Acórdão Nº 5001014-41.2019.8.24.0060 do Quinta Câmara de Direito Comercial, 27-04-2023

Número do processo5001014-41.2019.8.24.0060
Data27 Abril 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5001014-41.2019.8.24.0060/SC



RELATORA: Desembargadora SORAYA NUNES LINS


APELANTE: IRINEU ALVES CARVALHO (AUTOR) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)


RELATÓRIO


Em atenção aos princípios da economia e celeridade processual, adoto o relatório da sentença (evento 56, SENT1):
IRINEU ALVES CARVALHO ajuizou ação ordinária em face de BANCO BMG S.A, na qual objetiva a declaração de ilegalidade de contratação bancária, sem prejuízo à composição civil de danos morais. Esclareceu que recebe proventos de aposentadoria pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), e, que embora tenha contratado empréstimos consignados, jamais anuiu à contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC). Nesta linha, adversou a regularidade da avença, mormente à luz da violação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e da Instrução Normativa n. 39/09 do INSS. Daí o argumento de abusividade na contratação, a impor tanto a sua anulação quanto a composição civil de danos de fundo moral. Nestes termos, bateu-se pela procedência dos pedidos.
O Juízo indeferiu os benefícios da gratuidade da justiça, sendo a decisão reformada após a interposição e processamento de agravo de instrumento. A peça exordial foi recebida, sendo determinada a citação da parte adversa.
A demandada ofertou contestação, arguindo, preliminarmente, a inépcia da petição inicial, a falta de interesse de agir, Julgamento Paradigma - Turma de Uniformização e a inexistência da margem de contratação do empréstimo. No mérito, defendeu a regularidade da contratação bancária, pontuando o respeito aos direitos consumeristas, mormente o de informação. No ponto, argumentou que a parte demandante tinha ciência de que se tratava de contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável e da possibilidade a sua liquidação mensal integral ou por pagamento mínimo. Igualmente, argumentou que observou todas as cautelas exigíveis na espécie, inclusive o respectivo regramento legal. Á égide desta linha de argumentação, pugnou pela improcedência dos pedidos.
A réplica veio, oportunidade na qual o consumidor combateu as teses esgrimidas em sede de contestação e renovou as ventiladas na peça exordial (Evento 38).
É o relatório. DECIDO.
A parte dispositiva da sentença restou redigida nos seguintes termos (evento 56, SENT1):
Isto posto e pelo mais que dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTES, com arrimo no artigo 487, caput e inciso I do CPC/15, os pedidos deduzidos por IRINEU ALVES CARVALHO em face de BANCO BMG S.A.
Por corolário dos princípios da causalidade e da sucumbência, condeno a demandante no pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios que fixo em R$ 1.500,00, observada a gratuidade da justiça, mercê da dicção conjunta dos artigos 82, 85, caput, §1º e 8º e 98, §3º do CPC/15.
Registre-se. Publique-se. Intimem-se.
Certificado o trânsito em julgado e observadas as formalidades legais, arquivem-se os autos definitivamente, com as devidas anotações.
Inconformada com a prestação jurisdicional, a parte autora interpôs recurso de apelação (evento 61, APELAÇÃO1), no qual objetiva, em síntese: a) a declaraçãoda inexistência da contratação do cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC); b) a restituição em dobro dos valores indevidamente descontados; e c) a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
Intimado, o apelado apresentou contrarrazões (evento 64, CONTRAZ1).
Após, com os autos em grau recursal, sobreveio petição da casa bancária para requerer a aplicação de tese provisória fixada no IRDR n. 5040370-24.2022.8.24.0000, desta Corte, de modo a afastar a fixação de indenização por danos morais in re ipsa (evento 9, PET1).
Após, vieram os autos conclusos.
Este é o relatório

