Acórdão Nº 5000786-72.2021.8.24.0003 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 28-04-2022

Número do processo5000786-72.2021.8.24.0003
Data28 Abril 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5000786-72.2021.8.24.0003/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: ANDREIA MEIRELOS (AUTOR) ADVOGADO: JULIO CESAR DE OLIVEIRA MENDES (OAB sc060093) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU) ADVOGADO: SIGISFREDO HOEPERS (OAB SC007478)

RELATÓRIO

Andreia Meirelos interpôs recurso de apelação da sentença proferida pelo juízo Vara Única da Comarca de Anita Garibaldi, que julgou improcedentes os pedidos da "ação declaratória de inexistência de débito e nulidade contratual c/c restituição de valores, com pedido de tutela de urgência e indenização por dano moral" aforada contra Banco BMG S/A, o que se deu nos seguintes termos (evento 17/1G):

ANDREIA MEIRELOS ajuizou a presente "AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES c/c INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL, COM PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA ANTECIPADA" em desfavor BANCO BMG S.A, ambos qualificados nos autos.

Alegou, em resumo, que não contratou empréstimo com cartão de crédito consignado, apesar de estar havendo descontos/reserva de margem de crédito em seu benefício previdenciário. Requereu ao final, dentre outros provimentos, o reconhecimento da inexistência de contratação com a devolução dos valores descontados e a condenação em danos morais. Alternativamente, caso apresentado contrato assinado, pugnou pela conversão do contrato em empréstimo consignado.

Não concedida a tutela provisória, foi deferida a gratuidade da justiça (evento 4).

Em contestação, a instituição financeira refutou os argumentos contidos na inicial. Preliminarmente, levantou a inépcia da inicial, prescrição, readequação do valor da causa, falta de interesse de agir. No mérito, disse que a modalidade de crédito foi contratada pela parte requerente, que recebeu o valor correspondente em sua conta bancária. Alegou a inexistência de ato ilícito, tampouco dano moral indenizável. Pugnou pela rejeição integral dos pedidos autorais (evento 12).

Houve réplica (evento 15).

[...].

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido (art. 487, I, do CPC), condenando a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% do valor atualizado da causa, na forma do art. 85, § 2º, do CPC/2015, observados os critérios do grau de zelo do profissional, lugar da prestação do serviço, natureza e importância da lide, o trabalho realizado e o tempo exigido, cuja exigibilidade fica suspensa por ser beneficiário da gratuidade judiciária (art. 98, §3º, do CPC).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Após o trânsito em julgado, arquivem-se.

Em suas razões recursais (evento 22/1G), a autora sustenta, em síntese, que: (a) o banco sequer apresentou o contrato impugnado; (b) a contratação é inválido, pois foi ludibriada pela casa bancária, tendo contratado, sem seu conhecimento e consentimento, crédito disponibilizado por meio de saque em cartão de crédito com reserva de margem consignada, pois não recebeu, tampouco utilizou o cartão de crédito; (c) a assinatura contida no termo de adesão não corresponde à assinatura da autora; (d) a forma como o desconto é realizado, torna o valor recebido impagável, na medida em que apenas da conta dos encargos incidentes, não representando efetiva amortização; (e) diante de vício na vontade, não pode ser considerada contratada a operação de crédito na forma efetuada, a qual representa nítida venda casada; (f) a operação deve ser cancelada, com a respectiva suspensão dos descontos em sua folha de pagamento e a devolução da quantia indevidamente cobrada; (g) o banco deve ser condenado ao pagamento de danos morais. Ao final, pugnou pelo provimento do recurso para reformar a sentença e julgar procedentes os pedidos da ação.

Contrarrazões (evento 35/1G).

Os autos ascenderam a este Tribunal de Justiça e foram distribuídos por sorteio a este relator.

Este é o relatório.

VOTO



1. Exame de admissibilidade

Inicialmente, registra-se que se trata de recurso de apelação interposto contra sentença prolatada sob a égide do Código de Processo Civil de 2015, motivo pelo qual é este diploma processual que disciplina o cabimento, o processamento e a análise do presente recurso, haja vista o princípio tempus regit actum (teoria do isolamento dos atos processuais).

Conheço do recurso de apelação porque presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade.

2. Fundamentação

2.1 Da inexistência da contratação entre as partes

Pugnou a autora em sua petição inicial, a declaração da inexistência da contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável em relação ao benefício previdenciário n. 136.245.201-4, a qual sustenta nunca ter realizado. A instituição financeira demandada, por sua vez, apesar de defender a licitude da negociação, juntou aos autos gravação telefônica autorizando a contratação, as respectivas faturas e comprovantes de depósito.

É oportuno registrar que o caso em apreciação deve ser apreciado à luz do Código de Defesa do Consumidor, na medida em que se trata de relação de consumo, conforme traduz os artigos 2º, caput, e 3º, § 2º, do referido código, verbis:

Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

[...]

Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1º Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (grifou-se)

A relação de consumo decorre também da interpretação que segue a teoria finalista aprofundada do conceito de destinatário final, consolidada após a vigência do Código Civil de 2002, a qual analisa a vulnerabilidade econômica ou técnica como aspecto de identificação do consumidor.

Ademais, pelo enunciado da Súmula 297, o Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento de que o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

Com efeito, a Instrução Normativa INSS n. 28/2008, que estabelece critérios e procedimentos operacionais relativos à consignação de descontos para pagamento de empréstimos e cartão de crédito, contraídos nos benefícios da previdência social, determina no inciso III, do art. 3º:

Art. 3º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão autorizar o desconto no respectivo benefício dos valores referentes ao pagamento de empréstimo pessoal e cartão de crédito, concedidos por instituições financeiras, desde que:

I - o empréstimo seja realizado com instituição financeira que tenha celebrado Convênio e/ou Acordo com o INSS/Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência - Dataprev, para esse fim; (Redação do inciso dada pela Instrução Normativa INSS Nº 100 DE 28/12/2018).

II - mediante contrato firmado e assinado com apresentação do documento de identidade e/ou Carteira Nacional de Habilitação - CNH, e Cadastro de Pessoa Física - CPF, junto com a autorização de consignação assinada, prevista no convênio; e

III - a autorização seja dada de forma expressa, por escrito ou por meio eletrônico e em caráter irrevogável e irretratável, não sendo aceita autorização dada por telefone e nem a gravação de voz reconhecida como meio de prova de ocorrência.

IV - o representante legal (tutor ou curador) poderá autorizar o desconto no respectivo benefício elegível de seu tutelado ou curatelado, na forma do caput, mediante autorização judicial; (Inciso acrescentado pela Instrução Normativa INSS Nº 100 DE 28/12/2018).

V - a revogação ou a destituição dos poderes ao representante legal não atingem os atos praticados durante sua vigência, salvo decisão judicial dispondo o contrário; (Inciso acrescentado pela Instrução Normativa INSS Nº 100 DE 28/12/2018).

VI - no caso de operações realizadas pelo representante legal, caberá à instituição financeira verificar a possível restrição prevista no inciso IV do caput, sob pena de nulidade do contrato; e (Inciso acrescentado pela Instrução Normativa INSS Nº 100 DE 28/12/2018).

VII - o representante convencional (procurador) não poderá autorizar os descontos previstos no caput. [...].

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