Acórdão Nº 5000861-84.2020.8.24.0088 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 28-06-2022

Número do processo5000861-84.2020.8.24.0088
Data28 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5000861-84.2020.8.24.0088/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5000861-84.2020.8.24.0088/SC

RELATORA: Desembargadora REJANE ANDERSEN

APELANTE: JOAO MARIA COSTA (AUTOR) ADVOGADO: MONICA MELLA (OAB SC055977) ADVOGADO: JEAN CARLO CABRERA (OAB SC040682) APELADO: BANCO OLE CONSIGNADO S.A. (RÉU) ADVOGADO: EUGENIO COSTA FERREIRA DE MELO (OAB MG103082)

RELATÓRIO

João Maria Costa ajuizou "ação declaratória de nulidade de desconto em folha de pagamento/ausência do efetivo proveito c/c repetição de indébito e danos morais, com pedido de tutela provisória antecipada de urgência em caráter incidental" (RMC) em face de Banco Ole Consignado S.A., ao argumento de que, em síntese, está sofrendo descontos indevidos em seu benefício previdenciário, os quais são realizados a título de reserva de margem consignável oriunda de contrato de cartão de crédito que aduz ter sido contratado mediante um desvirtuamento da real operação de crédito que pretendia contratar.

Diante dessas circunstâncias, requereu, em suma: 1) a declaração de inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito com RMC; 2) a restituição do indébito em dobro; e, 3) a condenação da demandada ao pagamento de indenização por danos morais (evento 1).

Concedido o benefício da gratuidade da Justiça (evento 3).

Contestação apresentada (evento 9).

Réplica no evento 14.

Sobreveio sentença de mérito, com o seguinte dispositivo (evento 28):

Ante o exposto, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por João Maria Costa contra Banco Olé Consignado S.A.

Em consequência, revogo a tutela de urgência anteriormente deferida (ev.3).

Oficie-se o INSS acerca da decisão supra proferida.

Ante o princípio da sucumbência, condeno a parte demandante ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil. Anote-se, entretanto, que a exigibilidade das verbas fica suspensa em razão do benefício da gratuidade da justiça deferida, conforme prevê o art. 98, § 3º, do diploma processual civil.

[...] (grifo no original)

Irresignada, a parte requerente interpôs recurso de apelação (evento 34), no qual alegou o desconhecimento acerca dos termos da pactuação, a necessidade de autorização expressa (art. 3º, III, da Instrução Normativa INSS n. 28/2008 c/c n. 39/2009) para reserva de margem consignável e requereu: a) a declaração de inexistência de débito (Súmula n. 532 do STJ c/c arts. 6º, III, 14 e 39, IV, do CDC); b) a condenação da instituição financeira ré ao pagamento de indenização por danos morais (arts. 186 e 927 do CC) e à repetição do indébito dos valores descontados (R$ 2.363,70, dois mil trezentos e sessenta e três reais e setenta centavos); c) o prequestionamento da matéria (art. 5°, V e X, da CRFB/1988; arts. 6°,II, 14, 39, 42, 51, 52, do CDC; arts. 145, 147, 167, 168, 169, 171, 182, 186 e 927 do Código Civil; Instrução Normativa INSS/PRES n. 28, de 16 de maio de 2008).

Contrarrazões no evento 38.

É o relatório.

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto pela parte autora contra sentença que, no âmbito da presente "ação declaratória de nulidade de desconto em folha de pagamento/ausência do efetivo proveito c/c repetição de indébito e danos morais, com pedido de tutela provisória antecipada de urgência em caráter incidental" (RMC), julgou improcedentes os pleitos formulados na peça exordial.

Realizada a admissibilidade recursal, passa-se à análise das insurgências levadas ao duplo grau de jurisdição.

Legalidade do contrato firmado entre as partes

Sustenta a parte apelante que a sentença singular deve ser reformada para declarar a inexistência da contratação de empréstimo consignado via cartão de crédito, o qual originou os descontos a título de reserva de margem consignável, realizados no seu benefício previdenciário.

Para tanto, alega que sua intenção era apenas a de fazer um empréstimo consignado simples e jamais a de contratar cartão de crédito, o qual aduz nunca sequer ter utilizado ou desbloqueado. Argumenta, ainda, que a manutenção dos termos do contrato sub judice implicará em uma dívida vitalícia e impagável, a qual representa obrigação totalmente desproporcional ao consumidor.

Depreende-se, portanto, que a celeuma principal cinge-se na verificação da (i)legalidade da contratação de empréstimo de numerário, por meio de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) e, também, na averiguação da existência de eventual vício de consentimento em relação à referida contratação.

Compulsando detidamente o caderno processual, verifica-se, por incontroverso, que houve uma transação formalizada pelas partes para realização de empréstimo de dinheiro, o qual se consolidou por meio dos documentos "Termo de adesão ao cartão de crédito Bonsucesso" e "Autorização de saque complementar e aumento de limite", acostados no evento 24, anexo 2.

