Acórdão Nº 5000800-76.2020.8.24.0040 do Terceira Câmara de Direito Público, 24-05-2022

Número do processo5000800-76.2020.8.24.0040
Data24 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5000800-76.2020.8.24.0040/SC

RELATOR: Desembargador JAIME RAMOS

APELANTE: COMPANHIA CATARINENSE DE ÁGUAS E SANEAMENTO - CASAN (RÉU) APELADO: CONDOMINIO EDIFICIO REPUBLICA JULIANA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na Comarca de Laguna, Condomínio Edifício República Juliana ajuizou "ação declaratória c/c repetição de indébito com pedido de tutela antecipada" em face da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento - CASAN, alegando que se trata de um condomínio contratante dos serviços de fornecimento de água e saneamento de esgoto prestado pela ré, constituído de 18 unidades residenciais autônomas, cujo consumo é aferido por um único hidrômetro, registrado sob o nº 811C084919; que a tarifa de água e esgoto é calculada pela ré a partir da multiplicação da tarifa mínima pelo número de unidades consumidoras do condomínio, desconsiderando o seu real consumo; que esta forma de cobrança, além de ferir os princípios do Código de Defesa do Consumidor, também contraria jurisprudência pacificada do Superior Tribunal de Justiça; que "a Lei n. 11.445/2007, que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico, prevê a tarifa de consumo mínimo ou de utilização dos serviços públicos de saneamento, mas não autoriza que os titulares desses serviços públicos multipliquem a metragem cubica mínima pelo numero de unidades de um condomínio com hidrômetro único, promovendo o denominado "sistema de economias", como no caso em tela"; que a referida "fórmula de cálculo, além de não ser autorizada pela legislação federal, fere o princípio da boa-fé objetiva, que permeia os contratos de consumo e, inclusive, o princípio da modicidade das tarifas de serviços públicos em favor do usuário, tal como descrito no art. 6º da Lei nº 8.987/95, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos". Requereu que seja declarada a ilegalidade da cobrança pelo sistema de economias e a condenação da requerida à restituição dos valores pagos indevidamente, acrescidos de juros e encargos legais. Pugnou ainda pela inversão do ônus da prova à luz do código consumerista e pela concessão de tutela de evidência ou a antecipação dos efeitos da tutela pretendida.

O pedido de tutela antecipada foi deferido.

A parte ré opôs embargos de declaração em face da decisão liminar, os quais foram rejeitados.

Devidamente citada, a CASAN ofertou contestação arguindo, em preliminar a inépcia da inicial. No mérito, sustentou que houve alteração da cobrança pelo sistema de economia e que dentre as principais mudanças, foi a extinção da taxa de volume mínimo de 10 metros cúbicos, que era de R$ 45,19, sendo substituída pela Tarifa Fixa de Disponibilidade de Infraestrutura (TFDI), no valor R$ 29,49, conforme Resolução n. 115, da Agência de Regulação de Serviços Públicos de Santa Catarina - ARESC. Argumentou que o sistema de economias não é mais utilizado e que na hipótese de eventual procedência do pedido, requereu que os efeitos de eventual declaração de ilegalidade do "critério das economias" seja limitada à data final de sua vigência (29/02/2020). Aduziu que nem sempre o sistema de consumo real ou efetivo pleiteado pelo autor será o mais vantajoso, podendo haver crédito em favor da ré, de modo que, nos meses em que ocorrer essa hipótese, pugna pela compensação do crédito. Requereu ainda, em caso de condenação, que o valor apurado em liquidação de sentença em favor do autora seja ressarcido de forma gradual, mediante lançamento de crédito nas faturas vincendas, até a satisfação integral do débito.

O autor apresentou manifestação à contestação.

Na sequência, a MMa. Juíza de Direito, Dra. Jadna Pacheco dos Santos Pinter, julgou procedente o pedido inicial, inscrevendo na parte dispositiva da sentença:

Ante o exposto, na forma do art. 487, I, do Código de Processo Civil, julgo procedentes os pedidos formulados na inicial por CONDOMINIO EDIFICIO REPUBLICA JULIANA em face de COMPANHIA CATARINENSE DE ÁGUAS E SANEAMENTO - CASAN e, em consequência:

a) CONFIRMO a tutela antecipada (evento 35).

b) DECLARO ilegal o "sistema de economias" utilizado para cobrança do fornecimento de água e coleta de esgoto no imóvel da parte autora, descrito na petição inicial.

c) DETERMINO que a parte ré cobre a tarifa de água e esgoto da unidade consumidora da autora de acordo com o real consumo mensurado pelo hidrômetro do edifício, considerando apenas uma unidade consumidora.

d) CONDENO a parte ré a restituir de forma simples todos os valores pagos a maior nas faturas de água e esgoto da parte autora, com vencimento a partir de 19/02/2010, com limitação ao faturamento de 19/02/2020 e reflexos no documento de dívida vencido em 03/2020.

Os valores serão apurados em liquidação por cálculo aritmético, nos termos do art. 509, § 2.º, do Código de Processo Civil, admitida a compensação com eventual crédito a ser apurado em favor da ré.

