Acórdão Nº 5000772-50.2021.8.24.0242 do Quarta Câmara de Direito Comercial, 19-04-2022

Número do processo5000772-50.2021.8.24.0242
Data19 Abril 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5000772-50.2021.8.24.0242/SC

RELATOR: Desembargador JOSÉ CARLOS CARSTENS KOHLER

APELANTE: CELIA PEREIRA DA SILVA (AUTOR) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

Ceila Pereira da Silva interpôs Recurso de Apelação (Evento 24) contra sentença prolatada pelo Magistrado oficiante na Vara Única da Comarca de Ipumirim que, nos autos da "ação declaratória de inexistência de relação jurídica c/c repetição de indébito e indenização por dano moral", ajuizada em face de Banco BMG S.A., julgou improcedente a pretensão vertida na exordial, cuja parte dispositiva se transcreve:

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES, nos termos do art. 487, I, CPC, os pedidos formulados por CELIA PEREIRA DA SILVA contra o BANCO BMG S.A.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como de honorários de sucumbência arbitrados em R$ 1.000,00, cuja exigibilidade fica suspensa por ser beneficiária da assistência judiciária gratuita (e. 5).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Após o trânsito em julgado, arquivem-se.

(Evento 19)

Em suas razões recursais, o Requerente defende, em apertada síntese, que: (a) "JAMAIS contratou a modalidade cobrada pela Apelada, qual seja: cartão de crédito e RMC - os quais foram descontados mensalmente do seu benefício desde março de 2016, sem abatimento das dívidas de financiamento."; (b) "visível a má-fé da Apelada, que se aproveitou da idade avançada e falta de escolaridade de pessoa idosa (hipervulnerável), para promover um serviço diverso do solicitado pela consumidora"; (c) "a Apelada não comprovou que a Apelante recebeu ou utilizou o cartão de crédito, pois, sequer acostou às faturas mensais ao processo."; (d) a Financeira "não demonstrou que informou a consumidora sobre a existência de faturas mensais que estavam sendo descontadas automaticamente em seu benefício previdenciário, em plena violação ao direito de informação (art. 6º, III, do CDC), além de ser ônus que lhe incumbia (art. 373, II, do CPC), uma vez que não se pode exigir prova negativa da consumidora."; (e) "a Apelante NUNCA utilizou o cartão de crédito ou margem consignável que estão sendo descontados diretamente de seu benefício previdenciário."; (f) "até o (protocolo da ação), a Apelante amargou prejuízo de R$ 2.860,00 (dois mil, oitocentos e sessenta reais), sendo que os descontos continuaram após a propositura da presente demanda, devendo serem apurados em liquidação de sentença."; (g) "em razão da ilegalidade dos descontos, necessário se faz o pagamento em dobro pela Apelada (art. 42 do CDC), acrescido de juros e correção monetária, conforme postulado na exordial."; (h) "cabe a Apelada indenizar o Apelante no valor mínimo de R$ 10.000,00 (dez mil) reais pelos danos morais sofridos (Súmula 54 do STJ), pois, tratam-se de deduções reiteradas e realizadas em um benefício social de aposentadoria por invalidez por aproximadamente seis anos"; e (i) "a inversão do ônus da sucumbência, para que, seja a parte Apelada condenada ao pagamento de honorários advocatícios sobre o valor atualizado da causa, inclusive na fase recursal".

Empós, com o oferecimento das contrarrazões (Evento 30), ascenderam os autos a este grau de jurisdição.

É o necessário escorço.

VOTO

Primeiramente gizo que uma vez preenchidos os requisitos de admissibilidade, o Recurso é conhecido.

Esclareço, por oportuno, que a decisão recorrida se subsome ao regramento processual contido no Novo Código de Processo Civil, porquanto a publicidade do comando judicial prolatado pelo Estado-Juiz se deu em 7-12-21, isto é, já na vigência do CPC/2015.

1 Do Recurso

1.1 Da declaração de inexistência de débito

O Demandante ajuizou "ação declaratória de inexistência de relação jurídica c/c repetição de indébito e indenização por dano moral" em face do Banco Banco Olé Bonsucesso Consignado S.A., sucedido por Banco Santander (Brasil) S.A., argumentando que a Instituição Financeira impôs de forma dissimulada a contratação de empréstimo via cartão de crédito, com desconto em folha do valor mínimo da fatura, de modo que acreditou que estava realizando um empréstimo nos moldes tradicionais.

Aflora da peça inaugural que o Autor almeja: (a) a declaração de inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável RMC e, caso não acolhida a pretensão declaratória, a conversão da aludida avença para a modalidade empréstimo consignado; (b) a restituição em dobro dos valores descontados indevidamente em folha de pagamento; e (c) a condenação do Réu ao pagamento de indenização por danos morais.

O Magistrado a quo julgou improcedentes os pedidos articulados na peça vestibular (Evento 19).

