Acórdão Nº 5000855-52.2022.8.24.0009 do Quinta Câmara de Direito Comercial, 04-05-2023

Número do processo5000855-52.2022.8.24.0009
Data04 Maio 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5000855-52.2022.8.24.0009/SC



RELATOR: Desembargador JÂNIO MACHADO


APELANTE: MARIA APARECIDA MATTOS DE JESUS (AUTOR) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)


RELATÓRIO


Maria Aparecida Mattos de Jesus ajuizou "ação declaratória de nulidade de desconto em folha de pagamento/ausência de efetivo proveito c/c indenização" contra Banco BMG S/A sob o fundamento de que não contratou empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável, a razão do pedido de declaração de inexistência da contratação e da reserva de margem consignável, além do pagamento por dano moral.
O juízo da Vara Única da comarca de Bom Retiro/SC declinou da competência para o juízo da Unidade Estadual de Direito Bancário/SC (evento 4). Acolhida a competência, a ilustre magistrada concedeu o benefício da justiça gratuita e determinou a emenda da petição inicial (evento 8). A instituição financeira compareceu espontaneamente e ofereceu contestação (evento 17), sobrevindo a impugnação (evento 19). Na sequência, a digna magistrada Karina Maliska Peiter julgou improcedentes os pedidos iniciais (artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil) (evento 22).
Irresignada, a mutuária interpôs recurso de apelação cível (evento 28) sustentando: a) a declaração de nulidade do pacto, com a sua readequação para empréstimo consignado; b) o direito à repetição do indébito em dobro; c) a reparação pelo abalo moral suportado e; d) a redistribuição do ônus da sucumbência.
Com a resposta (evento 30), os autos vieram a esta Corte

VOTO


Por meio do contrato de cartão de crédito consignado n. 47915570, datado de 30.5.2017, a instituição financeira efetuou a reserva de margem consignável no benefício previdenciário (evento 1, extrato 6) e a mutuária teve depositados em sua conta bancária, via TED (Transferência Eletrônica Disponível), os valores de R$1.198,90 em 2.6.2017 e R$834,34 em 27.1.2021, bem como teria solicitado a emissão de cartão de crédito e permitido o pagamento de faturas mediante consignação em folha de pagamento, não sendo especificado o percentual da margem consignável reservado à quitação de despesas do cartão de crédito (evento 17, contrato 2, outros 3, fls. 1/2).
O número de parcelas, seus valores e a data do vencimento não constam no pacto. Não há prova da utilização do cartão de crédito, verificando-se que os valores foram depositados em conta bancária, o que evidencia a provável intenção de contratar o empréstimo consignado. Registra-se: o objetivo da mutuária em obter apenas o depósito é reforçado pela gravação telefônica exibida pela instituição financeira (evento 17, contestação 1, fls. 18/19).
O débito da reserva de margem consignável e a cobrança de taxas de juros acima daquelas praticadas no mercado para operações de crédito consignado a beneficiários do INSS divulgadas pelo Banco Central (2,07% ao mês e 27,84% ao ano, referente ao mês de maio de 2017, enquanto a pactuada foi de 3,06% ao mês e 44,30% ao ano), são práticas consideradas abusivas, nos termos do artigo 39, incisos I, III e IV, do Código de Defesa do Consumidor.
Ao impor ao consumidor uma modalidade de crédito mais onerosa, a instituição financeira violou os deveres de informação, da lealdade contratual e da boa-fé objetiva (artigo 6º, incisos III, IV e V, do Código de Defesa do Consumidor), ônus do qual não está dispensada, por si só, pela indisponibilidade circunstancial de margem para o empréstimo consignado na época da contratação.
Logo, reconhecida a abusividade das cláusulas em desarmonia com a escolha do consumidor, segundo entendimento da Câmara, determina-se a conversão do contrato em empréstimo consignado (princípio da conservação do negócio jurídico, artigo 170 do Código Civil), com a compensação dos valores já descontados (apelação cível n. 5001339-76.2019.8.24.0040, relator o desembargador Rodolfo Tridapalli, j. em 22.4.2021).
E, mesmo diante da indisponibilidade de margem para empréstimo consignado, não se mostra possível a emissão de boleto e tampouco se justifica a necessidade de retorno das partes ao estado anterior, uma vez que, ao tempo da contratação, eventual esgotamento da margem era de conhecimento da instituição financeira, a quem é imputado o risco da atividade.
O dever de indenizar surge quando ficam demonstrados os requisitos bem especificados pelo artigo 186 do Código Civil: a) o comportamento culposo; b) a presença de um dano e; c) o nexo de causalidade.
A demonstração da culpa não é necessária, uma vez que a responsabilidade civil da instituição financeira, na qualidade de prestadora de serviços, é objetiva, conforme estabelece o artigo 14 da Lei n. 8.078, de 11.9.1990. A existência de descontos mensais indevidos em verba de caráter alimentar (benefício previdenciário) demonstra os danos relacionados diretamente à manutenção da vida do consumidor e de sua família. Portanto, o abalo moral decorrente da atitude lesiva da instituição financeira, no caso concreto, não é presumido, o que se afirma a partir da prova constante do processo, levando-se em conta as circunstâncias fáticas e específicas.
A mutuária é uma pessoa idosa e percebeu, no mês de abril de 2022, aposentadoria por invalidez previdenciária (no valor líquido de R$780,15) (evento 1, identidade 3, extrato 7). Recebe proteção especial do legislador constitucional pelas suas condições de consumidora (artigo 5º, inciso XXXII), idade avançada e invalidez (artigos 201, inciso I e 203, inciso I). Daí afirmar-se que a mutuária é uma pessoa hipervulnerável e, pois, merecedora de uma atenção especial pelo Judiciário.
No caso concreto, tem-se por suficiente e necessário o arbitramento de R$5.000,00 (cinco mil reais) a título de indenização por dano moral, estando preservados os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, com a incidência de correção monetária desde a data em que o valor foi mensurado (a partir do presente julgamento), adotando-se o INPC como fator de atualização e juros moratórios desde o evento danoso (10.7.2017, evento 17, outros 3, fl. 59) (súmula n. 54 do Superior Tribunal de Justiça).
Enfatiza-se: o dano moral assegurado em favor da mutuária tem origem no artigo 186 do Código Civil (responsabilidade civil extracontratual), o que permite afirmar-se o pleno atendimento à orientação contida no recurso especial n. 903.258, do Rio Grande do Sul, Quarta Turma, relatora a ministra Maria Isabel Gallotti, j. em 21.6.2011.
A aplicação da interpretação provisória proferida pelo Grupo de Câmaras de Direito Comercial desta Corte no Incidente de Demandas Repetitivas n. 5040370-24.2022.8.24.0000 fica prejudicada se isso é feito, de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT