Acórdão Nº 5000864-30.2023.8.24.0057 do Terceira Câmara Criminal, 11-04-2023

Número do processo5000864-30.2023.8.24.0057
Data11 Abril 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão










Recurso em Sentido Estrito Nº 5000864-30.2023.8.24.0057/SC



RELATOR: Desembargador ERNANI GUETTEN DE ALMEIDA


RECORRENTE: SEBASTIAO DE FARIAS (RECORRENTE) ADVOGADO(A): GREGOR GOEDERT DE OLIVEIRA (OAB SC037269) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (RECORRIDO)


RELATÓRIO


Na Comarca de Santo Amaro da Imperatriz, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia em face de Sebastião de Farias, com 50 (cinquenta) anos de idade, pela suposta prática da conduta criminosa disposta no art. 121, § 2º, II, III, IV e VI, do Código Penal, diante dos fatos assim narrados (evento 1):
Inicialmente, destaca-se que o enquadramento dos presentes fatos como violência doméstica e/ou familiar caracteriza-se pela incidência do disposto no art. 5º da Lei n. 11.340/06, porquanto o denunciado SEBASTIÃO DE FARIAS conviveu em união estável com a vítima Renata Josie Ramos.
Em circunstâncias de data e horário a serem melhores esclarecidas durante a instrução processual, mas com certeza próximo às 17h30min do dia 8 de novembro de 2021, no interior da residência localizada na Rua Francisco Assis Rech, s/n., bairro Sul do Rio, nesta cidade e comarca, o denunciado SEBASTIÃO DE FARIAS, de forma consciente e voluntária, com vontade homicida e prevalecendo-se de relação íntima de afeto, matou Renata Josie Ramos, sua excompanheira, mediante asfixia causada por esganadura, causando-lhe, por consequência, as lesões descritas no Laudo Pericial n. 2021.21.5878.21.001-661
Na oportunidade, o denunciado SEBASTIÃO DE FARIAS, inconformado com o término do relacionamento e porque teve conhecimento de que a vítima teria começado a frequentar bailes na cidade, dirigiu-se até a residência dela, que ficava no mesmo terreno que a sua, assim, devido a normalidade desta conduta e aproveitando-se disso, o denunciado entrou no local e asfixiou a ofendida Renata Josie Ramos, esganando-a com suas mãos, o que foi a causa de sua morte.
O crime foi cometido por motivo fútil, eis que em razão do inconformismo do denunciado com o fim do relacionamento existente entre as partes. O delito foi também praticado mediante dissimulação porquanto o denunciado, sem demonstrar qualquer inconformismo com o término do relacionamento, chegou no terreno no qual ficava sua casa e a da vítima, aproveitando-se da normalidade desta conduta, momento em que entrou na casa de Renata para concretizar seu propósito homicida.
Ainda, a prática delituosa foi cometida por meio que dificultou a defesa da ofendida, haja vista a disparidade de força entre autor e vítima, fica clara a impossibilidade ou dificuldade de defesa desta, agravada pelo fato de que modus operandi utilizado pelo denunciado a impediu de chamar por socorro.
Outrossim, o injusto penal também foi cometido por meio cruel, pois o denunciado asfixiou a vítima, mediante esganadura, causando-lhe intenso sofrimento. O crime contra Renata foi praticado em razão de sua condição de mullher e no contexto de violência doméstica, haja vista que o denunciado o praticou em razão de não aceitar o término do relacionamento existente entre as partes.
Sobreveio decisão interlocutória em que a peça acusatória oferecida em desfavor de Sebastião de Farias foi parcialmente admitida para pronunciá-lo, como incurso, em tese, nas sanções do art. 121, § 2º, I, III, IV e VI, do Código Penal, a fim de submetê-lo à julgamento perante o Tribunal do Júri. Ainda, negou-se o direito de recorrer em liberdade (evento 114).
A defesa de Sebastião de Farias interpôs recurso em sentido estrito evento 120). Em suas razões recursais (evento 125), requereu a impronúncia, absolvição sumária ou a desclassificação para outro crime não doloso contra a vida, ante a ausência do elemento subjetivo do tipo. Caso mantida a pronúncia, pugnou pela adequação da capitulação jurídica para a prevista no art. 121, § 1º, e pelo decote das qualificadoras do motivo torpe (CP, art. 121, § 2º, I), emprego de asfixia (CP, art. 121, § 2º, III), dissimulação, recurso que dificultou a defesa da ofendida (CP, art. 121, § 2º, IV) e do feminicídio (CP, art. 121, § 2º, VI). Por fim, requereu a concessão do direito de recorrer em liberdade.
Contrarrazões no evento 128.
Em juízo de retratação (CPP, art. 589), a decisão foi mantida.
Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Pedro Sérgio Steil, em que opinou pela conversão do feito em diligência a fim de que a genitora da vítima seja intimada da decisão de pronúncia (evento 8)

VOTO


O recurso preenche os requisitos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.
A defesa de Sebastião de Farias requer a impronúncia, absolvição sumária ou a desclassificação para outro crime não doloso contra a vida, ante a ausência do elemento subjetivo do tipo. Caso mantida a pronúncia, pugna pela adequação da capitulação jurídica para a prevista no art. 121, § 1º, e pelo decote das qualificadoras do motivo torpe (CP, art. 121, § 2º, I), emprego de asfixia, (CP, art. 121, § 2º, III), dissimulação e recurso que dificultou a defesa da ofendida (CP, art. 121, § 2º, IV) e do feminicídio (CP, art. 121, § 2º, VI).
No entanto sem razão.
Inicialmente, cumpre ressaltar que a decisão de pronúncia se traduz em um mero juízo de admissibilidade da peça acusatória, por meio do qual se restringe a analisar provas da materialidade e presença de indícios suficientes de autoria, a fim de remeter o processo a julgamento pelo Tribunal do Júri (CPP, art. 413). Logo, dispensa-se a cognição exauriente de todos os elementos de prova, encargo que incumbe ao Conselho de Sentença.
Nesse sentido, Renato Brasileiro de Lima (Manual de Processo Penal, 8ª ed., Salvador: Ed. Juspodivm, 2020, p. 1468) discorre que:
[...] a pronúncia encerra um juízo de admissibilidade da acusação de crime doloso contra a vida, permitindo o julgamento pelo Tribunal do Júri apenas quando houver alguma viabilidade de haver a condenação do acusado. Sobre ela, o art. 413 do CPP, dispõe que, estando convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, deve o juiz sumariante pronunciar o acusado fundamentadamente. Há um mero juízo de prelibação, por meio do qual o juiz admite ou rejeita a acusação, sem qualquer valoração acerca do mérito. Julga-se admissível o jus accusationis. Restringe-se à verificação da presença do fumus boni juris, admitindo todas as acusações que tenham ao menos probabilidade de procedência [...].
No entanto, caso os elementos colhidos nos autos não sejam suficientes a demonstrar a materialidade e a presença de elementos mínimos de autoria ou de participação, o agente deve ser impronunciado (CPP, art. 415), sem prejuízo de ser novamente denunciado se sobrevierem novas provas. Por outro lado, caso os elementos colhidos permitam a conclusão exauriente no sentido da inocorrência dos fatos, negativa de autoria, o fato não constituir infração penal ou que restou comprovada uma das causas excludentes de ilicitude ou de culpabilidade (CPP, art. 414), o agente deve ser absolvido sumariamente.
Por fim, caso se entenda pela ausência de elementos suficientes da materialidade e autoria do crime doloso contra a vida, proceder-se-á a declaração da incompetência do juízo (CPP, art. 419).
Pelo que se infere dos autos, no dia 8 de novembro de 2021, na rua Francisco Assis Rech, bairro Sul do Rio, na cidade de Santo Amaro da Imperatriz, o recorrente, prevalecendo-se da relação íntima de afeto que mantinha com Renata Josie Ramos, sua ex-companheira, e motivado, em tese, pelo inconformismo com o fim do relacionamento e em razão de ter tomado conhecimento de que ela passou a frequentar bailes, dirigiu-se até o endereço e, aproveitando-se da normalidade da conduta, já que morava no mesmo terreno, entrou na residência dela e a asfixiou mediante esganadura, ao impedir ou dificultar a sua possibilidade de defesa.
A materialidade delitiva emerge do Auto de Prisão em Flagrante (fl. 2 do evento 1 do inquérito policial), Boletim de Ocorrência (fls. 3-8 do evento 1 do inquérito policial), Auto de Apreensão (fl. 15 do evento 27 do inquérito policial), Laudos Periciais (eventos 43, 52 e 57 do inquérito policial) e dos depoimentos colhidos em ambas as fases da persecução penal.
Da mesma forma, os indícios de autoria e do elemento subjetivo do tipo também foram evidenciados.
O recorrente, no inquérito policial (evento 1 do inquérito policial), disse que não se recorda dos fatos. Narrou apenas que discutiram e ela partiu para cima. Discorreu que "deu no que deu". Relatou que a segurou pelo pescoço até consumar o homicídio. Em seguida, foi em 2 (dois) bares, conversou com Sr. Acir.
Em juízo, conforme resumido na decisão de pronúncia (evento 114), discorreu que:
[...] foi casado acha que uns 20 anos com a vítima. Revezava a medicação para depressão e o álcool. Teve sócio, perdeu dinheiro no negócio, e a depressão piorou, assim como a bebida. Até que separou, a primeira vez, 5 anos atrás. Conheceu outra pessoa e ficou com ela um ano e pouco. Também não deu certo. Relacionou-se com Renata novamente, mas não deu certo. Foram várias idas e vindas. Já não estavam juntos há meses. Sabia que Renata tinha caso com alguém; o depoente tinha companheira. Não tinha pretensão de voltar, estava bem com a namorada. A pessoa que estava namorando estava tentando fazer carteirinha para visitá-lo na cadeia, mas teve medo de perder benefício previdenciário. Tinha uma boa relação com a ex-companheira. Foi no baile com a namorada; viu Renata dançar com outro homem, o que já tinha visto, não viu beijar. Não teve ciúmes; depois de Renata teve 3 companheiras. Segunda foi trabalhar e estava se sentindo mal; resolveu tomar a medicação. Tem dias que ficava assim. Quando chegou perto do meio dia, teve uma discussão com um cliente pelo telefone e ficou ruim, e então saiu para tomar (bebida alcoólica);...

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