Acórdão Nº 5000752-46.2019.8.24.0075 do Quarta Câmara de Direito Civil, 06-10-2022
Número do processo | 5000752-46.2019.8.24.0075 |
Data | 06 Outubro 2022 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça de Santa Catarina |
Órgão | Quarta Câmara de Direito Civil |
Classe processual | Apelação |
Tipo de documento | Acórdão |
Apelação Nº 5000752-46.2019.8.24.0075/SC
RELATOR: Desembargador LUIZ FELIPE SCHUCH
APELANTE: MABEL DA SILVA (AUTOR) APELADO: NEVERSON JESUS KOCH (RÉU)
RELATÓRIO
Acolho o relatório da sentença (evento 35/1º grau), de lavra do Juiz de Direito Eron Pinter Pizzolatti, por contemplar precisamente o conteúdo dos presentes autos, ipsis litteris:
MABEL DA SILVA, já qualificada nos autos em epígrafe e regularmente representada, protocolou AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER c/c TUTELA DE URGÊNCIA c/c COMPENSAÇÃO EM DANO MORAL em desfavor de NEVERSON JESUS KOCH, alegando, em apertada síntese, que contratou com este a aquisição de veículo automotor por meio de financiamento em 30/06/2011, sendo um FIAT PÁLIO de placas GPP 4055, o qual veio a apresentar defeito em sua primeira utilização, pelo que prontamente houve a renegociação pela substituição por um outro bem, cancelamento do antigo financiamento e elaboração de um novo - conforme palavra do Réu.
Afirma que, no ano de 2019, foi surpreendida com cobrança de BV Financeira para quitação de débitos referentes ao primeiro veículo, pelo que requer a antecipação de tutela para suspensão de protesto e abstenção de cobrança da citada dívida; no mérito, a conversão dos efeitos da liminar em definitivo, cancelamento/transferência de multas existentes, a transferência do bem ao Réu ou quem este indicar, quitação de débitos e multas, além de compensação por abalo moral no importe de R$ 10.000,00 e outros pedidos de praxe, dando à causa o mesmo valor.
Intimada para recolhimento de custas (ev. 5), a parte autoral requer a dispensa desta em face do requerimento de gratuidade de justiça, a qual, uma vez ordenada a comprovação da hipossuficiência ao ev. 10 e juntada de documentos ao ev. 14, restou deferida ao ev. 16, sendo nesta decisão também indeferida a tutela antecipatória.
Contestação, ao ev. 25, defendendo, preliminarmente, ser parte ilegítima e faltar à petição inicial documentos indispensáveis, conquanto, no mérito, sustenta inexistir os caracterizadores da responsabilidade civil ou relação de consumo, bem como teses típicas à imputação de dano moral, com requerimentos de praxe e juntada de documentos.
Réplica ao ev. 29 e ,diante da juntada de documentos, tréplica ao ev. 33.
O Magistrado resolveu o processo nos seguintes termos:
Ex positis, com base no art. 485, incisos IV e VI, do CPC, JULGO EXTINTA a presente ação proposta por MABEL DA SILVA e CONDENO a parte sucumbente ao pagamento das custas, despesas e honorários advocatícios, estes que fixo em 10% do valor da actio, com fulcro no art. 85, § 2º do CPC.
Ante à gratuidade de justiça deferida à Autora, DECLARO sob condição suspensiva de exigibilidade os valores sucumbenciais, pelo prazo de 5 (cinco) anos do trânsito em julgado, forte no art. 98, § 3º do CPC.
Irresignada com a prestação jurisdicional entregue, a autora interpôs apelação, por meio da qual alega a existência de cerceamento de defesa, notadamente pela falta de oportunidade de produção de prova testemunhal, e a necessidade de retorno dos autos à origem para regular instrução (evento 40/1º grau).
Contrarrazões no evento 43/1º grau.
VOTO
O recurso preenche os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.
Defende a autora/apelante que os débitos apontados na inicial não tem origem na BV Financeira, mas sim são débitos estaduais decorrentes do não pagamento dos licenciamentos/impostos anuais, porém mesmo assim o Magistrado de origem extinguiu a inicial por não haver documentos mínimos que comprovassem o alegado, com o que não concorda, pois ao seu ver os documentos possíveis para se comprovar o direito perseguido encontram-se com o apelado, e toda a situação seria comprovada com a oitiva de testemunhas.
Aduz que as testemunhas estavam consigo no dia da ocorrência dos fatos narrados na exordial e fariam prova de que o réu se comprometeu em cancelar o financiamento e retirar o veículo do seu nome, mas a sentença julgou improcedente o pedido inicial sem lhe possibilitar o direito a uma ordem jurídica justa que abrange não só o contraditório sob a ótima formal, mas também substancial.
