Acórdão Nº 5000852-13.2022.8.24.0910 do Segunda Turma Recursal - Florianópolis (Capital), 28-06-2022

Número do processo5000852-13.2022.8.24.0910
Data28 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
Classe processualHabeas Corpus Criminal TR
Tipo de documentoAcórdão
Habeas Corpus Criminal TR Nº 5000852-13.2022.8.24.0910/SC

RELATOR: Juiz de Direito Vitoraldo Bridi

PACIENTE/IMPETRANTE: JESSE DE FARIA LOPES PACIENTE/IMPETRANTE: CARLOS AUGUSTO RIBEIRO DA SILVA IMPETRADO: Juízo do Juizado Especial Criminal da Comarca de Florianópolis (Capital) - Eduardo Luz

RELATÓRIO

Trata-se de habeas corpus impetrado por CARLOS AUGUSTO RIBEIRO DA SILVA, tendo como paciente JESSE DE FARIA LOPES, para fins de trancamento da ação penal n. 50426104820218240023.

A ação penal acima mencionada foi iniciada após o oferecimento de queixa-crime por CARLOS MOISÉS DA SILVA e tem por objetivo apurar a prática dos crimes previstos nos artigos 1391 e 1402 do Código Penal.

A parte impetrante argui, em síntese, a existência de constrangimento ilegal na decisão que recebeu a queixa-crime (evento 169 dos autos n. 5042610-48.2021.8.24.0023), sob as alegações de inépcia da inicial, ausência de justa causa, atipicidade subjetiva, ocorrência de bis in idem, existência de imunidade parlamentar, atipicidade formal da conduta e indivisibilidade da ação penal privada.

Não há pedido de concessão de liminar.

Foi dispensada a requisição de informações da autoridade coatora, prevista no artigo 662 do Código de Processo Penal3, pois os autos originários estão apensos aos presentes no sistema eproc e disponíveis para consulta.

O Ministério Público opinou pela denegação da ordem (evento 9).

VOTO

O habeas corpus, previsto no inciso LXVIII do artigo da Constituição Federal4, tem por objetivo tutelar a liberdade de locomoção dos indivíduos.

O remédio constitucional não possui legislação própria, diferentemente do mandado de segurança, e é regulamentado pelos artigos 648 a 667 do Código de Processo Penal.

De acordo com o artigo 648 do diploma legal acima mencionado, a coação será considerada ilegal nos seguintes casos:

Art. 648. A coação considerar-se-á ilegal:

I - quando não houver justa causa;

II - quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei;

III - quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo;

IV - quando houver cessado o motivo que autorizou a coação;

V - quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei a autoriza;

VI - quando o processo for manifestamente nulo;

VII - quando extinta a punibilidade.

Isto posto, passo à análise das teses levantadas pela parte impetrante.

Inépcia da inicial

A parte impetrante alega que "a exordial não supre os requisitos legais pelo fato de não expor, com clareza suficiente, o objeto da imputação criminal, principalmente, por trazer à baila diversas circunstâncias políticas e alheias aos poderes especiais outorgados na procuração do Querelante" (evento 1, petição inicial 1, página 7).

O Código Penal prevê, em seu artigo 41, que são requisitos da denúncia ou queixa: a) a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias; b) a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais ele possa ser identificado; c) a classificação do crime; d) quando necessário, o rol de testemunhas5.

Analisando os autos originários verifico que, em verdade, a queixa-crime preenche todas as exigências acima transcritas, pois deixou claro que o fato criminoso imputado ao paciente diz respeito à publicação supostamente ofensiva, efetuada em suas redes sociais no dia 25/5/2020.

Logo, estando descrita a conduta típica, qualificado o acusado e classificados os crimes a ele imputados, a queixa-crime não pode ser considerada inepta. Este é o entendimento adotado pelas Turmas de Recursos em casos semelhantes6.

Assim sendo, afasto a inépcia da inicial.

Ausência de justa causa

A parte impetrante sustenta que não há justa causa para o exercício da ação penal pois "além de a queixa-crime [...] encontrar-se inepta, vê-se, também, que carece de demonstração formal quanto aos requisitos indispensáveis para a configuração dos crimes contra a honra, bem como quanto à demonstração do dolo específico de ofender, conforme doravante explorado" (evento 1, petição inicial 1, página 10).

O Código de Processo Penal determina em seu artigo 395 que a ausência de justa causa é um dos motivos que enseja a rejeição da queixa-crime7.

Porém, mais uma vez a tese deve ser afastada. Isso porque há lastro probatório mínimo e indícios de autoria que justificam o recebimento da queixa crime. Nesse sentido já decidiram o egrégio Superior Tribunal de Justiça8 e as Turmas de Recursos9.

