Acórdão Nº 5000766-81.2019.8.24.0058 do Quarta Câmara de Direito Público, 12-05-2022

Número do processo5000766-81.2019.8.24.0058
Data12 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5000766-81.2019.8.24.0058/SC

RELATORA: Desembargadora VERA LÚCIA FERREIRA COPETTI

APELANTE: LAURO JOAO SCHNEIDER (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) APELADO: MUNICÍPIO DE SÃO BENTO DO SUL/SC (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de embargos declaratórios opostos pelo Município de São Bento do Sul contra a decisão monocrática do evento 27, dos autos deste grau de jurisdição, que reconheceu a deserção e não conheceu do recurso de apelação, interposto por Lauro João Schneider contra sentença do evento 45, eproc 1° Grau, que julgou parcialmente procedente a ação civil pública intentada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

Sustenta o embargante, em síntese, que a sentença está sujeita ao reexame necessário, de acordo com o art. 496 do Código de Processo Civil (CPC), porquanto houve imposição de obrigação de fazer ao ente municipal e não deve ser aplicado o entendimento de incidência do art. 19 da Lei da Ação Popular (LAP), que restringe a remessa necessária aos casos de carência ou improcedência de ações coletivas.

Requereu, por fim, que sejam recebidos e processados os presentes embargos de declaração para obter clareamento/esclarecimento quanto a possível omissão quanto à possibilidade de acolhimento da ação em face da remessa necessária e manifestação expressa deste Juízo (evento 36, eproc 2° grau).

O embargado apresentou manifestação no evento 46, eproc 2º grau.

É o relatório.

VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade, conhece-se do recurso e, desde logo, antecipa-se que a irresignação prospera.

O art. 1.022 do Código de Processo Civil traz o rol das hipóteses de cabimento dos embargos de declaração, in verbis:

Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para:

I - esclarecer obscuridade ou eliminar contradição;

II - suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento;

III - corrigir erro material.

Parágrafo único. Considera-se omissa a decisão que:

I - deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento;

II - incorra em qualquer das condutas descritas no art. 489, §1º.

Nesse rumo, os aclaratórios objetivam o aprimoramento da decisão judicial, aclarando obscuridade, eliminando eventual contradição, suprindo omissão ou corrigindo erro material:

"Os embargos de declaração constituem poderoso instrumento de colaboração no processo, permitindo um juízo plural, aberto e ponderado a partir de um diálogo que visa a um efetivo aperfeiçoamento da tutela jurisdicional" (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil comentado. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 1.082).

No caso, os embargos merecem acolhimento, sem a concessão de efeitos infringentes, para sanar a omissão para o fim de conhecer, em parte, da remessa necessária e confirmar a sentença.

Embora não tenha havido determinação, na sentença, de remessa necessária, a hipótese dos autos enseja o reexame necessário, que não alcança a integralidade do que foi por ela decidido.

Isso porque a ação civil pública integra um microssistema que tutela o interesse coletivo, o qual é regido por legislações específicas, sendo as de maior relevância as Leis de n. 4.717/65 (Lei da Ação Popular), 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) e 8.492/92 (Lei de Ação Civil por Ato de Improbidade Administrativa); as disposições do Código de Processo Civil (CPC) são aplicáveis subsidiariamente.

Nesse passo, há previsão específica nesse microssistema no que atine à remessa oficial: o art. 19 da Lei da Ação Popular, in verbis:

Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente caberá apelação, com efeito suspensivo (destacou-se).

A aplicação de tal dispositivo à ação civil pública é pacificamente reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ):

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SENTENÇA QUE EXTINGUIU O PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, POR CARÊNCIA DE AÇÃO (FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL). REEXAME NECESSÁRIO. CABIMENTO. APLICAÇÃO DO ART. 19 DA LEI 4.717/1965. ENTENDIMENTO DESTA CORTE SUPERIOR. AGRAVO INTERNO DA FEDERAÇÃO A QUE SE NEGA PROVIMENTO

.1. Nos termos do que decidido pelo Plenário do STJ, aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (Enunciado Administrativo 2).

2. Conforme o entendimento desta Corte Superior, o art. 19 da Lei 4.717/1965 aplica-se analogicamente, também, às Ações Civis Públicas, para submeter as sentenças de improcedência ao reexame necessário. Julgados: AgInt no REsp. 1.264.666/SC, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, DJe 22.9.2016; AgRg no REsp. 1.219.033/RJ, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 25.4.2011.

3. Ao contrário do que alegado pela parte agravante, o art. 19 da Lei 4.717/1965 incide, também, para as hipóteses de carência de ação, conforme a expressa dicção do dispositivo legal.