Razão, contudo, não lhe assiste.
Em primeiro lugar, impõe registrar que a sentença apelada não tratou de julgar improcedentes os pedidos iniciais (sentença com resolução do mérito), mas sim reconheceu a inépcia da petição inicial e a ilegitimidade passiva do acionado (decisum sem resolução do mérito), se não vejamos:
Compulsando a peça exordial, tem-se que esta vem, em que pese com narrativa minuciosa, desacompanhada de substrato fático que dê indícios mínimos de suas alegações.
Trata-se de lide acerca de responsabilidade por danos advindos de ato fraudulento em contrato de compra e venda de bem móvel - dois veículos, sendo o primeiro defeituoso e o segundo em substituição àquele, ambos com financiamentos próprios e o primeiro cancelado.
Ainda, há a informação de irregular cobrança por parte da financeira, bem como pedidos expostos em face desta - em que pese sequer tenha sido qualificada como Ré da actio.
Acompanham a peça inicial alguns diálogos de redes sociais, declaração de afastamento do ofício, boletim de ocorrência unilateral e relatório de débitos em dívida ativa do veículo FIAT PALIO, placas GPP 4055.
Destaca-se, neste momento, que o único fato comprovado da exordial é a existência de débito referente ao veículo supracitado, toda a narrativa restante permanece incógnita diante da insuficiência documental evidenciada.
Dispõe, o códex de rito, que "a petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação" (art. 320), traduzido, nas palavras de Marcelo Ribeiro, ser norma que "estabelece a necessidade de que documento essencial acompanhe a petição inicial. A menção é vaga e, como tal, só se revela no caso concreto. Assim, por exemplo, em demanda de divórcio, o documento essencial se consubstanciará, dentre outros, pela certidão de casamento. De outra vez, em uma demanda que discuta a propriedade de bem imóvel, a escritura será o documento necessário e essencial a acompanhar a petição inicial". (Processo Civil / Marcelo Ribeiro. - 2. ed. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2019. p. 236).
In casu, a parte autoral alega a cobrança, mas não há, nos autos, prova desta; no mesmo sentido, a existência de financiamento sobre o mencionado veículo ou qualquer indício de negociação entre as partes.
Ainda que fosse reconhecida a existência de relação de consumo, não haveria como dar plausibilidade ao prosseguimento da actio ao julgamento de mérito, porquanto a falta de elementos suficientes para regular apuração tornam-no...
RELATOR: Desembargador LUIZ FELIPE SCHUCH
APELANTE: MABEL DA SILVA (AUTOR) APELADO: NEVERSON JESUS KOCH (RÉU)
RELATÓRIO
Acolho o relatório da sentença (evento 35/1º grau), de lavra do Juiz de Direito Eron Pinter Pizzolatti, por contemplar precisamente o conteúdo dos presentes autos, ipsis litteris:
MABEL DA SILVA, já qualificada nos autos em epígrafe e regularmente representada, protocolou AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER c/c TUTELA DE URGÊNCIA c/c COMPENSAÇÃO EM DANO MORAL em desfavor de NEVERSON JESUS KOCH, alegando, em apertada síntese, que contratou com este a aquisição de veículo automotor por meio de financiamento em 30/06/2011, sendo um FIAT PÁLIO de placas GPP 4055, o qual veio a apresentar defeito em sua primeira utilização, pelo que prontamente houve a renegociação pela substituição por um outro bem, cancelamento do antigo financiamento e elaboração de um novo - conforme palavra do Réu.
Afirma que, no ano de 2019, foi surpreendida com cobrança de BV Financeira para quitação de débitos referentes ao primeiro veículo, pelo que requer a antecipação de tutela para suspensão de protesto e abstenção de cobrança da citada dívida; no mérito, a conversão dos efeitos da liminar em definitivo, cancelamento/transferência de multas existentes, a transferência do bem ao Réu ou quem este indicar, quitação de débitos e multas, além de compensação por abalo moral no importe de R$ 10.000,00 e outros pedidos de praxe, dando à causa o mesmo valor.
Intimada para recolhimento de custas (ev. 5), a parte autoral requer a dispensa desta em face do requerimento de gratuidade de justiça, a qual, uma vez ordenada a comprovação da hipossuficiência ao ev. 10 e juntada de documentos ao ev. 14, restou deferida ao ev. 16, sendo nesta decisão também indeferida a tutela antecipatória.
