Acórdão Nº 5000769-49.2022.8.24.0052 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 17-11-2022

Número do processo5000769-49.2022.8.24.0052
Data17 Novembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5000769-49.2022.8.24.0052/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: ANTONIO ELOY (AUTOR) ADVOGADO: TIAGO DE AZEVEDO LIMA (OAB SC036672) ADVOGADO: EDUARDO FERNANDO REBONATTO (OAB SC036592) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU) ADVOGADO: SIGISFREDO HOEPERS (OAB SC007478)

RELATÓRIO

Antônio Eloy interpôs recurso de apelação cível em face da sentença proferida pelo juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Porto União, que julgou parcialmente procedentes os pedidos da "ação anulatória de contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, cumulada com obrigação de fazer, restituição de valores e compensação por danos morais" aforada contra Banco BMG S/A, o que se deu nos seguintes termos (evento 23/1G):

Trata-se de PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL proposto por ANTONIO ELOY em face de BANCO BMG S.A.

A parte autora alega, em síntese, que recebe benefício previdenciário e acreditou ter realizado empréstimo consignado junto à empresa ré.

No entanto, após a celebração de contrato com o Banco BMG, notou a existência de um desconto denominado Reserva de Margem Consignável.

Aduz que " [...] a parte autora, nunca formalizou e nem pretendeu formalizar nenhum contrato de Cartão de Crédito - RMC com o banco requerido, e jamais assinou qualquer documento que autorizasse os descontos em seu benefício a esse título." (evento 1, INIC1, fl. 7).

Teceu outros argumentos para, ao final, requerer a procedência dos pedidos para declarar a inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito com RMC, com a condenação da ré na restituição dos valores cobrados mensalmente, bem como ao pagamento de indenização por danos morais.

Deu valor à causa e juntou documentos.

Citada, a ré apresentou resposta na forma de contestação alegando, preliminarmente, a ausência de resolução pela via administrativa, a existência de julgamento paradigma, a ausência de vício de consentimento, disponibilização e utilização do valor dos saques, bem como a prescrição e a decadência.

No mérito, discorre sobre o conceito do cartão de crédito consignado com reserva de margem, a legalidade do saque mediante utilização do cartão de crédito consignado, a inexistência de danos morais, do descabimento da repetição de indébito, bem como sobre a necessidade de devolução do saque realizado pela parte autora.

Requer, ao final, a improcedência dos pedidos.

A parte autora apresentou impugnação à contestação, oportunidade em que refuta os argumentos da ré reiterando seu direito à pretensão tal como deduzida na inicial.

Intimadas as partes para manifestarem-se acerca da necessidade de produção de outras provas, a parte autora requereu o julgamento antecipado do pedido (evento 19).

Decorreu o prazo sem manifestação da ré (evento 21).

Vieram os autos conclusos.

É o relatório, em síntese. Analiso e decido.

[...].

Ante o exposto, com base no art. 487, I do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial para:

a) converter a contratação realizada entre as partes para a modalidade de "empréstimo consignado", no valor auferido pela parte autora por meio de saque, com aplicação dos encargos estipulados pelo Banco Central à data de celebração do negócio jurídico, observando-se a modalidade do empréstimo realizado;

b) determinar a devolução, na forma simples, dos valores descontados a título de "Empréstimo RMC", devidamente corrigida pelo INPC a partir de cada desconto indevido, acrescida de juros de mora de 1% ao mês, a contar da citação, com a dedução do saldo devedor remanescente, se houver;

c) condenar a ré ao pagamento de 50% (cinquenta por cento) das custas processuais, além de honorários advocatícios em favor do procurador da parte autora, no valor correspondente a 10% (dez por cento) sobre o valor total atualizado da condenação (somatório do valor a ser restituído a parte autora, acrescido de juros e correção monetária na forma da fundamentação);

d) condenar a parte autora ao pagamento de 50% (cinquenta por cento) das custas processuais, além de honorários advocatícios em favor da ré, correspondente à 10% (dez por cento) sobre a pretensão de indenização - R$ 10.000,00 (dez mil reais) devidamente corrigida.

