Acórdão Nº 5000753-13.2020.8.24.0005 do Terceira Câmara Criminal, 26-01-2021

Número do processo5000753-13.2020.8.24.0005
Data26 Janeiro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Criminal Nº 5000753-13.2020.8.24.0005/SC



RELATOR: Desembargador LEOPOLDO AUGUSTO BRÜGGEMANN


APELANTE: LUIZ FELIPE VIEIRA DA SILVA MARTINS (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


RELATÓRIO


Na comarca de Balneário Camburiú, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Luiz Felipe Vieira da Silva Martins, dando-o como incurso nas sanções do art. 180, caput, do Código Penal, e art. 14, caput, do Estatuto do Desarmamento, pela prática das condutas assim descritas na inicial acusatória:
No dia 24 de dezembro de 2019, por volta das 14 horas, na rua Sargento Manoel Candido Pereira, nº 82, bairro Jardim Eliana, na cidade de Guaratuba/PR, houve a subtração do veículo Chevrolet/Prisma, de placas MLF-5520, de propriedade de Anderson Kinzmeier (fls. 03/05 - Evento 22). Em seguida, alguém adulterou as placas de identificação para MMI-6747.
Após, em data incerta, o denunciado recebeu o aludido veículo, sabendo da sua origem espúria.
Ocorre que, no dia 12 de janeiro de 2020, guardas municipais avistaram o denunciado conduzindo o referido automóvel pela Quinta Avenida, bairro dos Municípios, nesta cidade, e, diante de informações de que se tratava de um automóvel clonado, realizaram a abordagem do condutor na rua Anitápolis, nesta cidade (fls. 03/07 - Evento 1).
Realizada revista pessoal, foi localizado na cintura de Luiz Felipe 01 (uma) pistola Sarsilmaz, nº T5AR0384, calibre. 380, carregada com 14 (quatorze) munições calibre .380 e 02 (dois) carregadores (fl. 19 - Evento 1).
Ainda, em revista veicular, os agentes públicos verificaram o chassi, restando constatado que se tratava do veículo Chevrolet/Prisma, de placas MLF-5520, com registro de furto/roubo (fls. 15/16 - Evento 1).
À conta disso, Luiz Felipe foi preso em flagrante delito.
O denunciado agiu livre e conscientemente, recebendo e conduzindo em proveito próprio, coisa que sabia ser produto de crime, e, portando e transportando, arma de fogo, acessórios e munições de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar (evento 1).
Concluída a instrução do feito, a denúncia foi julgada procedente para condenar o acusado às penas de 4 (quatro) anos e 1 (um) mês de reclusão e 24 (vinte e quatro) dias-multa, em seu mínimo legal, por infração ao disposto no art. 180, caput, do Código Penal e ao art. 14, caput, da Lei nº 10.826/03, na forma do art. 69, do Código Penal. Foi-lhe negado o direito de apelar em liberdade (evento 64).
Irresignada, a defesa interpôs recurso de apelação, no qual requereu, em preliminar, a nulidade do feito por ilicitude da prova, tendo em vista a usurpação de atribuição realizada pela Guarda Municipal de Balneário Camboriú. No mérito, pugnou pela absolvição do apelante em relação ao crime previsto no art. 180 do Código Penal, por ausência de provas em relação ao dolo. Alternativamente, pugnou pela desclassificação da conduta para a prevista no art. 180, § 3º, do Código Penal. Requereu ainda a absolvição referente ao crime previsto no art. 14 da Lei de Armas diante da configuração da excludente de culpabilidade da inexigibilidade de conduta diversa. Na dosimetria da pena, pleiteou a fixação da pena em seu mínimo legal, por considerar as condições do apelante normais aos tipos penais, bem como pela aplicação de regime inicial aberto, devendo a pena privativa de liberdade ser substituída por duas restritivas de direito. Por fim, requereu a concessão do direito de recorrer em liberdade, tendo em vista a inexistência das hipóteses autorizadoras da prisão cautelar (evento 12).
Juntadas as contrarrazões (evento 20), ascenderam os autos a esta instância, e a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Jorge Orofino da Luz Fontes, opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (evento 23)

