Acórdão Nº 5000932-83.2021.8.24.0013 do Sexta Câmara de Direito Civil, 20-09-2022

Número do processo5000932-83.2021.8.24.0013
Data20 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSexta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5000932-83.2021.8.24.0013/SC

RELATOR: Desembargador ANDRÉ CARVALHO

APELANTE: PORTO SEGURO COMPANHIA DE SEGUROS GERAIS (RÉU) APELADO: DELCIR DAMO (AUTOR) APELADO: ELIANE PASIN (AUTOR)

RELATÓRIO

Adoto, por economia processual e em homenagem à sua completude, o relatório da sentença (evento 27), da lavra da e. Magistrada Paula Fabbris Pereira, in verbis:

Eliane Pasin e Delcir Damo ajuizaram demanda em face de Porto Seguro Companhia de Seguros Gerais, objetivando cobrar o valor da indenização prevista em apólice de seguro de vida firmada por seu falecido filho, Delcir Damo Júnior.A companhia seguradora, em contestação (ev. 18), argumentou o seguinte: (a) o cometimento de ato ilícito pelo segurado (crime de trânsito - dirigir embriagado) e o fato de tal ato ser considerado perigoso são hipóteses expressamente excluídas da cobertura da apólice, cuja autorização para exclusão decorre de lei; (b) a interpretação dos contratos de seguro deve ser restritiva; (c) a cláusula limitadora não é abusiva porque o prêmio pago é calculado de acordo com as coberturas oferecidas e em razão da maior ou menor possibilidade de ocorrência de sinistros dentro do grupo segurado, sendo que qualquer modificação nesse sistema geraria desequilíbrio entre as partes; (d) para a prática de atos ilícitos, jamais existiu cobertura securitária; (e) a cláusula de exclusão de risco foi redigida de forma clara e legível, de fácil entendimento e destacada das demais cláusulas, sendo de fácil acesso a todas as pessoas; (f) além de a conduta do segurado importar em exclusão da cobertura, também constitui agravamento de risco contratual que resulta em perda do direito, conforme estipulado nas condições gerais da apólice e no art. 768 do Código Civil; (g) caberia aos autores comprovarem que não há nexo entre a embriaguez e o acidente, o que não ocorreu; (h) a Súmula 620 do STJ é inaplicável; (i) indevido o pedido de reembolso das despesas de funeral em razão do ato ilícito cometido pelo segurado; (j) em eventual condenação, pugnou pela observância do capital segurado; (k) as cláusulas contratuais não são abusivas e o Código de Defesa do Consumidor deve ser cautelosamente aplicado; (l) descabida a inversão do ônus da prova. Requereu a produção de prova oral (depoimento pessoal do autor) e documental.Houve réplica, na qual o autor alegou o que segue: (a) a ilegalidade na conduta do segurado é irrelevante; (b) a Súmula 620 é perfeitamente aplicável ao caso; (c) as jurisprudências colacionadas pela seguradora dizem respeito à seguro de dano, não de vida; (d) os mesmos entendimentos devem ser aplicados ao pedido de reembolso das despesas de funeral; (e) indevida a limitação da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor e devida a inversão do ônus da prova. Reiterou demais argumentos e pugnou pela produção de prova oral (depoimento pessoal do réu) e documental.É o breve relato.Decido.

A parte dispositiva da sentença é do seguinte teor:

Ante o exposto, julgo procedentes os pedidos formulados na inicial, o que faço com fulcro no art. 487, inc. I, do Código de Processo Civil, para condenar a parte ré a pagar aos autores R$ 62.549,40 (sessenta e dois mil, quinhentos e quarenta e nove reais e quarenta centavos).O valor da condenação deverá ser corrigido pelo INPC desde a data da contratação e acrescido de juros de mora desde a citação (13/07/2021).Condeno o réu ao pagamento das despesas e de honorários advocatícios de 10% sobre o valor da condenação, observada eventual gratuidade e as isenções legais.Publique-se. Registre-se. Intimem-se.Após o trânsito em julgado, arquive-se.

Inconformada com a prestação jurisdicional entregue, a parte ré interpôs o presente recurso de Apelação Cível (evento 37), no qual pleiteia, inicialmente, o recebimento do reclamo em seu duplo efeito. No mérito, aduz que: a) resta incontroverso nos autos que o segurado conduzia o veículo sob influência de bebida alcóolica; b) a causa do acidente ter sido o estado etílico do condutor não se mostra irrelevante, uma vez que a mera condução de veículo em estado de embriaguez configura o agravamento do risco do contrato; c) não se desconhece o conteúdo da Súmula n. 620 do STJ, todavia é possível a discussão do caso concreto sob o viés do ato ilícito perpetrado pelo segurado; d) o Código de Trânsito Brasileiro, ao reputar como ato ilícito a condução de veículo sob influência de álcool, revogou tacitamente a Carta Circular SUSEP/DETEC/GAB n. 08/2007; e) sendo indubitável a irresponsabilidade do condutor, o pagamento da indenização securitária representa uma incongruência social; f) ao se compelir a seguradora a pagar capital ainda que comprovado o agravamento do risco, há a mácula da função social do contrato, bem como viola o disposto no art. 768, do Código Civil; g) caso se opere a manutenção da sentença, o termo inicial da correção monetária deverá ser a data de ajuizamento do feito, com aplicação da taxa SELIC.