As quantias apuradas serão corrigidas pelo INPC/IBGE, a partir do efetivo desembolso - data de pagamento de cada fatura - (art. 389, CC e Súmula 43, STJ), acrescidos de juros de mora no percentual de 1% (um por cento) ao mês (arts. 405 e 406, CC c/c art. art. 161, § 1º, CTN), a partir da citação.

CONDENO a parte requerida, com fulcro no artigo 82, § 2º, do CPC, ao pagamento das despesas processuais e de honorários advocatícios ao patrono da parte autora, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, o que faço com fundamento no artigo 85, caput, do CPC, atendidos os critérios do § 2º, incisos I a III, do mesmo dispositivo.

Sentença publicada e registrada eletronicamente.

INTIMEM-SE.

Após o trânsito em julgado, ARQUIVE-SE.

"Em regime de cooperação - PROGRAMA APOIA"

Inconformada, a CASAN interpôs recurso de apelação pugnando pela modulação dos efeitos da decisão judicial, com fundamento nos artigos 21, 23 e 24 da Lei n. 13.655/2018, bem como pelo reconhecimento da legalidade da cobrança pela tarifa mínima. Sustenta também que a cobrança era legal até a alteração de entendimento com o julgamento do tema n. 414 pelo Superior Tribunal de Justiça, requerendo que seja reconhecido como marco final retroativo de restituição a data do trânsito em julgado do Tema 414 - 19/12/2011 ou, subsidiariamente, a data da fixação do tema 414 (05.10.2010). Com amparo no princípio da eventualidade, requereu, de forma subsidiária, a restituição de eventuais diferenças a maior por meio do creditamento em faturas vincendas, até o limite do eventual saldo apurado em liquidação.

Com as contrarrazões, em que houve alegação de inovação nas razões recursais, os autos ascenderam a esta Corte de Justiça.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Durval da Silva Amorim, manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso.

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto pela Companhia Catarinense de Águas e Saneamento - CASAN inconformada com a sentença que, nos autos da "ação declaratória c/c repetição de indébito com pedido de tutela antecipada" ajuizada pelo Condomínio Edifício República Juliana, julgou procedente os pedidos exordiais para declarar ilegal o "sistema de economias" utilizado para cobrança do fornecimento de água e coleta de esgoto no imóvel da parte autora, determinando que a ré efetue a cobrança da tarifa de água e esgoto da unidade consumidora de acordo com o real consumo mensurado pelo hidrômetro do edifício, considerando apenas uma unidade consumidora, e restitua, de forma simples, todos os valores pagos a maior nas faturas de água e esgoto, com vencimento a partir de 19/02/2010, com limitação ao faturamento de 19/02/2020 e reflexos no documento de dívida vencido em 03/2020.

Da questão preliminar suscitada em contrarrazões

Antes de analisar o mérito, é preciso decidir acerca da questão preliminar suscitada em contrarrazões acerca da inovação nas razões de apelação.

De fato, toda a argumentação trazida pela apelante para que sejam modulados os efeitos da decisão, isto é, que seja considerado como marco final retroativo de restituição a data do trânsito em julgado do Tema 414 (19/12/2011), que reconheceu como ilegal o método de cobrança anteriormente praticado pela empresa ou, subsidiariamente, a data da fixação do tema 414 (05.10.2010), não foi suscitada pelo Apelante/Réu em contestação ou em qualquer momento anterior no processo, quando em trâmite no primeiro grau de jurisdição, caracterizando evidente inovação recursal, vedada pelo ordenamento jurídico por atentar especialmente contra os princípios do devido processo legal (art. 5º, inciso LIV, CF/88), do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, inciso LV, da CF/88).

NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, acerca da matéria, tecendo comentários aos arts. 1.013 e 1.014, do Código de Processo Civil, lecionam:

"2. Devolução. [...] A limitação do mérito do recurso, fixada pelo efeito devolutivo, tem como consequências: a) a limitação do conhecimento do tribunal, que fica restrito à matéria efetivamente impugnada ('tantum devolutum quantum appellatum'); b) proibição de reforma para pior; c) proibição de inovar em sede de apelação (proibição de modificar a causa de pedir ou o pedido).

"[...]

"3. Proibição de inovar. Por inovação entende-se todo elemento que pode servir de base para a decisão do tribunal, que não foi arguido ou discutido no processo, no procedimento de primeiro grau de jurisdição [...]. Não se pode inovar no juízo de apelação, sendo defeso às partes modificar a causa de pedir ou o pedido (nova demanda). [...]."O sistema contrário, ou seja, o da permissão de inovar no procedimento da apelação, estimularia a deslealdade processual, porque propiciaria à parte que guardasse suas melhores provas e seus melhores argumentos para apresentá-los somente ao juízo recursal de segundo grau"."[...]"5. Questões atingidas pela regra. O sistema da proibição de inovar incide sobre as questões de fato dispositivas, sobre as quais o juiz não pode pronunciar-se ex officio, levantadas pela primeira vez no recurso de apelação por quem já...

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