Acórdão Nº 5001005-20.2019.8.24.0015 do Sexta Câmara de Direito Civil, 19-10-2021

Número do processo5001005-20.2019.8.24.0015
Data19 Outubro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSexta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5001005-20.2019.8.24.0015/SC

RELATOR: Desembargador ANDRÉ LUIZ DACOL

APELANTE: CLEITON JOSE DE SOUZA (AUTOR) ADVOGADO: MARCOS ANTONIO DE CARVALHO (OAB SC020890) ADVOGADO: GEORGE WEYNE VILAS BOAS REIS (OAB SC045378) ADVOGADO: PAULO SÉRGIO STOCKER (OAB SC019787) APELANTE: CELESC DISTRIBUIÇÃO S.A. (RÉU) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Em atenção aos princípios da celeridade e economia processuais, adota-se o relatório da sentença, transcrito na íntegra, por refletir com absoluta fidelidade o trâmite processual na origem:

CLEITON JOSE DE SOUZA ajuizou AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS contra a CELESC DISTRIBUIÇÃO S.A, visando reparação de danos materiais.

Sustenta que é pequeno produtor de fumo e que em datas de janeiro e fevereiro de 2019, ocorreram interrupções de energia elétrica, que perdurou por várias horas, e causou prejuízos às folhas que estavam em processo de secagem, comprometendo a produção.

Pela decisão inicial, deferida a justiça gratuita, e determinada a citação da demanda.

Citada, a demandada apresentou contestação.

Sustentou que: (a) o ônus da prova é do autor; ainda que concedida a inversão do ônus probatório - com o que se insurgiu; (b) no mérito: (b.1) a inexistência de comprovação dos danos materiais; (b.2) teceu considerações acerca do princípio da continuidade; (b.3) a inaplicabilidade do CDC ao caso; (b.4) que o caso não insere naqueles considerados de serviços essenciais; (b.5) a aplicação do princípio do Duty to Mitigate the loss - da boa-fé objetiva e o dever de mitigar o próprio dano, incumbindo ao fumicultor a aquisição de um gerador. Requereu diligências.

A parte autora ofertou impugnação à contestação.

Posteriormente, deferida a realização de perícia, e determinadas diligências.

A perícia aportou aos autos e as partes ofertaram impugnação.

A sentença (ev53, origem), decidiu da seguinte forma:

Ante o exposto, nos termos da fundamentação supra, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido deduzido pela parte autora - CLEITON JOSE DE SOUZA para CONDENAR a requerida CELESC DISTRIBUIÇÃO S.A. a lhe pagar, a título de indenização por danos materiais, o valor de R$ 32.177,90 (perda do fumo), bem assim ao reembolso parcial dos honorários do perito extrajudicial (R$ 1.200,00), corrigidos pelo INPC desde a data do prejuízo/desembolso até a data do efetivo pagamento, mais juros de mora de 1,00% (hum por cento) ao mês contados, estes, da citação.

Diante da sucumbência recíproca, condeno as partes ao pagamento das custas processuais, e de honorários do perito judicial, na proporção em que foram vencedoras/vencidas (CPC, art. 86), respondendo a parte autora pelo equivalente a 23% e a ré por 77%.

Fixo o percentual dos honorários advocatícios em 15,00% (quinze por cento) em favor do patrono das partes, forte no § 2º do artigo 85 do Código de Processo Civil; que incide sobre o valor da condenação, em favor do procurador da parte autora; e sobre a diferença da condenação com aquele reclamado na inicial, em favor do procurador da parte ré. Vedada a compensação (CPC, art. 85, § 16). Os valores deverão ser corrigidos pelo INPC a contar da data do arbitramento, e mais juros de mora de 1,00% (hum por cento) ao mês contados, estes, do trânsito em julgado (CPC, art. 85, § 16).

Revogo a gratuidade conferida à parte autora, pois a indenização, por si só, retira sua condição de hipossuficiente, aliada a situação de ter adiantado valores periciais (ao perito extrajudicial) em montante expressivo, e atenta ainda aos valores obtidos com a safra objeto destes autos [118.869,71 afora a indenização oriunda deste processo], apontando para capacidade financeira.

Irresignada, a parte autora interpôs recurso de apelação (ev60, origem). Afirmou, inicialmente, fazer jus ao benefício da gratuidade de justiça. No mérito, alegou que restou prejudicado em relação à fixação de honorários do subscritor do laudo técnico em valor inferior ao que realmente despendido. Ainda, insurgiu-se contra a exclusão dos gastos extras do montante indenizatório. Nesse viés, defendeu que os custos naquilo que cinge-se a mão de obra, reclassificação e lenha devem ser contabilizados para a totalidade da indenização, pois estão embutidos no preço final de venda, sobretudo diante da expressa previsão no laudo pericial judicial.

Postulou a reforma da sentença, para que lhe seja devolvido o benefício da gratuidade judiciária, com a majoração do quantum indenizatório para R$ 41.218,25, acrescidos dos devidos consectários legais. Ainda, requereu que seja majorado o valor devido a título de remuneração do profissional que elaborou o laudo técnico, acrescido de atualização monetária e juros moratórios legais, bem como seja a parte contrária condenada ao pagamento integral dos ônus sucumbenciais.

