Acórdão Nº 5000911-91.2019.8.24.0235 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 25-03-2021

Número do processo5000911-91.2019.8.24.0235
Data25 Março 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5000911-91.2019.8.24.0235/SC



RELATOR: Desembargador GUILHERME NUNES BORN


APELANTE: CAMILA APARECIDA DA SILVA (AUTOR) APELADO: BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A. (RÉU)


RELATÓRIO


1.1) Da inicial.
CAMILA APARECIDA DA SILVA ajuizou Ação de Revisão de Contrato em face do BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A., alegando em síntese, que firmou contrato de financiamento do veículo Honda NXR 160 Flex, a ser pago em 48 parcelas mensais de R$ 515,68.
Aduziu a ocorrência de onerosidade excessiva da obrigação, pois as cobranças ilegais e abusivas tornaram as prestações incertas e ilíquidas, e portanto, inexigíveis.
Diante desses fatos, requereu a concessão de antecipação de tutela, para consignar em juízo os valores incontroversos; determinar que o requerido se abstenha de inscrever o seu nome junto aos órgãos cadastrais de restrição de crédito; e mantê-lo na posse do bem.
Quanto ao mérito, pugnou pela: I) limitação dos juros remuneratórios à taxa média de mercado divulgada pelo BACEN à época da contratação; II) vedar a capitalização dos juros; III) afastar as tarifas administrativas; IV) afastar a cumulação da comissão de permanência com demais encargos de mora; V) afastar a cobrança do IOF; VI) afastar a cobrança de seguros vinculados ao contrato; VII) determinar a repetição de indébito dos valores pagos indevidamente, em dobro, determinando a compensação dos créditos/débitos.
Ao final, pugnou pela condenação do requerido ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios e a concessão da Justiça Gratuita.
Atribuiu valor à causa e juntou documentos (evento 1, docs. 2/9).
1.2) Da contestação.
Devidamente citado, o requerido apresentou resposta, na forma de contestação, sustentando, preliminarmente, a inépcia da inicial, a impugnação à gratuidade da justiça, a falta de interesse de agir, a ausência de pretensão resistida.
No mérito, a licitude do contrato, a legalidade dos juros, a possibilidade da capitalização de juros, a possibilidade da comissão de permanência na forma pactuada, a legalidade das tarifas administrativas, a impossibilidade da repetição de indébito, requerendo a improcedência dos pedidos iniciais, com a condenação da autora nas verbas sucumbenciais.
1.3) Do encadernamento processual.
Intimou-se a autora para comprovar a hipossuficiência alegada (evento 3), o que foi realizado no evento 6.
Em decisão (evento 8) foi deferido o pedido de concessão de Justiça Gratuita, bem como o pedido de antecipação de tutela.
O banco réu interpôs recurso de Agravo de Instrumento, tendo este relator negado provimento ao recurso (AI n. 5005023-95.2020.8.24.0000).
Impugnação à contestação ofertada (evento 33).
1.4) Da sentença.
Prestando a tutela jurisdicional, a Dra. Luisa Rinaldi Silvestri prolatou sentença resolutiva de mérito para julgar parcialmente procedente a pretensão inicial deduzida, para:
"[...] 4. Ante o exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por Camila Aparecida da Silva contra Banco Bradesco Financiamentos S/A, nos termos do artigo 487, inciso I do Código de Processo Civil, para, em consequência, revisar a Cédula de Crédito Bancário n. 2903752160 para:
a) Limitar a taxa de juros remuneratórios, minorando-os para 33,51% ao ano;
b) Determinar a restituição/compensação de valores eventualmente pagos a maior, em favor da parte autora, de forma simples, mediante apuração através de liquidação de sentença.
Tendo em vista a complexidade dos cálculos e por haver discordância do réu em relação aos já apresentados pela autora, postergo à fase de liquidação de sentença a apuração do montante devido, nos termos do artigo 509, inciso I, do Código de Processo Civil.
Ocorrendo sucumbência recíproca, condeno a parte autora ao pagamento de 50% (cinquenta por cento) das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados no total de R$ 2.000,00 (dois mil reais) nos termos do artigo 85, §2º e §8º, do Código de Processo Civil, ficando obrigado o réu ao pagamento dos demais 50% (cinquenta por cento)."
1.5) Dos embargos declaratórios e decisão
A autora opôs embargos declaratórios, os quais foram rejeitados (evento 50).
1.6) Dos recursos
1.6.1) Do banco réu
Inconformado com a prestação jurisdicional, a parte ré Banco Bradesco Financiamentos SA interpôs o presente recurso de Apelação Cível, aduzindo a legalidade dos juros remuneratórios pactuados. Ao final, pugna pelo provimento do recurso.
1.6.2) Da autora
A autora igualmente interpôs recurso de Apelação Cível, destacando a necessidade de que os juros remuneratórios sejam limitados em 22,30% ao ano, a vedação da capitalização de juros, a ilegalidade da tarifa de registro de contrato e da cobrança do IOF, requerendo a repetição de indébito em dobro.
Ao final, requereu o provimento do recurso.
1.7) Das contrarrazões
Contrarrazões aportadas no evento 62.
Este é o relatório

