Acórdão Nº 5001006-79.2020.8.24.0076 do Quarta Câmara de Direito Comercial, 21-06-2022

Número do processo5001006-79.2020.8.24.0076
Data21 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5001006-79.2020.8.24.0076/SC

RELATOR: Desembargador JOSÉ CARLOS CARSTENS KOHLER

APELANTE: ERASMO DE MELO (AUTOR) APELANTE: BV FINANCEIRA SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trato de Apelação Cíveis interpostas por Erasmo de Melo (evento 48, anexo 1, do primeiro grau) e por BV Financeira S.A. (evento 61, anexo 1, do primeiro grau) contra a sentença prolatada pelo Magistrado oficiante na Vara Única da Comarca de Turvo - doutor Manoel Donisete de Souza - nos autos da ação revisional ajuizada pelo primeiro em face do segundo, que julgou parcialmente procedentes os pedidos deduzidos na exordial nos seguintes termos:

III. DISPOSITIVO.

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos narrados na inicial, o que faço com força no art.487,I, do Código de Processo Civil, para:

a) reduzir a taxa de juros remuneratórios a 1,63% e a de juros de mora a 1% ao mês;

b) reconhecer como válida a taxa de cadastro, a taxa de avaliação e o IOF, porém devem ser afastadas as cláusulas de registro de contrato e o seguro prestamista.

c) a repetição de indébito deve ocorrer na forma simples.

Considerando a sucumbência reciproca, condeno as partes ao pagamento das custas e honorários, que fixo em 10% cada, sobre o valor da causa, suspensa a exigibilidade em relação a parte Autora, diante do benefício da gratuidade judiciária agora deferido.

(evento 39 do primeiro grau).

Houve a oposição pela Instituição Financeira de Embargos de Declaração (evento 43, anexo 1, do primeiro grau), os quais foram rejeitados (evento 53, anexo 1, do primeiro grau).

Em suas razões recursais, o Autor defende, em síntese, que: (a) "a capitalização de juros em operações realizadas por instituições financeiras somente é admissível se houver cláusula expressa e clara incumbindo ao credor demonstrar a sua existência"; (b) "as cláusulas do contrato (...), as quais preveem a cobrança de Tarifa de Cadastro no valor de R$ 659,00 (seiscentos e cinquenta e nove reais), Tarifa de Avaliação do Bem no valor de R$ 435,00 (quatrocentos e trinta e cinco reais), Cap. Parc. Premiável no valor de R$ 315,05 (trezentos e quinze reais e cinco centavos), são nulas de pleno direito, tendo em vista que são completamente abusivas e estão em desacordo com as normas e princípios que regem o Código de Defesa do Consumidor"; (c) "não houve manifestação acerca do Seguro Auto RCF de modo que, por amor ao debate, requer-se, também, seja declarado nulo, ante a abusividade"; (d) "diante a má-fé da Instituição Ré em não permitir à possibilidade do pagamento do IOF à vista, requer a devolução em dobro dos valores cobrados à maior"; (e) "as quantias pagas indevidamente pelo consumidor deverão ser restituídas em dobro, e devidamente atualizadas segundo índices de correção monetária e juros legais desde a sua cobrança até o efetivo pagamento"; e (f) "seja totalmente provido para reformar parcialmente a sentença recorrida nos termos requerido, com a condenação do apelado ao pagamento das custas e honorários".

A seu turno, a Ré argumenta, em suma, que: (a) "é garantido a possibilidade de registro e pagamento diretamente pelo cliente junto ao prestador de serviço credenciado pelo órgão de trânsito, não restando dúvidas quanto à legalidade da cobrança e sua necessidade intrínseca"; (b) "haja vista o Autor não ter sido compelido a contratar o seguro, bem como a contratação do mesmo ter ocorrido por sua livre e espontânea vontade e em separado ao instrumento de contrato de financiamento, requer-se a reforma da r. sentença"; (c) "a taxa de juros pactuada está de acordo com a média apurada pelo Banco Central, demonstrando inexistir qualquer tipo de ilegalidade ou abusividade no contrato"; e (d) "a r. sentença reduziu a taxa de cobrança de juros moratórios para 1% (...) contudo, não há ilegalidade na sua cobrança desde que respeitem os limites legais, sendo a cobrança, inclusive, cumulável com a cláusula penal e os juros remuneratórios".

Empós, com a apresentação das contrarrazões do Requerente (evento 69, anexo 1, do primeiro grau), os autos ascenderam a este grau de jurisdição e foram redistribuídos para esta relatoria por sorteio.

É o necessário escorço.

VOTO

Primeiramente, conheço dos Recursos porque satisfeitos os requisitos de admissibilidade.

Esclareço, por oportuno, que a decisão recorrida se subsome ao regramento processual contido no Novo Código de Processo Civil, porquanto a publicidade do comando judicial prolatado pelo Estado-Juiz de origem se deu em 26-11-21, posterior à vigência do CPC/15.

1 Do Recurso do Autor

1.1 Da suscitada ilegalidade do anatocismo

O Recorrente requer seja reconhecida a ilegalidade da capitalização dos juros.

A sorte não lhe abraça.

