Acórdão Nº 5001022-95.2019.8.24.0002 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 22-02-2022

Número do processo5001022-95.2019.8.24.0002
Data22 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5001022-95.2019.8.24.0002/SC

RELATORA: Desembargadora REJANE ANDERSEN

APELANTE: BANCO BRADESCO S.A. (RÉU) ADVOGADO: RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA (OAB MS005871) APELADO: ERLUIZA RODADOSKI (AUTOR) ADVOGADO: JULIO MANUEL URQUETA GOMEZ JUNIOR (OAB SC052867) ADVOGADO: TAISON GASPARIN (OAB SC052373)

RELATÓRIO

Erluiza Rodadoski ajuizou ação de restituição de valores c/c indenização por dano moral com pedido de tutela provisória de urgência antecipada (RMC) em desfavor de Banco Bradesco S.A., ao argumento de que está sofrendo descontos indevidos em seu benefício previdenciário, os quais são realizados a título de reserva de margem consignável oriunda de contratação de cartão de crédito que aduz ter sido realizada mediante um desvirtuamento da real operação de crédito que pretendia contratar.

Concedido o benefício da justiça gratuita à parte autora (evento 3).

Contestação da casa bancária (evento 13).

Réplica (evento 16).

Ato contínuo, sobreveio sentença da qual se extrai a seguinte parte dispositiva (evento 32):

Ante o exposto, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, julgo procedentes os pedidos deduzidos na inicial desta ação de restituição de valores c/c indenização por dano moral, com pedido de tutela provisória de urgência antecipada movida por ERLUIZA RODADOSKI em face de BANCO BRADESCO S.A. para:

a) anular o contrato firmado, retornando as partes ao status quo ante:

b) determinar à parte autora que proceda a devolução ao banco réu do valor tomado emprestado, com correção monetária pelo INPC, a partir da data do crédito.

c) determinar à instituição financeira o ressarcimento dos valores descontados indevidamente do benefício previdenciário da parte demandante, assim como outros pagamentos eventualmente realizados, os quais devem ser corrigidos monetariamente pelo INPC, a partir da data do efetivo desembolso e acrescidos de juros de mora de 1% a.m. (um por cento ao mês), nos termos do art. 406 do Código Civil c/c 161, § 1º, do CTN, desde a citação, em consonância com o disposto no art. 405 do CC c/c art. 240 do CPC, oportunizada a compensação dos créditos e débitos (368, do Código Civil);

d) condenar a parte ré ao pagamento de indenização por danos morais à parte autora, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), que deverá ser corrigido pelo INPC, desde a presente data (Súmula 362 do STJ) e acrescido de juros moratórios de 1% ao mês, contados da data da citação (artigo 405 do Código Civil).

Diante do resultado da demanda, mantenho a tutela provisória de urgência deferida ab initio.

Ante o princípio da sucumbência, condeno a parte ré ao pagamento das custas e dos honorários, estes fixados em 15% do valor atualizado da condenação (art. 85, § 2º, do CPC).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Irresignada com o decisum de primeiro grau, a casa bancária apresentou recurso de apelação (evento 41) pela reforma da sentença vergastada para: a) declarar a legalidade do contrato de empréstimo consignado por meio de cartão de crédito e, por consectário, dos descontos realizados em benefício previdenciário da parte autora a título de reserva de margem consignável (RMC); b) afastar a condenação por danos morais e, subsidiariamente, a sua minoração; c) juros de mora incidirem a partir da condenação de indenização por danos morais; d) substituir a determinação de abstenção de descontar valores oriundos de reserva de margem consignável por ofício ao órgão pagador e, alternativamente, a minoração da multa e alteração da periodicidade fixada pelo seu descumprimento; e) condenação da parte apelada em custas e honorários advocatícios.

Apresentação de contrarrazões (evento 49).

Por conseguinte, os autos ascenderam a esta Corte de Justiça.

É o relato do necessário.

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto pela casa bancária contra sentença que, no âmbito da presente, julgou procedentes os pedidos formulados na peça exordial.

Realizada a admissibilidade recursal, passa-se à análise das insurgências levadas ao duplo grau de jurisdição.

1 Legalidade do contrato firmado entre as partes

Alega a casa bancária apelante que a sentença singular deve ser reformada tendo em vista que ficou comprovado que o autor, ora apelado, realizou a contratação da operação de empréstimo consignado na modalidade "cartão de crédito consignado" e, por consectário, autorizou os descontos efetuados no seu benefício previdenciário a título de reserva de margem consignável. Sustenta, ademais, que a modalidade possui previsão legal e não deve ser considerada como modalidade abusiva.

