Acórdão Nº 5000790-66.2019.8.24.0040 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 30-03-2021

Número do processo5000790-66.2019.8.24.0040
Data30 Março 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5000790-66.2019.8.24.0040/SC

RELATOR: Desembargador ROBSON LUZ VARELLA

APELANTE: VALDELI QUIRINO DUARTE (AUTOR) E OUTRO ADVOGADO: LEANDRO SCHIEFLER BENTO APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação cível interpostos por VALDELI QUIRINO DUARTE e BANCO DAYCOVAL S.A. contra sentença de parcial procedência (evento 24) da denominada ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito cumulada com restituição de indébito e indenização por danos morais, a qual foi prolatada nos seguintes termos:

Ante o exposto, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por VALDELI QUIRINO DUARTE em face de BANCO DAYCOVAL S.A., para:

a) declarar inexistentes os débitos decorrentes do cartão de crédito mencionado no contrato Evento 17, OUT3, fls. 3 e 4;

b) condenar a parte ré à restituição dos valores pagos pela parte autora indevidamente, acrescidos de juros de mora de 1% ao mês e correção monetária, desde o pagamento, descontado o valor adquirido a título de empréstimo, corrigidos desde a data em que o respectivo valor foi liberado na conta da parte autora;

c) condenar a parte ré ao pagamento de indenização por danos morais em favor da parte autora no valor de R$3.000,00 (três mil reais), atualizado monetariamente pelo INPC, e acrescido de juros moratórios, no percentual de 1% (um por cento) ao mês, ambos a partir do trânsito em julgado desta sentença, conforme fundamentação supra.

Condeno a parte ré, ainda, ao pagamento das custas processuais, bem como ao pagamento dos honorários advocatícios da parte ex adversa, que se fixa em 10% sobre o valor atualizado da condenação, a teor do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil.

Em suas razões recursais (evento 46), a casa bancária sustenta, em síntese, a legalidade do negócio jurídico celebrado entre as partes, ressaltando a inexistência de prova de que a apelada teria sido levada a erro, não se vislumbrando, assim, irregularidade que dê causa à anulação do instrumento. Assevera que, à época da pactuação, o recorrido já não tinha margem consignável em seus rendimentos, inviabilizando a contratação de empréstimo consignado, restando apenas a obtenção de crédito consignado através da adesão ao contrato de cartão de crédito com margem consignável. Diz que inexiste termo final a caracterizar dívida impagável, porquanto o débito é extinto com pagamento do débito, que se dá na data do vencimento da fatura, que constitui liberalidade da autora. Defende que o uso cartão fica constituído e provado pelo saque de valores. Também, afirma inexistir danos indenizáveis, requerendo, subsidiariamente, a minoração do "quantum".

Por sua vez, o autor (evento 28) requer a majoração dos danos morais, a alteração do termo inicial dos juros moratórios, bem como da correção monetária.

Foram apresentadas contrarrazões (eventos 38 e 52).

Este é o relatório.

VOTO

Insurgem-se ambos os litigantes contra sentença de parcial procedência da ação declaratória de inexistência do contrato de cartão de crédito cumulada com repetição do indébito e indenização por danos morais.

Os pontos atacados nos apelos serão analisados separadamente com o objetivo de facilitar a compreensão.

Contratação via cartão de crédito consignado (irresignação da ré)

Relativamente ao tema, importa esclarecer que, durante o curso do processado, a parte autora defendeu a nulidade da contratação ajustada com a ré, sustentando ter sido vítima de fraude por esta ao adquirir cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), operação diversa e mais onerosa do que o contrato de empréstimo consignado, o qual acreditou efetivamente ter celebrado.

No pronunciamento judicial atacado, o Magistrado de Primeiro Grau concluiu pela nulidade do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, determinando que os valores depositados na conta bancária do autor, atualizados monetariamente pelo INPC, sejam compensados, na forma simples, com os valores descontados indevidamente pelo banco a título de RMC, corrigidos pelo INPC e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, ambos a contar de cada desembolso.

