Acórdão Nº 5000993-45.2019.8.24.0002 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 27-04-2021

Número do processo5000993-45.2019.8.24.0002
Data27 Abril 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5000993-45.2019.8.24.0002/SC

RELATOR: Desembargador ROBSON LUZ VARELLA

APELANTE: GELSON LUIS KIST (AUTOR) E OUTRO ADVOGADO: GUILHERME JOSE BORSA (OAB SC036612) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação cível interpostos por Banco Pan S.A. e Gelson Luis Kist contra sentença de parcial procedência (evento 32) da denominada ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito cumulada com restituição de indébito e indenização por danos morais, a qual foi prolatada nos seguintes termos:

Ante o exposto, com resolução de mérito, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para:

1. Confirmar a tutela de urgência anteriormente deferida;

1.1. Determinar a expedição de ofício ao INSS para que cesse os descontos do benefício previdenciário da parte autora;

2. Declarar a nulidade da modalidade contratual apresentada (contrato de cartão de crédito consignado) e, por consequência, determinar que as partes voltem ao status quo ante, devendo os valores depositados na conta bancária da parte autora, atualizados monetariamente pelo INPC serem compensados, na forma simples, com os valores descontados indevidamente pela instituição financeira a título de RMC, atualizados monetariamente pelo INPC e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, ambos a contar de cada desembolso;

3. Condenar a parte requerida a efetuar o pagamento em favor da parte autora, a título de danos morais, da quantia de R$ 5.000,00, acrescida de correção monetária pelo INPC a partir desta Sentença e de juros de mora de 1% ao mês a contar da data da inclusão dos descontos no benefício previdenciário da parte autora, qual seja, 14-12-2015;

4. Na forma do artigo 86, parágrafo único, do Código de Processo Civil, tendo em vista que a parte autora sucumbiu de parte mínima do pedido, condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e honorários de sucumbência, que fixo em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 85, § 2º do Código de Processo Civil. Advirta-se a parte sucumbente que o não pagamento das custas processuais ensejará em protesto e inscrição em dívida ativa.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Em suas razões recursais (evento 38), a casa bancária sustenta, em síntese, a legalidade do negócio jurídico celebrado entre as partes, ressaltando a inexistência de prova de que a apelada teria sido levada a erro, não se vislumbrando, assim, irregularidade que dê causa à anulação do instrumento. Assevera que, à época da pactuação, o recorrido já não tinha margem consignável em seus rendimentos, inviabilizando a contratação de empréstimo consignado, restando apenas a obtenção de crédito consignado através da adesão ao contrato de cartão de crédito com margem consignável. Diz que inexiste termo final a caracterizar dívida impagável, porquanto o débito é extinto com pagamento do débito, que se dá na data do vencimento da fatura, que constitui liberalidade da autora. Defende que o uso cartão fica constituído e provado pelo saque de valores. Também, afirma inexistir danos indenizáveis, requerendo, subsidiariamente, a minoração do "quantum". Ainda, discorre acerca do descabimento da restituição de valores, vislumbrando, em caso de manutenção do "decisum", que eventual importância disponibilizada à parte adversa sejam devolvidos ou compensados, e devidamente corrigidos monetariamente, sob pena de enriquecimento ilícito.

Por sua vez, o autor (evento 48) requer a majoração dos danos morais, bem como dos honorários advocatícios.

Foram apresentadas contrarrazões (evento 53).

Este é o relatório.

VOTO

Insurgem-se ambos os litigantes contra sentença de parcial procedência da ação declaratória de inexistência do contrato de cartão de crédito cumulada com repetição do indébito e indenização por danos morais.

Os pontos atacados nos apelos serão analisados separadamente com o objetivo de facilitar a compreensão.

Contratação via cartão de crédito consignado (irresignação da ré)

Relativamente ao tema, importa esclarecer que, durante o curso do processado, a parte autora defendeu a nulidade da contratação ajustada com a ré, sustentando ter sido vítima de fraude por esta ao adquirir cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), operação diversa e mais onerosa do que o contrato de empréstimo consignado, o qual acreditou efetivamente ter celebrado.

Consta do petitório inicial o relato a seguir reproduzido:

Não obstante, meses após a celebração dos empréstimos realizados, a parte autora notou que há um desconto diferente, denominado RMC. Desta forma, entrou em contato com a requerida para esclarecimento do ocorrido e só então foi informada que além do empréstimo consignado realizado normalmente, se tratava também de um empréstimo consignado pela modalidadecartão de crédito, quedeu origem àconstituição da reserva de margem consignável (RMC) e que desde então a empresa tem realizado a retenção de margem consignável no percentual de 5% sobre o valor de seu benefício. Ocorre, no entanto, que referidos serviços em momento algum foram solicitados ou contratados na forma que consta no extrato, já que a parte Autora apenas requereu e autorizou empréstimo consignado e não via cartão de crédito com Reserva de Margem Consignável. Em nenhum momento houve a intenção de contratação de cartão de crédito consignável, nem mesmo a informação pela ré a respeito da constituição da reserva de margem consignável (RMC), inclusive sobre o percentual a ser averbado.

No pronunciamento judicial atacado, o Magistrado de Primeiro Grau concluiu pela nulidade do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, determinando que os valores depositados na conta bancária do autor, atualizados monetariamente pelo INPC, sejam compensados, na forma simples, com os valores descontados indevidamente pelo banco a título de RMC, corrigidos pelo INPC e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, ambos a contar de cada desembolso.

Em seu reclamo, pretende a apelante a reforma do referido "decisum", a fim de que seja julgada improcedente a demanda, no que assevera, para tanto, a validade do contrato de cartão de crédito consignado, defendendo ter sido entabulado com anuência do demandante, a significar, em consequência, a licitude dos descontos efetuados no seu benefício previdenciário e a inviabilidade de restituição de valores.

Pois bem.

Sobre as modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.asp).

Ainda a respeito, esclarece a jurisprudência que, no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, "disponibiliza-se ao consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, j. em 14/5/2015, DJe 20/5/2015).

Nessa perspectiva, a concessão de crédito através dessas duas modalidades (empréstimo e cartão de crédito), mesmo na consignação, possui considerável distinção, especialmente em relação às taxas de juros e demais encargos, avistando-se maior onerosidade ao consumidor quando se vale do cartão de crédito em detrimento do empréstimo.

Isso se deve, por vezes, em razão de que "o consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, efetuou a contratação de um cartão de crédito, de onde foi realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, j. em 14/5/2015, DJe 20/5/2015).

Inclusive, é sabido que tal prática abusiva e ilegal difundiu-se, atingindo parcela significativa de aposentados e pensionistas, tendo como consequência o ajuizamento de diversas ações visando tutelar o direito dos consumidores coletivamente considerados a fim de reconhecer a nulidade dessa modalidade de desconto realizado a título de Reserva de Margem Consignável (RMC).

Acerca do "modus operandi" utilizado pelas casas bancárias, o Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon), da Defensoria Pública do Estado do Maranhão, para fins de ajuizamento de ação civil pública, bem descreveu como funciona a prática:

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