Acórdão Nº 5000987-87.2019.8.24.0018 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 23-02-2021

Número do processo5000987-87.2019.8.24.0018
Data23 Fevereiro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5000987-87.2019.8.24.0018/SC



RELATORA: Desembargadora REJANE ANDERSEN


APELANTE: MARIA VIEIRA DE SOUZA (AUTOR) ADVOGADO: ADROALDO GERVASIO STURMER DA SILVEIRA (OAB RS034808) ADVOGADO: DANIEL RICARDO MAGGIONI (OAB SC019109) ADVOGADO: MATHEUS BIRK (OAB RS108086) APELADO: BANCO BMG SA (RÉU) ADVOGADO: CRISTIANA NEPOMUCENO DE SOUSA SOARES (OAB MG071885)


RELATÓRIO


Maria Vieira de Souza ajuizou ação de restituição de valores c/c com pleito de indenização por danos morais em face de Banco BMG S/A, ao argumento de que está sofrendo descontos indevidos em seu benefício previdenciário, os quais são realizados a título de reserva de margem consignável oriunda de contratação de cartão de crédito que aduz ter sido realizada mediante um desvirtuamento da real operação de crédito que pretendia contratar.
Diante dessas circunstâncias, a demandante requereu o acolhimento dos argumentos declinados na exordial e, consequentemente, o provimento integral de seus pleitos recursais.
Contestação apresentada no evento 13.
Réplica no evento 20.
Ato contínuo, sobreveio sentença de resolução do mérito (evento 22): da qual se extrai a seguinte parte dispositiva:
Por todo o exposto: I) com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTE o pedido; II) CONDENO o(a)(s) autor(a) ao pagamento do valor das custas, das despesas processuais e dos honorários advocatícios, estes arbitrados em 10% sobre o valor atualizado da causa (CPC, art. 85, § 2.º). Quanto ao(à)(s) autor(a), beneficiário(a)(s) da Justiça Gratuita (ev(s). 03), a cobrança dos encargos da sucumbência fica suspensa na forma da Lei (CPC, art. 98, §§ 2.º e 3.º). Publique-se. Registre-se. Intime(m)-se. Arquivem-se oportunamente.
Irresignado com o decisum de primeiro grau, a requerente apresentou recurso de apelação (evento 26) no qual aduziu, em síntese, que a sentença vergastada deve ser reformada para: a) reconhecer a ilegalidade do contrato de empréstimo consignado por meio de cartão de crédito e, por consectário, dos descontos realizados em seu benefício previdenciário a título de reserva de margem consignável (RMC); b) condenar a requerida ao pagamento de indenização por danos morais; c) determinar a repetição do indébito em dobro, nos termos do art. 42, do Código de Defesa do Consumidor. Ao final, pugnou pelo conhecimento e provimento do reclamo, bem como pela inversão dos ônus de sucumbência.
Contrarrazões no evento 32.
Por conseguinte, os autos ascenderam a esta Corte de Justiça.
É o relato do necessário