Da análise detida dos autos em epígrafe, depreende-se que a celeuma principal cinge-se na verificação da (i)legalidade da contratação de empréstimo consignado, por meio de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) e, também, na averiguação da existência de eventual vício de consentimento em relação à referida contratação.

Compulsando detidamente o caderno processual verifica-se a casa bancária deixou de apresentar o contrato de n. 20170307617012341000 indicado pela parte autora, ônus este que incumbia o apelante, impondo o reconhecimento de ilicitude na referida contratação, uma vez que inexiste documento idôneo o qual comprove que a parte autora tenha de fato pactuado avença com o intuito de obter crédito por meio de saque em cartão com reserva de margem consignável.

Esta Corte já proferiu entendimento sobre a ocasião em que a instituição financeira, incumbida de apresentar os documentos referentes ao contrato objeto da lide:

APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS AJUIZADA NA VIGÊNCIA DO CPC/2015. AUTORA QUE ALEGA NUNCA TER FIRMADO COM O BANCO DEMANDADO CONTRATO DE EMPRÉSTIMO MEDIANTE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) DO SEU BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. CONTRATO NÃO APRESENTADO PELO BANCO DEMANDADO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA .

[...] 3. ALEGADA REGULARIDADE DO CONTRATO ENTRE AS PARTES. TESE DIVORCIADA DOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS CONTIDOS NOS AUTOS. PARTE RÉ QUE NÃO APRESENTOU O CONTRATO QUESTIONADO PELA AUTORA. IMPOSSIBILIDADE DE O AUTOR PROVAR FATO NEGATIVO. PROVA DIABÓLICA. ÔNUS DA PROVA QUE INCUMBIA À INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE SE AFIRMA CREDORA. INCIDÊNCIA DA LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA À CAUSA (SÚMULA 297 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA).

[...]RECURSO DO RÉU CONHECIDO E DESPROVIDO. [...](Apelação n. 5000363-04.2021.8.24.0039, rel. Luiz Zanelato, Primeira Câmara de Direito Comercial, j. 9-9-2021).

Ademais, a instituição financeira recorrente sequer comprovou o envio ou a efetiva entrega do aludido cartão no endereço do recorrente, o que poderia ser facilmente provado por meio da apresentação de documento idôneo assinado pelo requerente.

Sendo assim, tem-se por evidente que a pretensão do autor, ora apelado, era firmar, tão somente, o denominado "empréstimo consignado puro e simples", com parcelas fixas e preestabelecidas e não a de adquirir cartão de crédito que, conforme já salientado, não foi sequer utilizado para aquisição de produtos e serviços de consumo (fim específico de um cartão de crédito).

Importante destacar, também, que diante das especificidades concernentes a quaestio ora debatida, torna-se imprescindível elucidar a diferença existente entre o empréstimo consignado simples e o empréstimo de numerário via cartão de crédito, o qual se dá por meio de reserva de margem consignável (RMC). A esse respeito, tem-se excerto extraído do voto proferido pelo eminente Desembargador Robson Luz Varella, nos autos da Apelação Cível n. 0301157-67.2017.8.24.0042, o qual esclarece as características e diferenças pertinentes as mencionadas operações financeiras.

Vejamos:

Sobre essas duas modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.asp).

Já a jurisprudência esclarece que no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, coloca-se "à disposição do consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo. O consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, acaba por aderir a um cartão de crédito, de onde é realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado [...]" (Tribunal de Justiça do Maranhão, Apelação Cível n. 043633, de São Luis, Rel. Cleones Carvalho Cunha). [...]" (Apelação Cível n. 0300673-62.2018.8.24.0092, da Capital, rel. Des. Robson Luz Varella, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 20-11-2018).

Tendo em vista os esclarecimentos alhures, é muito improvável que o consumidor submeter-se-ia a um contrato de cartão de crédito sem a intenção de fazer uso deste, simplesmente porque não o queria ou porque não saberia da sua finalidade. Ora, se a intenção do requerente era empréstimo de pecúnia, não haveria razão lógica para contratar cartão de crédito com desconto de margem consignável apenas para esse fim específico.

De mais a mais, não é crível que a casa bancária demandada tenha prestado informações claras e adequadas sobre a viabilidade do requerente formalizar contrato de empréstimo por outros meios (menos onerosos), destacando as diferenças dos custos e encargos. Fosse assim, não haveria dúvidas que o requerente iria utilizar-se do meio menos custoso, ou seja, o empréstimo consignado "simples", com juros reduzidos, números de prestações e, principalmente, com termo final.

Logo, em que pese o requerente ter lançado sua...

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