Desse modo, afasto a ausência de justa causa.

Atipicidade subjetiva

A parte impetrante argumenta que, "em que pese possa-se constatar, ante uma análise primária, que a afirmação realizada pelo Paciente poderia ter um caráter insultuoso, conclui-se que não há como se falar em prática delitiva posto que o agente detinha, unicamente, a vontade de propalar suposto acontecimento" (evento 1, petição inicial 1, página 12).

A queixa-crime imputa ao paciente os crimes de difamação e injúria, previstos, respectivamente, nos artigos 13910 e 14011 do Código Penal.

Em análise perfunctória entendo que não é possível afirmar que as publicações efetuadas em redes sociais não tinham a intenção de ofender a honra objetiva e a honra subjetiva do ofendido, especialmente porque se referem à sua vida pessoal e não às divergências políticas existentes entre ele e o paciente.

Assim sendo, não verifico a atipicidade subjetiva. O egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina12 e as Turmas de Recursos13 tem decidido no mesmo sentido em casos semelhantes.

Logo, afasto a alegada atipicidade subjetiva.

Dupla imputação em virtude do mesmo fato

A parte impetrante aduz que "ambos os delitos imputados ao Paciente versam exatamente sobre o mesmo fato, evidenciando o bis in idem, o que leva à rejeição da queixa crime quanto ao crime de injúria" (evento 1, petição inicial 1, página 16).

Novamente, razão não lhe assiste. Isso porque, embora tenha ocorrido apenas uma publicação no Twitter, replicada no Instagram, ela é capaz de atingir bens jurídicos distintos, o que permite a responsabilização criminal por difamação e injúria. Nesse sentido já decidiram os egrégios Superior Tribunal de Justiça14 e Tribunal de Justiça de Santa Catarina15.

Assim sendo, afasto a tese de dupla imputação pelo mesmo fato.

Imunidade parlamentar

A parte impetrante sustenta que "a Suprema Corte, em um recente julgamento, entendeu que: "O Supremo Tribunal Federal vem legitimando, para além do recorte espacial físico, a incidência da imunidade material sobre opiniões e palavras divulgadas em ambiente eletrônico, ao fundamento de que 'a natureza do meio de divulgação utilizado pelo congressista ('mass media' e/ou 'social media') não caracteriza nem afasta o instituto da imunidade parlamentar material" (evento 1, petição inicial 1, página 22).

A Constituição Federal prevê em seu artigo 53 que os Deputados e Senadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos16. Embora o artigo se refira aos Deputados Federais, é sabido que a proteção se estende também aos Deputados Estaduais.

Contudo, no caso em apreço, como já analisado pelo egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina quando do reconhecimento de sua incompetência, os atos imputados não guardam qualquer relação com a atividade exercida, não havendo se falar em imunidade parlamentar (evento 30 dos autos originários).

Este também foi o entendimento adotado pelos egrégios Supremo Tribunal Federal17 e Tribunal de Justiça de Santa Catarina18 em casos semelhantes.

Desse modo, afasto a tese de imunidade parlamentar.

Atipicidade formal da conduta

A parte impetrante alega que o teor da publicação, "já vinha sendo propagada nos aplicativos de mensagens e redes sociais há muito, de modo que não se pode imputar a prática dos crimes contra a honra atribuídos ao paciente que, por meio de uma analogia e crítica política, foi induzido a compartilhar a informação" (evento 1, petição inicial 1, página 26).

O Código de Processo Penal estabelece, em seu artigo 397, em relação à atipicidade formal, que o acusado deverá ser absolvido sumariamente quando se verificar que o fato imputado não constitui crime19.

Entretanto, ao menos em análise inicial, a atipicidade formal não pode ser reconhecida, pois ainda que o boato estivesse "correndo", a publicação no perfil do paciente, em razão de sua posição política e social de destaque, ajudou a repercuti-lo e, segundo consta dos autos, foi o meio pelo qual o ofendido ficou sabendo dele. Nesse sentido já decidiram o egrégio Superior Tribunal de Justiça20 e as Turmas de Recursos21.

Logo, afasto a atipicidade formal da conduta.

Indivisibilidade da ação penal privada

Por fim, a parte impetrante argui que "em decorrência da violação ao princípio da indivisibilidade, consubstanciada na conduta do Querelante de apenas ajuizar queixa-crime em desfavor do Paciente, em que pese a informação já ter sido vinculada por diversas pessoas antes mesmo do Paciente, tem-se uma clara renúncia...

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