VOTO


Cuida-se de recurso de apelação cível interposto por IRINEU ALVES CARVALHO contra a sentença prolatada pelo Juízo da Vara Única da Comarca de São Domingos que, nos autos da "ação declaratória de inexistência de débito e nulidade contratual c/c restituição de valores, e indenização por danos morais", julgou improcedentes os pedidos exordiais.
Presentes os requisitos de admissibilidade, passa-se à análise da quaestio.
1. Contrato de cartão de crédito consignado com margem consignável
No caso em análise, denota-se da narrativa inicial que a parte autora pretendia firmar contrato de empréstimo consignado com o Banco réu mediante descontos mensais em seu benefício previdenciário. Entretanto, foi-lhe concedido cartão de crédito consignado, por meio do qual foram promovidos descontos, a título de reserva de margem consignável (RMC), os quais são indevidos, pois não autorizados.
Inicialmente, cumpre registrar que se trata induvidosamente de relação de consumo, sujeita à aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor, com a inversão do ônus da prova para a facilitação dos direitos da parte autora, uma vez que configurada a hipossuficiência técnica e financeira em relação à instituição financeira (art. 6º VIII, CDC).
In casu, compulsando os autos, extrai-se da documentação acostada que o autor firmou, em 07.12.2015, com o banco a "Termo de Adesão Cartão Crédito Consignado Emitido pelo Banco BMG e Autorização para Desconto em Folha", sob o n. adesão 40581916 (evento 7, CONTR2).
Ademais, faturas acostadas ao feito demonstram que o cartão de crédito cedido ao recorrente jamais fora utilizado na sua função precípua, qual seja, aquisição de produtos e serviços de consumo, visto que os únicos lançamentos deduzidos se referem, justamente, aos saques autorizado e complementar disponibilizados via "TED" (evento 7, COMP9,evento 7, COMP10,evento 7, COMP11), bem como aos demais encargos de refinanciamento (evento 7, FATURA5,evento 7, FATURA6).
Resta evidente, portanto, que o apelante, na verdade, tinha a intenção de contratar um empréstimo consignado e não o serviço de cartão de crédito com reserva de margem consignável.
Embora o banco tenha apresentado o contrato firmado entre as partes, bem como haja cláusula expressa autorizando a reserva de margem consignável e tenham sido realizados saques complementares, tais fatos, por si só, não conferem legitimidade à avença, tampouco permitem inferir-se extreme de dúvidas que, efetivamente, a parte autora possuía conhecimento sobre as características da avença celebrada.
Além disso, o valor descontado do benefício previdenciário, através do "empréstimo RMC", reserva-se ao pagamento mínimo indicado nas faturas mensais do cartão, resultando, assim, na contratação de crédito rotativo quanto ao saldo remanescente, com incidência de juros altíssimos, típicos de contratos de cartões de crédito.
Cumpre destacar que os serviços bancários em especial se revestem de complexidades e são altamente passíveis de expor os clientes a riscos, o que impõe deveres e redobrados cuidados aos prestadores. Bem por isso, a Resolução nº 3694/2009, do Conselho Monetário Nacional, dispunha:
Art. 1º As instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, na contratação de operações e na prestação de serviços, devem assegurar: [...]
III - a prestação das informações necessárias à livre escolha e à tomada de decisões por parte de clientes e usuários, explicitando, inclusive, direitos e deveres, responsabilidades, custos ou ônus, penalidades e eventuais riscos existentes na execução de operações e na prestação de serviços; [...]
V - a utilização de redação clara, objetiva e adequada à natureza e à complexidade da operação ou do serviço, em contratos, recibos, extratos, comprovantes e documentos destinados ao público, de forma a permitir o entendimento do conteúdo e a identificação de prazos, valores, encargos, multas, datas, locais e demais condições.
Sobre a necessidade de prestação adequada de informações previamente à celebração de operações bancárias, oportuno mencionar que pela sua relevância mereceu do legislador tratamento específico na recente Lei nº 14.181/2021, que atualizou o Código de Defesa do Consumidor, inserindo a este diploma legal, entre outros, o art. 54-D, com o seguinte teor:
Art. 54-D. Na oferta de crédito, previamente à contratação, o fornecedor ou o intermediário deverá, entre outras condutas:
I - informar e esclarecer adequadamente o consumidor, considerada sua idade, sobre a natureza e a modalidade do crédito oferecido, sobre todos os custos incidentes, observado o disposto nos arts. 52 e 54-B deste Código, e sobre as consequências genéricas e específicas do inadimplemento;
II - avaliar, de forma responsável, as condições de crédito do consumidor, mediante análise das informações disponíveis em bancos de dados de proteção ao crédito, observado o disposto neste Código e na legislação sobre proteção de dados;
III - informar a identidade do agente financiador e entregar ao consumidor, ao garante e a outros coobrigados cópia do contrato de crédito.
Parágrafo único. O descumprimento de qualquer dos deveres previstos no caput deste artigo e nos arts. 52 e 54-C deste Código poderá acarretar judicialmente a redução dos juros, dos encargos ou de qualquer acréscimo ao principal e a dilação do prazo de pagamento previsto no contrato original, conforme a...

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