Acórdão Nº 5000993-96.2022.8.24.0048 do Segunda Câmara Criminal, 28-06-2022

Número do processo5000993-96.2022.8.24.0048
Data28 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5000993-96.2022.8.24.0048/SC

RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO

APELANTE: JARDEL ANTONIO ROSSI (ACUSADO) ADVOGADO: THIAGO ALLAN DA SILVA (OAB SC044376) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na Comarca de Balneário Piçarras, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Jardel Antônio Rossi, imputando-lhe a prática dos crimes previstos nos arts. 33, caput, da Lei 11.343/06 e 12 da Lei 10.826/03, nos seguintes termos:

Fato 1 - Do tráfico de drogas

Em 15 de fevereiro de 2022, por volta das 20 horas, no estacionamento do supermercado "Komprão", localizado na Rua Nossa Senhora da Paz, bairro Nossa Senhora da Paz, neste município e Comarca de Balneário Piçarras, o denunciado Jardel Antônio Rossi, com consciência e vontade dirigida para esta conduta delituosa, trazia consigo e guardava, para fim de comercialização 100 (cem) porções da droga popularmente conhecida como "cocaína", aferindo 1.650g (mil seiscentos e cinquenta gramas); 11 (onze) pedras da droga popularmente conhecida como "crack", aferindo 210g (duzentos e dez gramas); e 1 (uma) porção da droga popularmente conhecida como "maconha", aferindo 92g (noventa e dois), sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar.

Policiais Militares em patrulhamento ostensivo foram acionados pelos Setor de Inteligência para monitorar o veículo VW/Voyage, cor branca, de placas MJX9092, o qual era utilizado para a prática do tráfico de drogas. Localizado o automóvel acima descrito, procederam a abordagem do denunciado e a busca veicular, logrando êxito em localizar na posse dele 1 (uma) porção de "cocaína", aferindo, aproximadamente, 150g (cento e cinquenta) gramas.

Na sequência, os Milicianos deslocaram-se até a residência de Jardel Antônio, que franqueou as suas entradas, oportunidade em que foi encontrado o restante dos entorpecentes, além de 1 (uma) balança de precisão, 1 (um) caderno de anotações da contabilidade do tráfico, adesivos de "selo de qualidade da droga" e a quantia de R$ 590,00 (quinhentos e noventa reais) em espécie.

Fato 2 - Da posse irregular de arma de fogo de uso permitido e munições

Ato contínuo, em sua residência, localizada na Rua Cenira Barbosa Viana, 153, bairro Nossa Senhora de Fátima, município de Penha/SC, nesta Comarca de Balneário Piçarras, o denunciado Jardel Antônio Rossi, com consciência e vontade dirigida para esta conduta delituosa, possuía 1 (uma) pistola, modelo 938, calibre .380, marca Taurus, 54 (cinquenta e quatro) munições calibre .380, 7 (sete) munições calibre .38 e 2 (dois) carregadores calibre .380, marca Taurus, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar (Evento 1).

Concluída a instrução, o Doutor Juiz de Direito Luiz Carlos Vailati Júnior julgou procedente a exordial acusatória e condenou Jardel Antônio Rossi à pena de 5 anos de reclusão e à 1 ano de detenção, a ser cumprida em regime inicialmente semiaberto, e 510 dias-multa, pelo cometimento dos delitos previstos nos arts. 33, caput, da Lei 11.343/06 e 12 da Lei 10.826/03 (Evento 55).

Insatisfeito, Jardel Antônio Rossi deflagrou recurso de apelação.

Nas razões do inconformismo, invoca, preliminarmente, o reconhecimento da ilicitude da prova obtida mediante violação à garantia constitucional insculpida no art. 5º, XI, da Carta Magna, com a consequente decretação de sua absolvição, com fundamento no art. 386, II, do Código de Processo Penal.

No mérito, almeja o reconhecimento da minorante prevista no art. 33, § 4°, da Lei de Drogas em grau máximo, porque preenchidos os requisitos legais.

Ao final, requer a restituição do aparelho celular e do veículo que foram apreendidos (Evento 78).

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu contrarrazões pelo conhecimento e desprovimento do reclamo (Evento 81).

A Procuradoria de Justiça Criminal, em parecer lavrado pela Excelentíssima Procuradora de Justiça Jayne Abdala Bandeira, manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do apelo (Evento 6).

VOTO

O recurso preenche os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.

1. A pretensão do Apelante Jardel Antônio Rossi, de reconhecimento da ilicitude da prova obtida mediante violação à garantia constitucional insculpida no art. 5º, XI, da Carta Magna, não convence.