Em seu reclamo, pretende a apelante a reforma do referido "decisum", a fim de que seja julgada improcedente a demanda, no que assevera, para tanto, a validade do contrato de cartão de crédito consignado, defendendo ter sido entabulado com anuência do demandante, a significar, em consequência, a licitude dos descontos efetuados no seu benefício previdenciário e a inviabilidade de restituição de valores.

Pois bem.

Sobre as modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.asp).

Ainda a respeito, esclarece a jurisprudência que, no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, "disponibiliza-se ao consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, j. em 14/5/2015, DJe 20/5/2015).

Nessa perspectiva, a concessão de crédito através dessas duas modalidades (empréstimo e cartão de crédito), mesmo na consignação, possui considerável distinção, especialmente em relação às taxas de juros e demais encargos, avistando-se maior onerosidade ao consumidor quando se vale do cartão de crédito em detrimento do empréstimo.

Isso se deve, por vezes, em razão de que "o consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, efetuou a contratação de um cartão de crédito, de onde foi realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, j. em 14/5/2015, DJe 20/5/2015).

Inclusive, é sabido que tal prática abusiva e ilegal difundiu-se, atingindo parcela significativa de aposentados e pensionistas, tendo como consequência o ajuizamento de diversas ações visando tutelar o direito dos consumidores coletivamente considerados a fim de reconhecer a nulidade dessa modalidade de desconto realizado a título de Reserva de Margem Consignável (RMC).

Acerca do "modus operandi" utilizado pelas casas bancárias, o Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon), da Defensoria Pública do Estado do Maranhão, para fins de ajuizamento de ação civil pública, bem descreveu como funciona a prática:

O cliente busca o representante do banco com a finalidade de obtenção de empréstimo consignado e a instituição financeira, nitidamente, ludibriando o consumidor, realiza outra operação: a contratação de cartão de crédito com RMC.

Na sua folha de pagamento será descontado apenas o correspondente a 6% do valor obtido por empréstimo e o restante desse valor e mais os acréscimos é enviado para pagamento sob a forma de fatura que chega mensalmente à casa do consumidor.

Se este pagar integralmente o valor da fatura, que é o próprio valor do empréstimo, estará quitada a dívida; se, entretanto, como ocorre em quase todos os casos, o pagamento se restringir ao desconto consignado no contracheque (6% apenas do total devido), sobre a diferença não paga, isto é, 94% do valor devido, incidirão juros que são duas vezes mais caros que no empréstimo consignado normal. (http://condege.org.br/publicacoes/noticias/ma-defensoria-promove-a%C3%A7%C3%A3o-civil-p%C3%BAblica-contra-bancos-por-ilegalidades-em-consignados)

Extrai-se da narrativa ser esse o caso em questão.

Isso porque, da análise das circunstâncias em que a contratação foi efetivada, é possível verificar que o acionante pretendia firmar o denominado "empréstimo consignado" puro e simples, com parcelas fixas e preestabelecidas, vindo, entretanto, tempos depois, a saber, que contraíra outra modalidade contratual, via reserva de margem consignável, culminando na incidência de juros extorsivos a ponto de impossibilitar o pagamento do débito.

De fato, a efetiva existência dos descontos impugnados é incontroversa nos autos, tendo sido admitida pela parte ré em sua defesa.

Entretanto, a análise dos documentos trazidos pela acionada não conferem veracidade a sua alegação de que foi contratado pelo acionante cartão de crédito consignado com autorização para desconto em folha.

Evidencia-se dos autos a juntada de "Termo de Adesão", no qual se encontram os dados do demandante e a sua assinatura (evento 17).

Todavia, a casa bancária, a quem competia demonstrar a regularidade da utilização do cartão de crédito consignado, assegurando, assim, ter informado...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT