Acórdão Nº 5000900-82.2019.8.24.0002 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 31-05-2022

Número do processo5000900-82.2019.8.24.0002
Data31 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5000900-82.2019.8.24.0002/SC

RELATORA: Desembargadora REJANE ANDERSEN

APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU) ADVOGADO: ANDRÉ LUIS SONNTAG (OAB SC017910) APELADO: MARIO MASCARINE DE QUEIROS (AUTOR) ADVOGADO: GUILHERME JOSE BORSA (OAB SC036612)

RELATÓRIO

Mario Mascarine de Queiros ajuizou "ação declaratória de nulidade de desconto em folha de pagamento/ausência do efetivo proveito c/c repetição de indébito e danos morais com pedido de tutela provisória de urgência" (RMC) em desfavor de Banco BMG S/A, ao argumento de que está sofrendo descontos indevidos em seu benefício previdenciário, os quais são realizados a título de reserva de margem consignável oriunda de contrato de cartão de crédito que aduz ter sido contratado mediante um desvirtuamento da real operação de crédito que pretendia contratar.

Diante dessas circunstâncias, requereu: 1) a concessão de tutela de urgência para que a ré fosse proibida de reservar margem consignável e empréstimo sobre a RMC da parte autora; 2) a declaração de inexistência da contratação de empréstimo consignado via cartão de crédito diante da ausência de consentimento; 3) a repetição de indébito do descontado a título de reserva de margem consignável, em dobro; e 4) a condenação da parte demandada ao pagamento de indenização por danos morais (evento 1).

O pedido de tutela provisória de urgência foi deferido e o benefício da justiça gratuita restou concedido, em parte (evento 8).

Contestação (evento 14).

Réplica (evento 19).

Ato contínuo, sobreveio sentença da qual se extrai a seguinte parte dispositiva (evento 33):

"Ante o exposto, com resolução de mérito, julgo parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para:

1. Confirmar a tutela de urgência deferida no Evento n. 8;

2. Declarar a nulidade da modalidade contratual apresentada (contrato de cartão de crédito consignado) e, por consequência, determinar que as partes voltem ao status quo ante, devendo os valores depositados na conta bancária da parte autora, atualizados monetariamente pelo INPC serem compensados, na forma simples, com os valores descontados indevidamente pela instituição financeira a título de RMC, atualizados monetariamente pelo INPC e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, ambos a contar de cada desembolso;

3. Condenar a parte requerida a efetuar o pagamento em favor da parte autora, a título de danos morais, da quantia de R$ 5.000,00, acrescida de correção monetária pelo INPC a partir desta Sentença e de juros de mora de 1% ao mês a contar da data do primeiro desconto indicado nos autos, isto é, 30-12-2015 (Evento n. 1, Extrato 3).

4. Na forma do artigo 86, parágrafo único, do Código de Processo Civil, tendo em vista que a parte autora sucumbiu de parte mínima do pedido, condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e honorários de sucumbência, que fixo em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 85, § 2º do Código de Processo Civil. Advirta-se a parte sucumbente que o não pagamento das custas processuais ensejará em protesto e inscrição em dívida ativa.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Transitado em julgado e havendo pagamento voluntário da obrigação, intime-se a parte autora para, querendo, manifestar-se no prazo de 15 dias. Havendo concordância com o montante depositado, expeça-se o respectivo alvará em favor da parte autora.

Oportunamente, arquivem-se".

Irresignada com o decisum de primeiro grau, a instituição financeira ré apelou da decisão (evento 37), oportunidade em que alegou, em apertada síntese, que a sentença merece reforma, tendo em vista que ficou amplamente demonstrado que houve a contratação da operação de empréstimo mediante cartão de crédito, bem como ficou evidente a autorização do requerente em relação ao descontos efetuados a título de reserva de margem consignável.

Sustentou, ainda, que, no caso concreto, não há falar em indenização por danos morais, tampouco repetição do indébito. Por derradeiro, pugnou, de forma alternativa, pela minoração da indenização fixada pelo Juízo singular.

Sem contrarrazões.

É o relatório.

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto pela casa bancária requerida contra sentença que, no âmbito da presente ação, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na peça exordial.

Realizada a admissibilidade recursal, passa-se à análise das insurgências levadas ao duplo grau de jurisdição.

1 Legalidade do contrato firmado entre as partes

Alega a casa bancária apelante que a sentença singular deve ser reformada tendo em vista que ficou comprovado que o autor, ora apelado, realizou a contratação da operação de empréstimo consignado na modalidade "cartão de crédito consignado" e, por consectário, autorizou os descontos efetuados no seu benefício previdenciário a título de reserva de margem consignável. Sustenta, ademais, que a modalidade possui previsão legal e não deve ser considerada como modalidade abusiva.

Da análise detida dos autos em epígrafe, depreende-se que a celeuma principal cinge-se na verificação da (i)legalidade da contratação de empréstimo consignado, por meio de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) e, também, na averiguação da existência de eventual vício de consentimento em relação à referida contratação.

Compulsando detidamente o caderno processual verifica-se por incontroverso, que houve transação formalizada pelas partes para realização de empréstimo, o qual se consolidou por meio dos documentos denominados "Termo de Adesão Cartão de Crédito Consignado Banco BMG e Autorização para Desconto em Folha de Pagamento" e "Cédula de Crédito Bancário - Saque Mediante a Utilização do Cartão de Crédito Consignado Emitido pelo Banco BMG" (evento 14 - contrato 5).

Entretanto, o contexto fático-probatório coligido nos autos revela uma ilicitude na referida contratação, a qual se materializa no fato de que houve um desvirtuamento da real intenção do demandante que, ao que tudo indica, desejava apenas realizar um empréstimo de dinheiro, sem, contudo, adquirir/contratar qualquer cartão de crédito.

Oportunamente, cumpre destacar que apesar de ter tido ciência da contratação, constatou-se que o cartão de crédito, supostamente requerido, jamais fora utilizado pelo demandante para realizar a aquisição de produtos ou pagamento de serviços, conforme faturas juntadas pela própria casa bancária no evento 14 (fatura 6 e 7). Pelo contrário, os únicos lançamentos que constam nas mencionadas faturas são aqueles referentes à encargos e impostos oriundos da operação de mútuo firmada entre as partes.

Ademais, a instituição financeira recorrente sequer comprovou o envio ou a efetiva entrega do aludido cartão no endereço do recorrido, o que poderia ser facilmente provado por meio da apresentação de documento idôneo assinado pelo requerente.

Sendo assim, tem-se por evidente que a pretensão do autor, ora apelado, era firmar, tão somente, o denominado "empréstimo consignado puro e simples", com parcelas fixas e preestabelecidas e não a de adquirir cartão de crédito que, conforme já salientado, não foi sequer utilizado para aquisição de produtos e serviços de consumo (fim específico de um cartão de crédito).

Importante destacar, também, que diante das especificidades concernentes a quaestio ora debatida, torna-se imprescindível elucidar a diferença existente entre o empréstimo consignado simples e o empréstimo de numerário via cartão de crédito, o qual se dá por meio de reserva de margem consignável (RMC). A esse respeito, tem-se excerto extraído do voto proferido pelo eminente Desembargador Robson Luz Varella, nos autos da Apelação Cível n. 0301157-67.2017.8.24.0042, o qual esclarece as características e diferenças pertinentes as mencionadas operações financeiras.

Vejamos:

Sobre essas duas modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.asp).Já a jurisprudência esclarece que no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, coloca-se "à disposição do consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo. O consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, acaba por aderir a um cartão de crédito, de onde é realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado [...]" (Tribunal de Justiça do Maranhão, Apelação Cível n. 043633, de São Luis, Rel. Cleones Carvalho Cunha). [...]" (Apelação Cível n. 0300673-62.2018.8.24.0092, da Capital, rel. Des. Robson Luz Varella, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 20-11-2018).

Tendo em vista os esclarecimentos alhures, é muito improvável que o consumidor submeter-se-ia a um contrato de cartão de crédito sem a intenção de fazer uso deste...

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