Aflora do caderno processual ser incontroverso que os Contendores firmaram mútuo, porém inexiste consenso acerca da sua modalidade.

Enquanto a Autora sustenta que seu intento era apenas adquirir empréstimo consignado "comum", a Instituição Financeira defende que a Demandante teve plena ciência de que estava anuindo com a operação creditícia denominada "termo de adesão cartão de crédito consignado Banco BMG e autorização para desconto em folha de pagamento" (Evento 13, contrato 3).

A partir de um cotejo analítico do arcabouço jurisprudencial deste Areópago acerca da declaração de inexistência de contratação de empréstimo via cartão de crédito com contrato de reserva de margem consignável, a corrente majoritária ruma no sentido de reconhecer a abusividade da referida pactuação, pois em casos similares "o Banco, deliberadamente, impõe ao consumidor o pagamento mínimo da fatura mensal, o que para ele é deveras vantajoso, já que enseja a aplicação, por muito mais tempo, de juros e demais encargos contratuais" (Apelação Cível n. 0304923-40.2017.8.24.0039, Rela. Desa. Soraya Nunes Lins, j. 10-5-18).

Enfatizo que a prática abusiva e ilegal suso esmiuçada difundiu-se, tendo, lamentavelmente, atingido uma gama enorme de aposentados e pensionistas. A esse respeito, vale também conferir o inteiro teor do julgamento da Apelação Cível n. 0002355-14.2011.8.24.0079, de lavra do eminente relator Desembargador Robson Luz Varella, julgado em 17-4-18.

Observo que foram juntados aos autos documentos que atestam a efetiva instrumentalização de negócio jurídico com reserva de margem consignável em cartão de crédito, cujo pagamento parcial se dá pelo desconto no benefício previdenciário da Autora do valor mínimo da fatura, sendo que o restante do débito permanece registrado como saldo em aberto na fatura do cartão, sofrendo incidência de encargos mês a mês.

Ocorre que tal documentação, isoladamente, não é suficiente para atestar a lisura da contratação. Ora, o exercício da livre manifestação de vontade do Requerente no ato da assinatura deve ser também esmiuçado.

Considerando o conteúdo das razões recursais e a totalidade do contexto fático-probatório amealhado ao feito, concluo que no caso em testilha a Instituição de Crédito não atuou com a diligência e a boa-fé que se exige na concretização de todo negócio jurídico, circunstância que implica na nulidade contratual.

Com efeito, a Demandante é aposentada e detentora da benesse da gratuidade da justiça (Evento 5).

Dos extratos de pagamentos do benefício n.131.580.171-7 (Evento 1, Extrato 7), observo a existência de: (a) empréstimos consignados ativos; e (b) descontos a título de empréstimo sobre a RMC.

É importante notar que o ajuste estabeleceu que o montante emprestado/sacado fosse depositado diretamente na conta-corrente da Autora - os mesmos moldes do empréstimo consignado - de forma que não foi sequer necessário o uso do cartão de crédito para ter acesso ao valor negociado.

Além disso, não há qualquer prova no feito que demonstre que o cartão de crédito foi utilizado para efetuar compras ordinárias em seu dia a dia, o que corrobora a alegada ausência de interesse na pactuação deste serviço.

A propósito, quanto a este aspecto, deve ser destacado que eventual esgotamento da margem consignável de 30% não autoriza o raciocínio de que a Consumidora efetivamente tenha optado por celebrar mútuo com reserva de margem consignável.

É ilógico afirmar que na impossibilidade de contratação do empréstimo consignado comum - cujas taxas são sensivelmente mais brandas do que usualmente se vê praticado em operações análogas - a Aposentada realmente estava disposta a comprometer seu rendimento mensal com modalidade de crédito substancialmente mais onerosa do que aquela.

Gizo que a reserva de margem consignável para cartão de crédito desconta da folha previdenciária apenas o valor mínimo da fatura, dando a falsa impressão de que o montante emprestado será integralmente pago por tal meio.

A quantia remanescente, contudo, permanece sendo debitada mês a mês na fatura de cartão de crédito, aumentando com a incidência de encargos financeiros ao longo do tempo. É justamente por isso que no momento da celebração do pacto o detalhamento das informações que envolvem o saldo devedor é imprescindível para que a Consumidora possa exprimir sua vontade.

Diante dos aspectos suso debuxados somados à similaridade da denominação das duas operações de crédito em comento - empréstimo consignado e empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável - e até mesmo a complicada sistemática do crédito concedido por meio de cartão com RMC, não é razoável afirmar que o Hipossuficiente - acostumada a contrair consignado comum, tanto é que é notório o volume de operações dessa espécie - tenha tido a real dimensão das implicações de tal contratação e condições de manifestar sua livre vontade ao assinar o contrato.

Ora, o Pergaminho...

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