Não se desconhece que o Tribunal Pleno da Corte Constitucional, no julgamento do Recurso Extraordinário 603.616, decidiu que "a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados" (Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 5.11.15).

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça proferiu decisão paradigmática acerca do tema:

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. FLAGRANTE. DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. INGRESSO NO DOMICÍLIO. EXIGÊNCIA DE JUSTA CAUSA (FUNDADA SUSPEITA). CONSENTIMENTO DO MORADOR. REQUISITOS DE VALIDADE. ÔNUS ESTATAL DE COMPROVAR A VOLUNTARIEDADE DO CONSENTIMENTO. NECESSIDADE DE DOCUMENTAÇÃO E REGISTRO AUDIOVISUAL DA DILIGÊNCIA. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. PROVA NULA. ABSOLVIÇÃO. ORDEM CONCEDIDA. 1. O art. 5º, XI, da Constituição Federal consagrou o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, ao dispor que "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial". 1.1. A inviolabilidade de sua morada é uma das expressões do direito à intimidade do indivíduo, o qual, sozinho ou na companhia de seu grupo familiar, espera ter o seu espaço íntimo preservado contra devassas indiscriminadas e arbitrárias, perpetradas sem os cuidados e os limites que a excepcionalidade da ressalva a tal franquia constitucional exige. 1.2. O direito à inviolabilidade de domicílio, dada a sua magnitude e seu relevo, é salvaguardado em diversos catálogos constitucionais de direitos e garantias fundamentais. Célebre, a propósito, a exortação de Conde Chatham, ao dizer que: "O homem mais pobre pode em sua cabana desafiar todas as forças da Coroa. Pode ser frágil, seu telhado pode tremer, o vento pode soprar por ele, a tempestade pode entrar, a chuva pode entrar, mas o Rei da Inglaterra não pode entrar!" ("The poorest man may in his cottage bid defiance to all the forces of the Crown. It may be frail, its roof may shake, the wind may blow through it, the storm may enter, the rain may enter, but the King of England cannot enter!" William Pitt, Earl of Chatham. Speech, March 1763, in Lord Brougham Historical Sketches of Statesmen in the Time of George III First Series (1845) v. 1). 2. O ingresso regular em domicílio alheio, na linha de inúmeros precedentes dos Tribunais Superiores, depende, para sua validade e regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer, apenas quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência - cuja urgência em sua cessação demande ação imediata - é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio. 2.1. Somente o flagrante delito que traduza verdadeira urgência legitima o ingresso em domicílio alheio, como se infere da própria Lei de Drogas (L. 11.343/2006, art. 53, II) e da Lei 12.850/2013 (art. 8º), que autorizam o retardamento da atuação policial na investigação dos crimes de tráfico de entorpecentes, a denotar que nem sempre o caráter permanente do crime impõe sua interrupção imediata a fim de proteger bem jurídico e evitar danos; é dizer, mesmo diante de situação de flagrância delitiva, a maior segurança e a melhor instrumentalização da investigação - e, no que interessa a este caso, a proteção do direito à inviolabilidade do domicílio - justificam o retardo da cessação da prática delitiva. 2.2. A autorização judicial para a busca domiciliar, mediante mandado, é o caminho mais acertado a tomar, de sorte a se evitarem situações que possam, a depender das circunstâncias, comprometer a licitude da prova e, por sua vez, ensejar possível responsabilização administrativa, civil e penal do agente da segurança pública autor da ilegalidade, além, é claro, da anulação - amiúde irreversível - de todo o processo, em prejuízo da sociedade. 3. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral (Tema 280), a tese de que: "A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori" (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe 8/10/2010). Em conclusão a seu voto, o relator salientou que a interpretação jurisprudencial sobre o tema precisa evoluir, de sorte a trazer mais segurança tanto para os indivíduos sujeitos a tal medida invasiva quanto para os policiais, que deixariam de assumir o risco de cometer crime de invasão de domicílio ou de abuso de autoridade, principalmente quando a diligência não tiver alcançado o resultado esperado. 4. As circunstâncias que antecederem a violação do domicílio devem evidenciar, de modo satisfatório e objetivo, as fundadas razões que justifiquem tal diligência e a eventual prisão em flagrante do suspeito, as quais, portanto, não podem derivar de simples desconfiança policial, apoiada, v. g., em mera atitude "suspeita", ou na fuga do indivíduo em direção a sua casa diante de uma ronda ostensiva, comportamento que pode ser atribuído a vários motivos, não, necessariamente, o de estar o abordado portando ou...

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