Contestação, ao ev. 25, defendendo, preliminarmente, ser parte ilegítima e faltar à petição inicial documentos indispensáveis, conquanto, no mérito, sustenta inexistir os caracterizadores da responsabilidade civil ou relação de consumo, bem como teses típicas à imputação de dano moral, com requerimentos de praxe e juntada de documentos.
Réplica ao ev. 29 e ,diante da juntada de documentos, tréplica ao ev. 33.
O Magistrado resolveu o processo nos seguintes termos:
Ex positis, com base no art. 485, incisos IV e VI, do CPC, JULGO EXTINTA a presente ação proposta por MABEL DA SILVA e CONDENO a parte sucumbente ao pagamento das custas, despesas e honorários advocatícios, estes que fixo em 10% do valor da actio, com fulcro no art. 85, § 2º do CPC.
Ante à gratuidade de justiça deferida à Autora, DECLARO sob condição suspensiva de exigibilidade os valores sucumbenciais, pelo prazo de 5 (cinco) anos do trânsito em julgado, forte no art. 98, § 3º do CPC.
Irresignada com a prestação jurisdicional entregue, a autora interpôs apelação, por meio da qual alega a existência de cerceamento de defesa, notadamente pela falta de oportunidade de produção de prova testemunhal, e a necessidade de retorno dos autos à origem para regular instrução (evento 40/1º grau).
Contrarrazões no evento 43/1º grau.
VOTO
O recurso preenche os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.
Defende a autora/apelante que os débitos apontados na inicial não tem origem na BV Financeira, mas sim são débitos estaduais decorrentes do não pagamento dos licenciamentos/impostos anuais, porém mesmo assim o Magistrado de origem extinguiu a inicial por não haver documentos mínimos que comprovassem o alegado, com o que não concorda, pois ao seu ver os documentos possíveis para se comprovar o direito perseguido encontram-se com o apelado, e toda a situação seria comprovada com a oitiva de testemunhas.
Aduz que as testemunhas estavam consigo no dia da ocorrência dos fatos narrados na exordial e fariam prova de que o réu se comprometeu em cancelar o financiamento e retirar o veículo do seu nome, mas a sentença julgou improcedente o pedido inicial sem lhe possibilitar o direito a uma ordem jurídica justa que abrange não só o contraditório sob a ótima formal, mas também substancial.
Razão, contudo, não lhe assiste.
Em primeiro lugar, impõe registrar que a sentença apelada não tratou de julgar improcedentes os pedidos iniciais (sentença com resolução do mérito), mas sim reconheceu a inépcia da petição inicial e a ilegitimidade passiva do acionado (decisum sem resolução do mérito), se não vejamos:
Compulsando a peça exordial, tem-se que esta vem, em que pese com narrativa minuciosa, desacompanhada de substrato fático que dê indícios mínimos de suas alegações.
Trata-se de lide acerca de responsabilidade por danos advindos de ato fraudulento em contrato de compra e venda de bem móvel - dois veículos, sendo o primeiro defeituoso e o segundo em substituição àquele, ambos com financiamentos próprios e o primeiro cancelado.
Ainda, há a informação de irregular cobrança por parte da financeira, bem como pedidos expostos em face desta - em que pese sequer tenha sido qualificada como Ré da actio.
Acompanham a peça inicial alguns diálogos de redes sociais, declaração de afastamento do ofício, boletim de ocorrência unilateral e relatório de débitos em dívida ativa do veículo FIAT PALIO, placas GPP 4055.
Destaca-se, neste momento, que o único fato comprovado da exordial é a existência de débito referente ao veículo supracitado, toda a narrativa restante permanece incógnita diante da insuficiência documental evidenciada.
Dispõe, o códex de rito, que "a petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação" (art. 320), traduzido, nas palavras de Marcelo Ribeiro, ser norma que "estabelece a necessidade de que documento essencial acompanhe a petição inicial. A menção é vaga e, como tal, só se revela no caso concreto. Assim, por exemplo, em demanda de divórcio, o documento essencial se consubstanciará, dentre outros, pela certidão de casamento. De outra vez, em uma demanda que discuta a propriedade de bem imóvel, a escritura será o documento necessário e essencial a acompanhar a petição inicial". (Processo Civil / Marcelo Ribeiro. - 2. ed. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2019. p. 236).
In casu, a parte autoral alega a cobrança, mas não há, nos autos, prova desta; no mesmo sentido, a existência de financiamento sobre o mencionado veículo ou qualquer indício de negociação entre as partes.
Ainda que fosse reconhecida a existência de relação de consumo, não haveria como dar plausibilidade ao prosseguimento da actio ao julgamento de mérito, porquanto a falta de elementos suficientes para regular apuração tornam-no...
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