Acórdão Nº 5000932-53.2020.8.24.0002 do Terceira Câmara de Direito Comercial, 22-09-2022

Número do processo5000932-53.2020.8.24.0002
Data22 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5000932-53.2020.8.24.0002/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5000932-53.2020.8.24.0002/SC

RELATOR: Desembargador GILBERTO GOMES DE OLIVEIRA

APELANTE: BANCO BRADESCO S.A. (RÉU) ADVOGADO: MURILO DEI SVALDI LAZZAROTTO (OAB SC024841) APELADO: TEREZA SIMA (AUTOR) ADVOGADO: ADILSON NARCISO (OAB SC032464)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo demandado, Banco Bradesco S.A., da sentença, proferida pelo Juízo de Direito da Unidade Estadual de Direito Bancário, Dr. Luiz Eduardo Ribeiro Freyesleben, que, nos autos da ação de revisão contratual (empréstimo pessoal) ajuizada por Tereza Sima, julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, nos seguintes termos:

Ante o exposto, julga-se procedente em parte o pedido para determinar a revisão do contrato discutido nesta demanda (n.º 0123365916186), observando-se as seguintes regras: a) reduzir a taxa dos juros remuneratórios à média de mercado em março de 2019 (1,88% a.m. e 25,08% a.a.); b) afastar a capitalização; e c) condenar a ré a restituir os montantes pagos a maior, na forma simples, acrescidos de juros moratórios de 1% ao mês, contados da citação (CC, artigos 405 e 406), e corrigidos monetariamente (INPC) a partir do desembolso, mediante apuração por cálculos aritméticos, a teor do art. 509, § 2º, do CPC/2015, autorizada a compensação.

Condena-se a parte ré ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em R$ 500,00 (quinhentos reais), a teor dos artigos 85, § 2º e § 8º, e 86, parágrafo único (sucumbência em parte mínima), do CPC, observados os critérios do grau de zelo do profissional, lugar da prestação do serviço, natureza e importância da causa, o trabalho realizado e o tempo exigido e o valor do empréstimo.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Oportunamente, arquivem-se.

Em suas razões recursais, o demandado sustentou as seguintes teses:

(a) a impossibilidade de revisão contratual;

(b) a validade dos juros remuneratórios;

(c) a legalidade da capitalização de juros; e

(d) a impossibilidade de restituição do indébito.

Por fim, pautou-se pelo provimento do recurso.

Ausentes contrarrazões.

É o relatório.

VOTO

I. Tempestividade e preparo recursal

Constata-se que o recurso de apelação é tempestivo e que o recolhimento do preparo recursal foi comprovado (evento 33).

II. Caso concreto

(a) revisão contratual

De plano, cumpre pontuar que o caso em tela guarda relação de consumo, nos termos da Súmula n. 297, editada pelo Superior Tribunal de Justiça, que assim dispõe: "o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".

Aqui, calha anotar que o microssistema consumerista se aplica ao caso, ainda que o destinatário final do serviço ou produto (art. 2º do CDC) seja pessoa jurídica, como é o caso dos autos, em razão da mitigação da teoria finalista, nos termos do entendimento fixado pelo Superior Tribunal de Justiça:

CONSUMIDOR. DEFINIÇÃO. ALCANCE. TEORIA FINALISTA. REGRA. MITIGAÇÃO. FINALISMO APROFUNDADO. CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. VULNERABILIDADE.

[...]

3. A jurisprudência do STJ, tomando por base o conceito de consumidor por equiparação previsto no art. 29 do CDC, tem evoluído para uma aplicação temperada da teoria finalista frente às pessoas jurídicas, num processo que a doutrina vem denominando finalismo aprofundado, consistente em se admitir que, em determinadas hipóteses, a pessoa jurídica adquirente de um produto ou serviço pode ser equiparada à condição de consumidora, por apresentar frente ao fornecedor alguma vulnerabilidade, que constitui o princípio-motor da política nacional das relações de consumo, premissa expressamente fixada no art. 4º, I, do CDC, que legitima toda a proteção conferida ao consumidor.

4. A doutrina tradicionalmente aponta a existência de três modalidades de vulne. [...] (RESP. n. 1195462/RJ. Relª Minª Nancy Andrghi, j. em 13.11.2012).

Chancelada aplicação do Código de Defesa do Consumidor à espécie, anota-se que o art. 6º, do aludido diploma legal, dispõe acerca dos direitos básicos do consumidor e, especificamente no inciso V, prevê a "modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas".

Adiante, o art. 51 do Código de Defesa do Consumidor versa acerca das cláusulas contratuais nulas de pleno direito, relativas ao fornecimento de produtos e serviços, especialmente aquelas que colocam o consumidor em posição de extrema desvantagem.

Vale destacar algumas hipóteses previstas nos incisos do referido artigo:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;

II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código;

III - transfiram responsabilidades a terceiros;

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

[...]

§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:

I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;

II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;

III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.

[...]

Como se vê, ressoa patente a possibilidade de revisão, pelo Poder Judiciário, das cláusulas contidas nos contatos que instrumentalizam as relações de consumo, especialmente com o fim de aniquilar as arbitrariedades comumente inseridas nos contratos de adesão, tal como nos contratos de natureza bancária.

De mais a mais, a revisão das cláusulas contratuais é permitida também sob à ótica do Código Civil, mormente em razão da incidência dos princípios da boa-fé objetiva (art. 422 do CC), da função social dos contratos e do dirigismo contratual (art. 421 do CC), os quais levam à mitigação da força exorbitante que se atribuía ao princípio do pacta sunt servanda, quando tais ajustes, visivelmente de longa duração, trazem em seu teor cláusulas com conteúdo abusivo, desproporcional ou, quiçá, ilegal, as quais implicam em onerosidade excessiva daquele que, por exemplo, contrai um financiamento ou crédito de instituição financeira, a qual detém melhores condições jurídicas e técnicas, obtém grandes ganhos.

Nestes termos, a possibilidade de revisão de contrato é clara - e pacífica na jurisprudência - e não fere o princípio da força obrigatória dos contratos, que é relativizado ante a aplicação de regras do microssistema de proteção ao consumidor e mesmos aquelas puramente civis, que têm o condão de afastar da pactuação eventuais iniquidades/abusividades.

(b) juros remuneratórios

Acerca da temática concernente à fixação de juros remuneratórios em contratos bancários, tal como a hipótese dos autos, a Súmula n. 382 do Superior Tribunal de Justiça assentou entendimento de que "a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade".

Ademais, no que tange à possibilidade...

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