Ab initio é preciso enfatizar que o caso concreto diz respeito à Cédula de Crédito Bancário, tornando indispensável trazer à baila a Lei n. 10.931/04, que, em seu inciso I do § 1º do art. 28, encarta a seguinte regra:

§ 1º Na Cédula de Crédito Bancário poderão ser pactuados:I - os juros sobre a dívida, capitalizados ou não, os critérios de sua incidência e, se for o caso, a periodicidade de sua capitalização, bem como as despesas e os demais encargos decorrentes da obrigação.

Além da legislação específica, acerca do tema também há posicionamento proclamado pela "Corte da Cidadania", em sede de julgamento repetitivo no REsp n. 973.827/RS, de relatoria da Ministra Maria Isabel Gallotti, j. em 8-5-12, com o seguinte teor:

3. Teses para os efeitos do art. 543-C do CPC:- 'É permitida a capitalização dos juros com periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada.'- 'A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada'.

A leitura tanto da Lei n. 10.931/04 quanto do aludido julgamento repetitivo permite concluir há possibilidade de cobrança da capitalização, considerando-se estar expressamente avençada a cobrança do anatocismo quando verificado que a taxa de juros anual é superior ao duodécuplo da taxa mensal.

Vale ainda ressaltar que qualquer alegação acerca da constitucionalidade da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP n. 2.170-36/2001) cai por terra frente à adoção do posicionamento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça, não se devendo perder de vista que a controvertida constitucionalidade está sob o enfoque do Excelso Pretório.

In casu, esmiuçado o negócio particular firmado entre as Partes, vislumbro o enquadramento aos ditames da lei e do posicionamento suso apontado, porquanto presente indicação dos percentuais mensal e anual dos juros remuneratórios, devendo ser considerada, portanto, expressa a previsão de estipulação do cômputo exponencial de juros - evento 1, anexo 8, fl. 3, cláusulas 5.1 e 5.2, do primeiro grau.

Dessarte, não sendo verificada a abusividade da cobrança do anatocismo em qualquer período, a sentença profligada permanece intangível sobre o tema.

1.2 Da suscitada ilegalidade da tarifa de cadastro

Defende o Apelante que a cobrança da aludida tarifa é abusiva.

O Reclamo merece agasalho.

Acerca do assunto, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 566 que preconiza in verbis: "Nos contratos bancários posteriores ao início da vigência da Resolução-CMN n. 3.518/2007, em 30/4/2008, pode ser cobrada a tarifa de cadastro no início do relacionamento entre o consumidor e a instituição financeira".

Com se vê em relação à tarifa de cadastro, sua cobrança é autorizada pelo Superior Tribunal de Justiça desde que exigida no início do relacionamento entre o consumidor e a instituição financeira e de forma não cumulativa.

Porém, verifico dos elementos carreados no feito que a Instituição de Crédito não fez qualquer prova - quando o ônus lhe competia (art. 373, inciso II, do NCPC) - de que o encargo foi exigido apenas no início do relacionamento com o Apelante, até porque não se tem a certeza necessária de que esta foi a única operação financeira entabulada entre as Partes.

E não se diga que a prova desta circunstância competiria ao Consumidor, uma vez que inviável ele fazer prova negativa de que não havia contratado anteriormente com o Banco.

Destarte, tendo em vista que o Banco exigiu do Réu a quantia de R$ 659,00 (seiscentos e cinquenta e nove reais), a título de "tarifa de cadastro" (evento 1, anexo 8, fl. 3, cláusula 5.5, do primeiro grau), tem-se que, em obediência à orientação sumulada pelo STJ, a cobrança do referido encargo deve ser coibida.

Logo, reformo a sentença nesse ponto.

1.3 Da verberada ilegalidade da tarifa de avaliação do bem

Em relação à tarifa de avaliação do bem, o Superior Tribunal de Justiça, nos autos do REsp n. 1.578.533/SP, editou a Tese 958, cuja ementa do julgamento restou assim redigida:

RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. TEMA 958/STJ. DIREITO BANCÁRIO. COBRANÇA POR SERVIÇOS DE TERCEIROS, REGISTRO DO CONTRATO E AVALIAÇÃO DO BEM. PREVALÊNCIA DAS NORMAS DO DIREITO DO CONSUMIDOR SOBRE A REGULAÇÃO BANCÁRIA. EXISTÊNCIA DE NORMA REGULAMENTAR VEDANDO A COBRANÇA A TÍTULO DE COMISSÃO DO CORRESPONDENTE BANCÁRIO. DISTINÇÃO ENTRE O CORRESPONDENTE E O TERCEIRO. DESCABIMENTO DA COBRANÇA POR SERVIÇOS NÃO EFETIVAMENTE PRESTADOS. POSSIBILIDADE DE CONTROLE DA ABUSIVIDADE DE TARIFAS E DESPESAS EM CADA CASO CONCRETO. 1. DELIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA: Contratos bancários celebrados a partir de 30/04/2008, com instituições financeiras ou equiparadas, seja diretamente, seja por intermédio de correspondente bancário, no âmbito das relações de consumo. 2. TESES FIXADAS PARA OS FINS DO ART. 1.040 DO CPC/2015: 2.1. Abusividade da cláusula que prevê a cobrança de ressarcimento de serviços prestados por terceiros, sem a especificação do serviço a ser efetivamente prestado; 2.2. Abusividade da cláusula que...

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