VOTO


Trata-se de recurso de apelação contra decisão que julgou procedente a denúncia e condenou Luiz Felipe Vieira da Silva Martins às sanções previstas no art. 180, caput, do Código Penal e ao art. 14, caput, da Lei nº 10.826/03, na forma do art. 69, do Código Penal.
O apelo é de ser conhecido, porquanto presentes os requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade.
Da preliminar
A defesa arguiu a prefacial de nulidade do feito por ilicitude da prova, tendo em vista a usurpação de atribuição realizada pela Guarda Municipal de Balneário Camboriú.
Não merece guarida a proemial.
Isso porque na audiência de custódia, a regularidade da situação flagrancial foi verificada e o auto de prisão em flagrante restou devidamente homologado, em relação aos crimes de receptação e porte ilegal de arma de fogo, e relaxado em relação ao delito de adulteração de sinal identificador de veículo automotor, sendo, ao final, a prisão em flagrante convertida em prisão preventiva (Inquérito policial, evento 7).
Por serem considerados crimes permanentes, o crime de receptação e de porte ilegal de arma de fogo, a situação de flagrância se protrai no tempo, sendo possível que qualquer do povo prenda em flagrante qualquer pessoa encontrada em tal estado, conforme prevê o art. 301 do Código de Processo Penal, que "qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito".
Cuidam-se os autos de situação em que guardas municipais receberam informações de que o veículo "clonado" estaria transitando pela cidade. Ao realizarem a abordagem, confirmaram o registro de furto anterior, bem como as placas adulteradas e que o acusado estava portando uma arma de fogo em sua cintura. Como se vê, não há qualquer ilegalidade na conduta dos agentes públicos.
Acerca disso, colaciona-se deste Areópago:
APELAÇÃO CRIMINAL. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO (ART. 14, CAPUT, DA LEI N. 10.826/2003). DECISÃO CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. PRELIMINAR. NULIDADE DA ABORDAGEM REALIZADA PELA GUARDA MUNICIPAL. NÃO OCORRÊNCIA. EXISTÊNCIA DE FLAGRANTE DELITO QUE AUTORIZA A ATUAÇÃO DA GUARDA MUNICIPAL, NOS TERMOS DO ART. E 5º, XIV, DA LEI N. 13.022/2014, QUE DISCIPLINA O ART. 144, §8º DA CF. ADEMAIS, ART. 301 DO CPP AUTORIZA QUE QUALQUER UM DO POVO EFETUE A PRISÃO. PRECEDENTES DO STJ E DESTE TRIBUNAL. "Nos termos do artigo 301 do Código de Processo Penal, qualquer pessoa pode prender quem esteja em flagrante delito, de modo que inexiste óbice à realização do referido procedimento por guardas municipais, não havendo, portanto, que se falar em prova ilícita no caso em tela. Precedentes" (STJ. Recurso em Habeas Corpus n. 94.061/SP, rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, j. 19-4-2018). [...] (TJSC, Apelação Criminal n. 0066359-97.2012.8.24.0023, da Capital, rel. Des. José Everaldo Silva, Quarta Câmara Criminal, j. 18-07-2019, grifou-se).
E desta Câmara:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A INCOLUMIDADE PÚBLICA. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO E DE MUNIÇÕES DE USO PERMITIDO (LEI 10.826/2003, ART. 14, CAPUT). SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DA DENÚNCIA. RECURSO DEFENSIVO. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. AVENTADA ILEGALIDADE DA BUSCA PESSOAL E VEICULAR REALIZADA PELA GUARDA MUNICIPAL E NULIDADE DOS ATOS PROCESSUAIS SUBSEQUENTES. DESPROVIMENTO. FUNDADAS SUSPEITAS ACERCA DA PRÁTICA DE CRIME PERMANENTE QUE JUSTIFICARAM AS MEDIDAS. PRISÃO EM FLAGRANTE QUE INCUMBE A QUALQUER UM DO POVO. PRERROGATIVA QUE SE ESTENDE À GUARDA MUNICIPAL. EXEGESE DO ART. 301 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. ABSOLVIÇÃO INVIÁVEL. CONDENAÇÃO MANTIDA. PLEITO DE RESTITUIÇÃO DOS ARTEFATOS BÉLICOS APREENDIDOS. IMPOSSIBILIDADE. PERDA DAS ARMAS E MUNIÇÕES QUE DECORRE DO PROFERIMENTO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. EXEGESE DO ART. 25 DA LEI 10.826/2003 E DO ART. 91, II, "A", DO CÓDIGO PENAL. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. POSSIBILIDADE. SENTENÇA CONDENATÓRIA CONFIRMADA POR ESTA CORTE DE JUSTIÇA. PRECLUSÃO DA MATÉRIA FÁTICA. NOVA ORIENTAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (HC 126.292/SP) ADOTADA POR ESTA CÂMARA CRIMINAL NOS AUTOS 0000516-81.2010.8.24.0048). IMEDIATO CUMPRIMENTO DA PENA RESTRITIVA DE DIREITOS QUE SE IMPÕE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Criminal n. 0004676-40.2017.8.24.0005, de Balneário Camboriú, rel. Des. Ernani Guetten de Almeida, Terceira Câmara Criminal, j. 17-07-2018).
Desta forma, inexiste qualquer mácula na prisão em flagrante realizada, bem como na conduta dos agentes públicos da Guarda Municipal de Balnerário Camboriú, razão pela qual deve ser afastada a proemial levantada.
Da absolvição do art. 180, caput, do Código Penal
No mérito, a defesa pugnou pela absolvição do apelante em relação ao crime previsto no art. 180 do Código Penal, por insuficiência de provas e ausência de provas em relação ao dolo. Alternativamente, pugnou pela desclassificação da conduta para a prevista no art. 180, § 3º, do Código Penal.
Dispõe o tipo penal em análise:
Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influi para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Pois bem.
A materialidade do delito de receptação veio amparada pelo boletim de ocorrência (Inquérito Policial, evento 1, auto de prisão em flagrante, p. 3-4), fotografias (Inquérito Policial, evento 1, auto de prisão em flagrante, p. 5-7), boletim de ocorrência de recuperação de veículo (Inquérito Policial, evento 1, auto de prisão em flagrante, p. 8-9), registro de ocorrência de furto (Inquérito Policial, evento 1, auto de prisão em flagrante, p. 15-16), auto de exibição e apreensão (Inquérito Policial, evento 1, auto de prisão em flagrante, p. 19), boletim de ocorrência do furto do veículo (Inquérito Policial, evento 22), laudo pericial de exame em veículo (Inquérito Policial, evento 30) e laudo pericial de identificação de veículo (Inquérito Policial, evento 32).
Igualmente, a autoria...

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