Acórdão Nº 5000953-89.2021.8.24.0003 do Quinta Câmara de Direito Público, 12-04-2022

Número do processo5000953-89.2021.8.24.0003
Data12 Abril 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5000953-89.2021.8.24.0003/SC

RELATOR: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA

APELANTE: MARLI TEREZINA FANI (IMPETRANTE) APELADO: MUNICÍPIO DE ANITA GARIBALDI-SC (INTERESSADO) INTERESSADO: PREFEITO - MUNICÍPIO DE ANITA GARIBALDI-SC - ANITA GARIBALDI (IMPETRADO)

RELATÓRIO

Marli Terezinha Fani impetrou mandado de segurança em relação a ato do Prefeito de Anita Garibaldi, consistente na edição do Decreto n. 2.951/2021, que suspendeu o pagamento de complementação de aposentadoria dos servidores municipais.

A ordem foi denegada.

A autora apela.

Defende que faz jus à complementação porque o art. 209, III, a, da Lei Municipal 1.013/1991 garante esse estipêndio. Há ilegalidade pois já recebia esses valores desde maio de 2020, mas - de maneira unilateral e sem a instauração de prévio processo administrativo - o pagamento foi suspenso em março de 2021 por meio da edição da Decreto 2.951/2021. Esse ato vai de encontro ao art. 5º, LV, da Constituição e à tese de repercussão geral definida pelo STF no Tema 138 (RE 594.296). Como o complemento salarial foi conferido por meio da Portaria 262/2020, a sua anulação deve ser igualmente precedida de regular procedimento administrativo, o que não foi observado.

Houve contrarrazões.

A Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso.

VOTO

1. A Administração goza da prerrogativa de anular seus próprios atos quando ilegais, mas isso não dispensa a instauração de procedimento administrativo que respeite os postulados da ampla de defesa e do contraditório (art. 5°, inc. LV, da CF), tanto menos em hipótese de que decorram efeitos evidentemente desfavoráveis ao destinatário.

Essa é a orientação do STF firmada no Tema 138, que referenda o que estava na Súmula 473:

EMENTA RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO ADMINISTRATIVO. EXERCÍCIO DO PODER DE AUTOTUTELA ESTATAL. REVISÃO DE CONTAGEM DE TEMPO DE SERVIÇO E DE QUINQUÊNIOS DE SERVIDORA PÚBLICA. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA.

1. Ao Estado é facultada a revogação de atos que repute ilegalmente praticados; porém, se de tais atos já decorreram efeitos concretos, seu desfazimento deve ser precedido de regular processo administrativo.

2. Ordem de revisão de contagem de tempo de serviço, de cancelamento de quinquênios e de devolução de valores tidos por indevidamente recebidos apenas pode ser imposta ao servidor depois de submetida a questão ao devido processo administrativo, em que se mostra de obrigatória observância o respeito ao princípio do contraditório e da ampla defesa.

3. Recurso extraordinário a que se nega provimento.

(RE 594296, rel. Min. Dias Toffoli)

Aqui, a servidora se aposentou pelo Regime Geral de Previdência Social em abril de 2018 (evento 1, DOC6, fl. 13), mas obteve, em maio de 2020, a complementação dos proventos por meio da Portaria 262/2020 (evento 1, DOC6, fl. 14). Em março de 2021 foi editado o Decreto 2.951, o qual, diante de nova orientação jurídica sobre o tema, suspendeu esses pagamentos (evento 1, DOC8). Não há demonstração, no entanto, de que essa revisão do ato administrativo tenha sido precedida de procedimento que garantisse o exercício do contraditório pela impetrante.

Esse cenário sugere, num primeiro momento, ilegalidade por desrespeito ao devido processo legal. Tenho, porém, que analisando o tema de fundo, é cabível uma acomodação no caso concreto, tendo em vista que, ainda que a providência prévia tivesse sido instaurada, o desfecho seria invariavelmente o mesmo: a cessação do pagamento.

Além do mais, a acionante apresentou a insurgência administrativa (evento 1, documentacao7) e poucos dias depois já estava em juízo.

É caso que permite então ver que se trasladou o debate extrajudicial para a esfera jurisdicional, que inclusive propiciou enveredamento quanto à questão de fundo, de sorte a derrogar prejuízo.

É que a ausência de previsão na legislação local amparando a complementação impede, de todo modo, a continuidade do pagamento e não há direito adquirido à percepção dessa vantagem, de sorte que a falta de prévio procedimento administrativo não acarretou prejuízo à defesa da servidora, tanto mais que pôde vir a juízo defender a manutenção daquele pagamento. Não é caso, por exemplo, em que se alega desconhecimento das razões que levaram à suspensão da complementação, o que afasta a caracterização do prejuízo necessário para que se possa determinar a nulidade do ato. Até porque, sendo possível analisar o próprio mérito da controvérsia, deve-se dar prevalência a esse viés decisório.

Prepondera, nesse caso, o princípio da legalidade (art. 37, caput, da CF) frente ao devido processo legal, na medida em que a instauração do procedimento administrativo seria ociosa pois a complementação estava sendo satisfeita ao arrepio da lei.

2. O Grupo de Câmaras de Direito Público deste Tribunal ao julgar o IRDR 0001986-53.2013.8.24.0013/50001 (Tema 14) firmou esta tese:

O servidor público aposentado pelo Regime Geral da Previdência Social, após a Emenda Constitucional n. 41/2003, ressalvada a hipótese de ter adquirido o direito à aposentação antes da vigência da respectiva emenda, somente tem direito à complementação dos proventos de aposentadoria mediante a existência de legislação local específica, respeitado o princípio da legalidade, o caráter...

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