VOTO


2.1) Do objeto recursal.
Compulsando os anseios recursais, observa-se que o cerne da celeuma em comento está atrelado à análise dos juros remuneratórios, capitalização de juros, IOF, tarifa de registro do contrato, repetição de indébito.
2.2) Do juízo de admissibilidade.
Conheço dos recursos porque presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, eis que ofertados a tempo e modo, recolhido o devido preparo em relação ao recurso do banco réu e dispensado da autora, e evidenciados os objetos e as legitimações.
2.3) Do mérito
2.3.1) Juros Remuneratórios.
Sustenta a parte ré/apelante que os juros remuneratórios devem ser mantidos conforme pactuados, pois legais.
Já a parte autora/apelante requer sejam esses limitados em 22,30% ao ano.
Para facilitar o raciocínio a seguir estampado, convém registrar que é de conhecimento de todos os operadores jurídicos que o art. 192, § 3º da Constituição Federal, que outrora estabeleceu a limitação dos juros em 12% ao ano, restou revogado pela Emenda Constitucional n. 40 de 29/05/2003, ao argumento de que sua aplicabilidade estava condicionada à edição de legislação infraconstitucional.
É o que dispõe a Súmula 648 do STF e a Súmula Vinculante n. 07:
A norma do § 3º do art. 192 da Constituição, revogada pela EC 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de lei complementar.
Neste condão, tendo em vista a ausência de legislação específica a disciplinar a aplicabilidade dos juros remuneratórios no patamar de 12% ao ano, inconcebível sua incidência no caso em comento.
Em verdade, a limitação dos juros remuneratórios, frente a omissão constitucional e legislativa está pautada na existência ou não de índices que reflitam abusividade capaz de macular/afrontar o equilíbrio contratual e gerar uma onerosidade excessiva ao consumidor e consequentemente um enriquecimento do banco.
Por fim, convém contemplar na presente decisão a inaplicabilidade dos termos legais constantes do Decreto 22.626/33 frente as instituições financeiras. Inteligência encartada na Súmula n. 596 do Superior Tribunal Federal, in verbis:
As disposições do Decreto 22.626 de 1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o Sistema Financeiro Nacional.
Nesse sentido, colhe-se da jurisprudência:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. 1. CAPITALIZAÇÃO MENSAL PACTUADA.2. JUROS REMUNERATÓRIOS. LIMITAÇÃO EM 12% A.A. IMPOSSIBILIDADE.3. ABUSIVIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. SÚMULAS 5 E 7/STJ. 4. AGRAVO IMPROVIDO.1. As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/1933), razão pela qual a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade, devendo ser realizada uma aferição do desvio em relação à taxa média praticada no mercado.2. É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados após 31/3/2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada. A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada.3. Em relação à questão dos juros remuneratórios no contrato em questão, tendo o Tribunal de origem consignado que não havia abusividade nas taxas cobradas, não há como acolher a pretensão do recorrente no ponto, diante dos enunciados sumulares n. 5 e 7 desta Corte.4. Agravo interno a que se nega provimento.(AgInt no AgInt no AREsp 929.720/MS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/02/2017, DJe 01/03/2017)
Desta forma, pode-se concluir que a taxa de juros remuneratórios não sofre a limitação indicada no já revogado § 3º do art. 192 da Constituição...

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