Contrarrazões no evento 44.

É o relatório.

VOTO

Ab initio, no que tange à admissibilidade, contata-se que o apelo merece ser conhecido.

Como visto, trata-se de Apelação Cível interposta por Porto Seguro Companhia de Seguros Gerais, no bojo da presente "ação de cobrança de seguro de vida" movida por Delcir Damo e Eliane Pasin, perante o Juízo da Comarca de Campo Erê (Vara Única), que julgou procedentes os pedidos exordiais e condenou a parte ré ao pagamento de indenização aos autores no montante de R$ 62.549,40 (sessenta e dois mil quinhentos e quarenta e nove reais e quarenta centavos), devidamente corrigido.

Argumenta, em breve síntese, que a embriaguez do segurado está devidamente comprovada nos autos, e conduzir veículo automotor sob influência de álcool configura agravamento de risco, e por conseguinte, afasta o dever da seguradora em promover a indenização, consoante preceitua o art. 768, do CC.

Ademais, afirma que a mera condução de veículo após o consumo de bebida alcóolica representa o agravamento de risco, sendo irrelevante que o sinistro decorra do estado etílico.

Nessa toada, sustenta que, a despeito da Súmula n. 620 do STJ, revela-se plausível a discussão do caso concreto sob a perspectiva da prática de ato ilícito pelo segurado. Para tanto, defende que o Código de Trânsito Brasileiro confirma a ilicitude da conduta daquele que conduz veículo em estado etílico, portanto, há a revogação tácita do entendimento exarado na Carta Circular SUSEP/DETEC/GAB n. 08/2007.

Aduz ainda que o entendimento exarado pela Togada singular ao determinar a indenização decorrente do ato ilícito do segurado desvirtua a função social do contrato, da mesma forma que é uma incongruência social.

Razão, contudo, não lhe assiste.

Da análise do caderno processual constata-se ser incontroverso que Delcir Damo Junior figurava como titular da apólice de seguro de vida individual n. 16.1391.3510120, com vigência entre 13-2-2020 e 13-2-2021, que previa a cobertura de indenização para o caso de morte natural ou acidental, invalidez permanente total ou parcial por acidente e assistência funeral. Em 8-8-2020, o segurado veio a óbito em razão de acidente de trânsito, ocorrido enquanto conduzia seu veículo.

Visando o recebimento da correspondente indenização, os Autores, genitores do falecido, acionaram a Seguradora administrativamente. O pedido restou indeferido sob o fundamento de que o sinistro teria sido resultado de agravamento de risco ocasionado por conduta do próprio segurado, consistente em conduzir veículo automotor em estado de embriaguez alcoólica (evento 1, ofic10).

As condições gerais do Seguro assim dispunham sobre o tema (Evento 18, out7, fls. 10-11):

4. RISCOS EXCLUÍDOS[...]4.3 Também ficam excluídos os acidentes e/ou eventos ocorridos em consequência:[...]e) quaisquer consequências decorrentes de atos ilícitos dolosos praticados pelo Segurado, pelo beneficiário ou pelo representante de um ou de outro.[...]4.7 Sem prejuízo das exclusões anteriores, também estão excluídos quaisquer tipos de eventos decorrentes de agravamento de risco ocasionados intencionalmente pelo Segurado, situação em que este perderá o direito à cobertura do seguro, conforme disposto no artigo 768 do Código Civil.

De acordo com o art. 757, caput, do Código Civil, "pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados".

In casu, a sentença recorrida entendeu que, mesmo demonstrado que o estado de embriaguez do segurado causou o agravamento do risco, tal fato não desobriga a seguradora do pagamento da indenização porquanto trata-se de seguro de vida - cuja natureza da avença é incompatível com a almejada excludente.

O entendimento não comporta reparos.

Não obstante restar suficientemente demonstrado nos autos a embriaguez do segurado, com relação ao contrato de seguro de vida, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já se consolidou no sentido de que é vedada a exclusão de cobertura em casos deste jaez:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA. 1. SEGURO DE VIDA. ACIDENTE DE TRÂNSITO. NEGATIVA DE COBERTURA. ALEGAÇÃO DE AGRAVAMENTO DE RISCO. INGESTÃO DE BEBIDA ALCOÓLICA. EMBRIAGUEZ DO SEGURADO. INSUFICIÊNCIA. ENUNCIADO N. 620/STJ. REVISÃO. SÚMULAS 5 E 7/STJ. 2. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL PREJUDICADO. 3. CORREÇÃO MONETÁRIA. TERMO INICIAL. SÚMULA N. 632/STJ. SÚMULA 83/STJ. 4. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.1. A jurisprudência desta Corte Superior, firmada na Súmula 620/STJ, manifesta-se no sentido de que o consumo de bebida alcoólica, o estado de confusão mental e a utilização de substâncias tóxicas não afastam o dever da seguradora de repassar o pagamento do seguro de vida contratado.1.1. Desse modo, o acolhimento das teses recursais (acerca de ausência de agravamento do risco contratado ou da abusividade de cláusulas contratuais) não prescindiria da revisão de fatos, provas e de cláusulas contratuais, a fim de...

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