneficiária da justiça gratuita (evento 4).

Inicialmente, cumpre esclarecer que o caso em tela é regido pelas normas do Código de Defesa do Consumidor. A autora enquadra-se perfeitamente no conceito de consumidora (CDC, art. 2º). O banco demandado, por seu turno, subsume-se na definição legal de fornecedor, a teor do art. 3º daquele Códex.

Ademais, conforme preconiza o enunciado de Súmula n. 297 do STJ: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras."

Por ser incontroversa a relação de consumo que envolve as partes, incidem as regras previstas no Código de Defesa do Consumidor, destacando-se, para o caso concreto, o art. 14 do referido diploma legal:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. [...]

§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: [...]

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Portanto, a responsabilidade do requerido é objetiva, necessitando, para a sua configuração, apenas a prova do dano e do nexo de causalidade entre os serviços prestados e o prejuízo suportado pelo consumidor. No entanto, demonstrada a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, não haverá qualquer responsabilização da prestadora.

Na espécie, infere-se que a requerente teve atrelado ao seu benefício previdenciário pelo réu três empréstimos consignados: 1) nº 603817644, incluído em 13/12/2019, com valor emprestado de R$ 1.855,17 a ser devolvido em 72 parcelas de R$ 52,39 cada, com início dos descontos em janeiro/2020 e término em dezembro/2025; 2) nº 614770807, incluído em 28/04/2020, com valor emprestado de R$ 1.919,78 a ser devolvido em 84 parcelas de R$ 44,75 cada, com início dos descontos em maio/2020 e término em abril/2027; 3) nº 629031025, incluído em 16/09/2020, com valor emprestado de R$ 1.750,00 a ser devolvido em 84 parcelas de 43,35 cada, com início dos descontos em janeiro/2021 e término em dezembro/2027.

Aduz que desconhece a origem das contratações, visto que não realizou as transações financeiras com o banco réu ou autorizou descontos em sua aposentadoria.

O demandado, por sua vez, apresenta narrativa divergente. Defendeu a legalidade das contratações e, para corroborar, acostou instrumento contratual referente a dois dos negócios jurídicos questionados.

A questão cinge-se, portanto, quanto à realização ou não dos contratos de empréstimo consignado entre as partes e possíveis danos materiais e morais sofridos em decorrência desses. É o que se passa a analisar.

Inexistência da relação contratual

A autora, por aduzir que desconhece a origem das transações financeiras, encontra-se impossibilitada de comprovar a não contratação, visto que não é possível produzir prova negativa. Isto é, não há como comprovar que não realizou a contratação dos empréstimos que originaram os descontos em seu benefício previdenciário.

Já em sede de contestação, o réu apresentou "Detalhe de Proposta" e "Cédula de Crédito Bancário" referente a dois dos negócios jurídicos impugnados nos autos, documentos estes que estão em nome da autora e possuem assinatura atribuída a ela (ev. 12, contrato 2-3). Não obstante, a demandante impugnou as assinaturas constantes nos contratos acostados, sustentando não reconhecer sua veracidade.

A perícia grafotécnica foi realizada e sua conclusão foi a seguinte (ev. 69):

7. CONCLUSÃOConcluo em virtude dos exames grafotécnicos efetuados nas "PEÇAS DE EXAME", que a assinatura atribuída ao Sra. Maria de Lourdes Custodia Wessler É FALSA, ou seja, NÃO É PROVENIENTE do punho caligráfico do Sra. MARIA DE LOURDES CUSTODIA WESSLER.

Entretanto, apesar do exame ter assentado a inautenticidade das assinaturas questionadas quando comparadas com as escritas saídas do punho da autora, o réu insiste na tese da contratação. Aventa que a perícia é falível, que é visível a olho nu a correspondência entre as assinaturas do contrato e as constantes nos autos e que o laudo pericial não vincula o magistrado.

É sabido que cumpre ao juiz analisar as provas produzidas nos autos, indicando as razões de seu convencimento (art. 371, CPC) e que, especificamente no caso de perícia, apreciará a prova assinalando os motivos que o levou a considerar ou desconsiderar as conclusões do laudo (art. 479, CPC). Isso porque não há vinculação automática da decisão com o resultado do exame pericial, de...

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