VOTO


Trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença que, no âmbito da presente ação de conhecimento, julgou improcedentes os pleitos formulados na peça exordial. Realizada a admissibilidade recursal, passa-se à análise das insurgências levadas ao duplo grau de jurisdição.
1 Legalidade do contrato firmado entre as partes
Sustenta o apelante que a sentença singular deve ser reformada para declarar a inexistência da contratação de empréstimo consignado via cartão de crédito, o qual originou os descontos a título de reserva de margem consignável, realizados no seu benefício previdenciário. Para tanto, alega que sua intenção era apenas a de fazer um empréstimo consignado simples e jamais a de contratar cartão de crédito, o qual aduz nunca sequer ter utilizado ou desbloqueado. Argumenta, ainda, que a manutenção dos termos do contrato sub judice implicará em uma dívida vitalícia e impagável, a qual representa obrigação totalmente desproporcional ao consumidor.
Depreende-se, portanto, que a celeuma principal cinge-se na verificação da (i)legalidade da contratação de empréstimo de numerário, por meio de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) e, também, na averiguação da existência de eventual vício de consentimento em relação à referida contratação.
Compulsando detidamente o caderno processual verifica-se por incontroverso, que houve uma transação formalizada pelas partes para realização de empréstimo de dinheiro, o qual se consolidou por meio do documento denominado "Termo de Adesão Cartão de Crédito Consignado Banco BMG e Autorização para desconto em folha de pagamento" (evento 13).
Entretanto, apesar do referido documento estar formalmente perfeito e possuir a assinatura do ora recorrente, o contexto fático-probatório coligido nos autos revela uma ilicitude na referida contratação, a qual se materializa no fato de que houve um desvirtuamento da real intenção da requerente que, ao que tudo indica, desejava apenas realizar um empréstimo de dinheiro, sem, contudo, adquirir/contratar qualquer cartão de crédito.
Oportunamente, cabe destacar que a casa bancária damandada não apresentou qualquer prova demonstrando que houve desbloqueio ou utilização do cartão de crédito. Ressalta-se, inclusive, que não houve sequer comprovação acerca do envio ou da efetiva entrega do aludido cartão no endereço da autora, o que poderia ser facilmente provado por meio da apresentação de documento idôneo assinado pela requerente.
Importante destacar, também, que diante das especificidades concernentes a quaestio ora debatida, torna-se imprescindível elucidar a diferença existente entre o empréstimo consignado simples e o empréstimo de numerário via cartão de crédito, o qual se dá por meio de reserva de margem consignável (RMC). A esse respeito, tem-se excerto extraído do voto proferido pelo eminente Desembargador Robson Luz Varella, nos autos da Apelação Cível n. 0301157-67.2017.8.24.0042, o qual esclarece as características e diferenças pertinentes as mencionadas operações financeiras. Vejamos:
"Sobre essas duas modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.Asp). Já a jurisprudência esclarece que no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, coloca-se "à disposição do consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo. O consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, acaba por aderir a um cartão de crédito, de onde é realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado [...]" (Tribunal de Justiça do Maranhão, Apelação Cível n. 043633, de São Luis, Rel. Cleones Carvalho Cunha). [...]" (Apelação Cível n. 0300673-62.2018.8.24.0092, da Capital, rel. Des. Robson Luz Varella, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 20-11-2018).
Tendo em vista os esclarecimentos alhures, é muito improvável que o consumidor submeter-se-ia a um contrato de cartão de crédito sem a intenção de fazer uso deste, simplesmente porque não o queria ou porque não saberia da sua finalidade. Ora, se a intenção da requerente era empréstimo de pecúnia, não haveria razão lógica para contratar um cartão de crédito com desconto de margem consignável apenas para esse fim específico.
De mais a mais, não é crível que a casa bancária demandada tenha prestado informações claras e adequadas sobre a viabilidade do requerente formalizar contrato de empréstimo por outros meios menos onersos), destacando as diferenças dos custos e encargos.
Logo, em que pese a parte autora ter lançado sua assinatura no documento mencionado, sobressai límpida a existência de mácula na manifestação de vontade deste (apelante), porquanto há fortes indícios de que a casa bancária requerida não prestou informações claras e adequadas acerca da modalidade contratual firmada entre as partes (empréstimo de dinheiro por meio de contratação de cartão de crédito), a qual é extremamente mais onerosa para o consumidor.
Diante destas constatações, revela-se evidente que a conduta perpetrada pela parte requerida afetou a boa-fé objetiva, a qual, sabidamente, torna inválido o negócio jurídico entabulado entre as partes.
A respeito da quaestio, tem-se o seguinte julgado deste Areópago:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA AUTORA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. BANCO RÉU QUE, VIOLANDO O DIREITO DE INFORMAÇÃO, INTERFERIU DIRETAMENTE NA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE DA CONSUMIDORA, ENSEJANDO NA ACEITAÇÃO DE CONTRATO INEVITAVELMENTE MAIS ONEROSO DENTRE OS DISPONÍVEIS. CONTRATO NULO. DANO MORAL EVIDENTE. ATENTADO CONTRA VERBA DE SUBSISTÊNCIA. JUROS DE MORA DA CITAÇÃO E CORREÇÃO MONETÁRIA DO ARBITRAMENTO. ÔNUS SUCUMBENCIAL INVERTIDO.
Quando se desvirtua ou se sonega o direito de informação, está-se agindo em sentido diametralmente oposto a boa-fé objetiva, ensejando, inclusive, a enganosidade. A informação deve ser clara, objetiva e precisa, pois, do contrário, equivale ao silêncio, vez que influi diretamente na manifestação de vontade do consumidor sobre determinado serviço ou produto - corolário da confiança que o consumidor deposita no fornecedor. O banco, ante as opções de modalidades de empréstimo ao consumidor, sem dotá-lo de informações sobre os produtos, fez incidir um contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, quando o interesse do consumidor era simplesmente obter um empréstimo, haja vista que o cartão de crédito nunca foi usado. [...]" (Apelação Cível n. 0301831-55.2018.8.24.0092, da Capital, rel. Des. Guilherme Nunes Born, Primeira Câmara de Direito Comercial, j. 13-12-2018).
Prosseguindo na análise...

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