Fica deferido o pedido de gratuidade da justiça concedido provisoriamente na decisão de evento 4, de forma que as obrigações decorrentes da sucumbência da parte autora ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade na forma do art. 98, § 3º do Código de Processo Civil.

Oportunamente, arquive-se.

Publique-se. Registre-se. Intime-se.

Em suas razões recursais (evento 28/1G), o autor apenas requer que, diante do ato ilícito praticado, o banco deve ser condenado ao pagamento de danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), pois, no caso, o abalo moral é presumido.

Contrarrazões (evento 32/1G), pugnando o réu pela manutenção da sentença.

Os autos ascenderam ao Tribunal de Justiça e foram distribuídos por sorteio a este relator.

Este é o relatório.

VOTO

1. Exame de admissibilidade do recurso

Inicialmente, registra-se que a demanda foi ajuizada já com fundamento processual no Código de Processo Civil de 2015, motivo pelo qual é este o diploma processual que deverá disciplinar o cabimento, o processamento e a análise do presente recurso, haja vista o princípio tempus regit actum (teoria do isolamento dos atos processuais).

Dito isto, tem-se que o recurso deve ser conhecido porquanto presentes os requisitos de admissibilidade, razão pela qual passa-se à análise das teses recursais.

2. Fundamentação

A controvérsia recursal repousa em saber se, na hipótese dos autos, é devida indenização por dano moral, uma vez que os demais pedidos da ação foram julgados procedentes e inexistente recurso do banco réu, que se conformou com a sentença proferida na origem.

Dispõe o art. 186 do Código Civil: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."

Maria Helena Diniz, em comentários ao mencionado artigo, ensina que:

Para que se configure o ato ilícito, será imprescindível que haja: a) fato lesivo voluntário, causado pelo agente, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência [...]; b) ocorrência de um dano patrimonial e/ou moral [...], sendo que pela Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça serão cumuláveis as indenizações por dano material e moral decorrentes do mesmo fato [...]. Pelo art. 944 do Código Civil a indenização se mede pela extensão do dano. Todavia, já se decidiu que: "A indenização não surge somente nos casos de prejuízo, mas também pela violação de um direito" (RSTJ, 23:157); e c) nexo de causalidade entre o dano e o comportamento do agente [...]. (in Código Civil Anotado, 14ª ed., São Paulo : Saraiva, 2009, p. 207)

Quanto à obrigação de reparar o dano, o art. 927 do Código Civil reza que: "aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo".

Todavia, a existência de ato ilícito, de natureza contratual ou extracontratual, não é suficiente para dar respaldo a uma sentença condenatória, sendo imprescindível a demonstração da existência do alegado dano moral e o nexo de causalidade entre o prejuízo sofrido e a conduta imputada à parte ré.

Como bem leciona Silvio de Salvo Venosa, "sem dano ou sem interesse violado, patrimonial ou moral, não se corporifica a indenização. A materialização do dano ocorre com a definição do efetivo prejuízo suportado pela vítima (Direito civil: responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2012, p. 37).

Portanto, o dano é elemento imprescindível à responsabilidade civil em todas as suas modalidades.

O dano moral é um prejuízo de natureza extrapatrimonial atinente às violações que atingem os direitos da personalidade das pessoas.

Segundo a doutrina de Carlos Roberto Gonçalves, "a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a- dia, no trabalho , no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo" (Responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 549).

Logo, não é qualquer inconveniente da vida que se mostra suficiente para caracterizar o dano moral, que não se presume pelo simples fato de ter havido um ilícito contratual ou extracontratual. Também não se pode confundir os danos morais com a ocorrência de simples prejuízos patrimoniais.

No presente caso, o débito oriundo do contrato de saque via cartão de crédito consignado existia e isso é fato incontroverso...

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