Inconformada, a ré também apelou (ev62, origem). Em suas razões recursais, sustentou, em suma, que: a) não há responsabilidade de sua parte em razão da ocorrência de caso fortuito ou força maior; b) cumpre adequadamente todas as metas estabelecidas pela ANEEL; c) a parte demandante deixou de declarar a carga instalada, ocasionando sobrecarga a rede; d) não existem provas quanto aos danos suportados pela parte postulante; e) o laudo pericial anexado à exordial é imprestável; f) o cálculo da indenização deve ser feito por meio da média da produção de fumo das safras anteriores e da safra reclamada. Ao final, caso mantida a condenação, requereu a sua minoração para 1/3 da perda ou, ainda a liquidação por arbitramento.

Contrarrazões apresentadas pelo demandante (ev69, origem).

A requerida apresentou contrarrazões no evento 71 da origem.

Vieram os autos conclusos.

VOTO

1. O conhecimento de um recurso demanda a conjugação dos diversos requisitos de admissibilidade (intrínsecos: cabimento, interesse recursal, legitimidade recursal, inexistência de fato extintivo do direito de recorrer; e extrínsecos: regularidade formal, tempestividade) previstos na lei, de forma implícita ou explícita.

Ab initio, cumpre analisar a dispensa do recolhimento do preparo recursal, em razão do pedido de concessão da gratuidade da justiça pela parte autora.

Cediço que, com as novas disposições processuais civis, advindas com a Lei n. 13.105/2015, restou consolidado o entendimento, antes aplicado por parte da jurisprudência, no sentido de que a declaração da pessoa natural, ao pleitear o benefício da gratuidade da justiça e declarar sua incapacidade financeira para custear as despesas do processo, goza de presunção juris tantum de veracidade.

Consequentemente, a benesse pode ser concedida com base na simples afirmação da parte acerca da carência de recursos, inclusive quando afirmada na própria petição de requerimento, salvo se evidenciado nos autos a falta dos pressupostos legais para tanto.

Extrai-se da norma processual:

Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso.

[...]

§ 2o O juiz somente poderá indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade, devendo, antes de indeferir o pedido, determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos.

§ 3o Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural.

Sobre o tema, leciona Cristiano Imhof:

O pedido de concessão da gratuidade da justiça somente poderá ser indeferido pelo juiz, caso existam nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a sua concessão. Além disso, antes de indeferir o pedido, o juiz deverá determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos. Nada obstante, cuidando-se de afirmação que possui presunção iuris tantum, pode o magistrado indeferir o pedido se não encontrar fundamentos que confirmem o estado de insuficiência do recurso do requerente (in: Novo Código de Processo Civil Comentado. 2. Ed. São Paulo: Booklaw, 2016, p 178).

No caso sub examine, a revogação do benefício da gratuidade da justiça ocorreu na sentença. Contudo, entendo, que diversamente do que restou decidido, além de não existirem elementos contrários à presunção de veracidade da declaração acostada aos autos (ev1 - decl3 - fl. 1, origem), os demais documentos acostados ao feito corroboram a alegação de hipossuficiência econômica vivida pelo demandante.

Destaca-se que o autor é agricultor de fumo, e consoante a declaração (ev1 - decl3 -fl. 1, origem), percebe anualmente o montante de R$ 20.000,00, constituindo a renda mensal per capita o valor de R$ 416,66, considerados todos os integrantes da família.

Além do mais, o autor afirma que não é proprietário de imóvel, e que a plantação se dá em terreno arrendado de seu pai. Ainda, relatou que possui apenas uma motocicleta Yamaha XT Terene, ano 2016, no valor aproximado de R$ 30.000,00, o que não derrui a presunção de insuficiência de recursos para fins de deferimento da benesse pretendida.

Na declaração de Joanir Tiburcio de Souza, genitor do requerente, consta que seu filho reside em imóvel de sua propriedade no município de Canoinhas-SC (ev1-compr5, fl. 2, origem), confirmando o narrado pelo autor.

Nesse cenário, entendo que os documentos acostados ao feito são capazes de conferir credibilidade à alegação de insuficiência financeira da parte demandante.

Isso porque, consoante entendimento deste Egrégio Tribunal de Justiça: "O direito ao benefício da assistência judiciária gratuita não requer seja o pleiteante miserável ou indigente nem que tenha ele de se desfazer de seu patrimônio para custear o processo. Basta que tenha que comprometer o sustento de sua família, até porque situação patrimonial não se confunde com situação financeira" (Ap. Cív. n. 2000.024476-7, rel. Des. Carlos Prudêncio). (TJSC, Agravo de Instrumento n. 2015.039240-4, de Braço do Norte, rel. Des. Vanderlei Romer, Terceira Câmara de Direito Público, j. 1/9/2015

No mais, a presente demanda visa o pagamento indenizatório pela parte ré em virtude...

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