4. No presente caso, tendo a sentença julgado extinto o processo sem resolução de mérito, justamente pela carência de ação (fls. 347/351) - falta de interesse processual, prevista no art. 267, VI do CPC/1973 -, e considerando a jurisprudência deste STJ quanto à aplicação analógica do sobredito art. 19 às Ações Civis Públicas, é mesmo imprescindível o reexame necessário.

5. Ainda que existisse eventual vício na decisão singular, este seria convalidado pelo julgamento do presente Agravo Interno perante o Órgão Colegiado, sendo incabível o reconhecimento de nulidade.Julgados: AgInt no REsp. 1.709.018/SP, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 2.8.2018; AgInt no REsp. 1.533.044/AC, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 2.2.2017.

6. Agravo Interno da Federação a que se nega provimento. (AgInt no REsp 1547569/RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/06/2019, DJe 27/06/2019 - destacou-se).

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. REEXAME NECESSÁRIO. DESCABIMENTO. JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DO STJ. CONTROVÉRSIA RESOLVIDA, PELO TRIBUNAL DE ORIGEM, À LUZ DAS PROVAS DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO, NA VIA ESPECIAL. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.

I. Agravo interno aviado contra decisão que julgara Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/73.

II. Na origem, trata-se de Ação Civil Pública, ajuizada pela parte ora recorrida, com o objetivo de obter a declaração de nulidade de Termo de Permissão de Uso de bem imóvel, sob o fundamento de tratar-se de ato ilegal. Julgada procedente a demanda, recorreu o SINTAP/MT, tendo o Tribunal local negado provimento à Apelação e não conhecido do reexame necessário.

III. Na forma da jurisprudência do STJ, por "aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da Lei nº 4.717/65, as sentenças de improcedência de ação civil pública sujeitam-se indistintamente ao reexame necessário" (STJ, REsp 1.108.542/SC, Rel. Ministro Castro Meira, DJe de 29.5.2009). Com efeito, ao contrário, julgada procedente a presente Ação Civil Pública, para que seja anulado Termo de Permissão de Uso de bem imóvel, constata-se, conforme asseverado no acórdão recorrido, que "a tutela do interesse da sociedade foi alcançada", de modo que "não há, portanto, que se falar em prejuízo ao Erário ou à sociedade". Registre-se, ainda, precedente da Primeira Turma do STJ, no sentido de que, excetuada a hipótese de carência de ação, "o Reexame Necessário na Ação Civil Pública, por aplicação analógica do art. 19 da Lei da Ação Popular, somente ocorrerá com a improcedência da ação" (STJ, REsp 1.578.981/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, DJe de 04/02/2019). Assim, estando o acórdão recorrido em consonância com a jurisprudência sedimentada nesta Corte, merece ser mantida a decisão ora agravada, em face do disposto no enunciado da Súmula 568 do STJ.

IV. O entendimento firmado pelo Tribunal a quo, em vista dos fatos e provas dos autos - no sentido da ausência de prejuízo ao Erário ou à sociedade, a justificar o reexame necessário -, não pode ser revisto, pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede de Recurso Especial, sob pena de ofensa ao comando inscrito na Súmula 7 desta Corte. Precedentes do STJ.V. Agravo interno improvido.(AgInt no REsp 1641233/MT, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/03/2019, DJe 04/04/2019 - destacou-se)

Tais lições vêm ao encontro do seguinte precedente da Primeira Câmara de Direito Público deste Tribunal:

REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA.1) REMESSA OFICIAL. PARCIAL CONHECIMENTO. PREVALÊNCIA DAS REGRAS DO SISTEMA DE TUTELA DE DIREITOS COLETIVOS SOBRE O REGRAMENTO GENÉRICO DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. NÃO CONHECIMENTO DA REMESSA NO QUE TOCA AOS PEDIDOS ACOLHIDOS."Por integrarem um microssistema de tutela de direitos coletivos, às ações civis públicas, regidas pela Lei 7.347/85, aplica-se por analogia o disposto no art. 19 da Lei n. 4.717/65, de modo que as hipóteses de reexame obrigatório estão limitadas aos julgamentos de improcedência do pedido e de carência da actio, reservando-se o regramento do Código de Processo Civil à aplicação subsidiária." (TJSC, Apelação / Remessa Necessária n. 0900017-30.2017.8.24.0015, de Canoinhas, rel. Odson Cardoso Filho, Quarta Câmara de Direito Público, j. 19-11-2020).2) REFORMA DE ESCOLA PÚBLICA ESTADUAL. IRREGULARIDADES ATESTADAS PELO CORPO DE BOMBEIROS MILITAR. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. DETERMINAÇÃO DE ADEQUAÇÃO...

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