Entretanto, apesar de os referidos documentos possuírem a assinatura do recorrente, o contexto fático-probatório coligido nos autos revela uma ilicitude na referida contratação, a qual se materializa no fato de que a parte autora foi induzida a contratar o cartão de crédito em questão com o fim único e exclusivo de viabilizar uma operação financeira de mútuo, qual seja, o empréstimo na modalidade consignado, o qual lhe é disponibilizado em razão da sua condição de aposentado pelo Instituto Nacional de Seguro Social - INSS.

Oportunamente, cabe destacar que, conforme infere-se dos documentos acostados pela própria casa bancária, o cartão de crédito supostamente contratado jamais fora utilizado pela parte autora para fins de aquisição de produtos ou pagamento de serviços (eventos 9, extrato 2, e 24, anexo 2).

Doutro vértice, dessume-se dos autos que a instituição financeira recorrida sequer comprovou o envio ou a efetiva entrega do aludido cartão no endereço da parte autora, o que poderia ser facilmente provado por meio da apresentação de documento idôneo assinado pela parte requerente.

Sendo assim, tem-se por evidente que a pretensão da parte apelante era firmar, tão somente, o denominado "empréstimo consignado puro e simples", com parcelas fixas e preestabelecidas e não a de adquirir cartão de crédito que, conforme já salientado, não foi sequer utilizado para aquisição de produtos e serviços de consumo (fim específico de um cartão de crédito).

Com efeito: "O consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, acaba por aderir a um cartão de crédito, de onde é realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado [...]" (Tribunal de Justiça do Maranhão, Apelação Cível n. 043633, de São Luis, Rel. Cleones Carvalho Cunha). [...]" (Apelação Cível n. 0300673-62.2018.8.24.0092, da Capital, rel. Des. Robson Luz Varella, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 20-11-2018).

Tendo em vista os esclarecimentos alhures, é muito improvável que o consumidor submeter-se-ia a um contrato de cartão de crédito sem a intenção de fazer uso deste, simplesmente porque não o queria ou porque não saberia da sua finalidade. Ora, se a intenção da parte requerente era empréstimo de pecúnia, não haveria razão lógica para contratar um cartão de crédito com desconto de margem consignável apenas para esse fim específico.

De mais a mais, não é crível que a casa bancária demandada tenha prestado informações claras e adequadas sobre a viabilidade do recorrente formalizar contrato de empréstimo por outros meios (menos onerosos), destacando as diferenças dos custos e encargos. Fosse assim, não haveria dúvidas que o ora apelante iria utilizar-se do meio menos custoso, ou seja, o empréstimo consignado "simples", com juros reduzidos, números de prestações e, principalmente, com termo final.

Aliás, em consonância com a Instrução da Normativa INSS/PRES, n.100, de 28-12-2018, que alterou a Instrução Normativa do n. 28/2008, disciplinadoras da modalidade contratual sob enfoque (saque via cartão de crédito consignado), são necessários os seguintes requisitos:

"Art. 21-A Sem prejuízo das informações do art. 21, nas autorizações de descontos decorrentes da celebração de contratos de Cartão de Crédito com Reserva de Margem Consignável, o contrato firmado entre o beneficiário do INSS e a instituição consignatária deverá, obrigatoriamente, nos termos da decisão homologatória de acordo firmado na Ação Civil Pública n. 0106890-28.2015.4.01.3700, ser acompanhado de Termo de Consentimento Esclarecido - TCE, que constará de página única, reservada exclusivamente para tal documento, constituindo-se instrumento apartado de outros que formalizem a contratação do Cartão de Crédito Consignado, e conterá, necessariamente:

I - expressão "TERMO DE CONSENTIMENTO ESCLARECIDO DO CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO", inserida na parte superior do documento e com fonte em tamanho quatorze;I

I - abaixo da expressão referida no inciso I do 'caput', em fonte com tamanho onze, o texto: "Em cumprimento à sentença judicial proferida nos autos da Ação Civil Pública n. 106890-28.2015.4.01.3700, 3ª Vara Federal da Seção Judiciária de São Luís/MA, proposta pela Defensoria Pública da União";

III - nome completo, CPF e número do beneficio do cliente;

IV - logomarca da instituição financeira;

V - imagem em tamanho real do cartão de crédito contratado, ainda que com gravura meramente ilustrativa;

VI - necessariamente como última informação do documento, espaço para preenchimento de local, data e assinatura do cliente;

VII - as seguintes inscrições, todas registradas em fonte com tamanho doze e na ordem aqui apresentada:

a)"Contratei um Cartão de Crédito Consignado";

b)"Fui informado que a realização de saque mediante a utilização do meu limite do Cartão de Crédito...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT