Acórdão Nº 5001026-60.2021.8.24.0068 do Quarta Câmara de Direito Civil, 08-12-2022

Número do processo5001026-60.2021.8.24.0068
Data08 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5001026-60.2021.8.24.0068/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ FELIPE SCHUCH

APELANTE: ORFEO MARTINI (AUTOR) APELANTE: BANCO C6 CONSIGNADO S.A. (RÉU) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Acolho o relatório da sentença (evento 26 dos autos de primeiro grau), de lavra do Juiz de Direito Douglas Cristian Fontana, por contemplar precisamente o conteúdo dos presentes autos, ipsis litteris:

ORFEO MARTINI ajuizou ação de restituição de valores e indenização por dano moral em face de BANCO C6 CONSIGNADO S.A., alegando que não contratou empréstimo junto ao banco requerido e que os valores descontados de seu benefício previdenciário são feitos de forma indevida.

Em razão disso, requereu a declaração de inexistência de contratação do empréstimo junto ao banco, a devolução dos valores descontados e a indenização por danos morais. Requer, ainda, seja considerada amostra grátis a quantia depositada na conta corrente da autora.

Deferido o benefício da justiça gratuita em favor do autor (ev. 5).

Citada, a ré contestou e afirmou que a contratação é legal e, para tanto, apresentou o contrato assinado nos autos, juntamente com os documentos pessoais da parte autora.

Houve réplica.

A parte autora impugnou a assinatura existente no contrato, ocasião em que se registrou que caberia à parte ré demonstrar a veracidade da assinatura, em razão do previsto no art. 429, II, do CPC (evento 18). Contudo, a parte ré manifestou-se informando que não tinha interesse na produção da prova pericial (evento 21).

O Magistrado julgou parcialmente procedentes os pedidos exordiais, nos seguintes termos:

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, nos termos do art. 487, I, do CPC, para:

a) DECLARAR a ilegalidade dos descontos realizados no benefício previdenciário da autora em nome do banco réu no que diz respeito ao contrato n. XXXXX (evento XX - contrato);

b) CONDENAR a parte ré a restituir a quantia descontada indevidamente do benefício previdenciário da autora, ante a ausência de contratação do empréstimo, cuja parcela mensal era de R$ 243,00, mediante apresentação dos comprovantes de descontos e mero cálculo aritmético;

c) CONDENAR a parte ré ao pagamento da quantia de R$ 8.000,00 (oito mil reais), a título de danos morais, a ser corrigida monetariamente pelo INPC, desde a data da publicação da sentença, e juros de mora de 12% ao ano, a contar do evento danoso (primeiro desconto no benefício previdenciário).

A quantia a ser restituída pelo réu deverá ser corrigida monetariamente pelo INPC, desde a data dos desembolsos (súmula 43 do STJ), e acrescida de juros de mora de 1% ao mês, desde a data da citação.

A parte autora deverá restituir a quantia recebida em sua conta corrente, no valor de R$ 10.062,011.

Considerando que a autora decaiu de parte mínima dos pedidos, CONDENO o réu ao pagamento das custas e honorários advocatícios, os quais fixo em 12% do valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC.

Irresignado com a prestação jurisdicional entregue, o banco réu interpôs apelação. Salienta ter apresentado o contrato devidamente assinado, acompanhado tanto de outros documentos fornecidos no momento do negócio como da própria transferência do crédito em favor do apelado em conta bancária de sua titularidade. Considera legítimos os descontos no benefício previdenciário do demandante. Aduz que o dano moral não foi suficientemente demonstrado no feito. Busca a minoração do montante indenizatório. Questiona o valor arbitrado a título de honorários advocatícios e a distribuição dos encargos sucumbenciais (evento 33 dos autos de primeiro grau).

O autor também recorreu. Busca a repetição de indébito na forma dobrada, a majoração dos danos morais para o montante de R$ 15.000,00 e fixação dos honorários advocatícios sucumbenciais em percentual sobre o valor da causa (evento 39 dos autos de origem).

Contrarrazões do réu no evento 43 dos autos de primeira instância. Não foram apresentadas contrarrazões pelo demandante (evento 45 dos autos de primeira instância).

Os autos ascenderam a este Tribunal e foram redistribuídos pela Des. Rejane Andersen para uma das Câmaras de Direito Civil (evento 8).

VOTO

Os recursos preenchem os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual devem ser conhecidos.

1 MÉRITO

1.1 Ato ilícito

O banco recorrente almeja o reconhecimento da legitimidade da contratação a fim de julgar improcedentes os pleitos autorais.

Pois bem.

Sobre a questão, colhe-se da sentença:

A autora sustenta que foram efetuados descontos indevidos em seu benefício previdenciário, porquanto não firmou nenhum contrato de empréstimo junto ao banco réu.

O réu, contudo, afirma que a autora contratou seus serviços por livre e espontânea vontade e, daí, decorrem os descontos realizados e que ela reclama no presente feito. Para tanto, apresentou o contrato assinado pela autora, bem como os documentos pessoais desta.

A parte autora, por sua vez, impugnou as assinaturas constantes no documento afirmando que não foram produzidas de seu punho.

Diante do ocorrido, determinou-se que, em razão da alegação da parte autora, nos termos do art. 429, II, do CPC e da inversão do ônus da prova, caberia à parte ré produzir prova no sentido de comprovar a veracidade da assinatura aposta no documento, consoante decisão proferida nos autos (evento 18). Porém a parte requerida afirmou que não tinha interesse na produção de novas provas.

Em que pese o banco réu não tenha interesse em produzir novas provas, o ônus da prova de comprovar a autenticidade do contrato cabe a ele, nos termos da disposição específica do CPC (art. 429, II), como já destacado na decisão anterior. Não bastasse isso, o ônus da prova é da parte ré também em razão da aplicação do Código de Defesa do Consumidor no presente feito e, consequentemente, do disposto no art. 6º, VIII, do CDC.

Assim, desde o princípio, reconheceu-se a existência de relação consumerista no caso e houve a inversão do ônus da prova, questão que torna ainda mais indiscutível a responsabilidade da parte ré em demonstrar a idoneidade da assinatura constante no contrato e a legalidade da cobrança dos valores.

Além disso, acerca do ônus da prova da parte ré, extrai-se da jurisprudência o seguinte:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZATÓRIA E PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DANOS MORAIS. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE SUSTENTA A EXISTÊNCIA E VALIDADE DO PACTO. RELAÇÃO JURÍDICA, CONTUDO, NEGADA PELA AUTORA, QUE CONTESTOU A AUTENTICIDADE DA ASSINATURA APOSTA NO CONTRATO APRESENTADO PELA RÉ. ÔNUS DE SUA COMPROVAÇÃO QUE RECAI SOBRE A PARTE QUE TROUXE O DOCUMENTO AOS AUTOS. REGRA ESPECIAL DO ART. 429, II, CPC. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA VERACIDADE PELO BANCO. DESCONTO NO BENEFÍCIO DA AUTORA, PORTANTO, INDEVIDO. ATO ILÍCITO CONFIGURADO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. EXEGESE DO ARTIGO 14 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DESCONTOS INDEVIDOS NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DE PESSOA IDOSA, HIPOSSUFICIENTE E DE PARCOS RECURSOS. DANO PRESUMIDO. RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR POR SUPOSTA FRAUDE PRATICADA POR TERCEIRO. RESP REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA N. 1.199.782/PR E SÚMULA 479 DO STJ. DEVER DE INDENIZAR CARACTERIZADO. SENTENÇA CONFIRMADA NESSE ASPECTO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. PLEITO PELA MINORAÇÃO. VALOR ARBITRADO NA SENTENÇA QUE SE MOSTRA ADEQUADO AO CASO CONCRETO E AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. MANUTENÇÃO. HONORÁRIOS RECURSAIS. VERBA DEVIDA. EXEGESE DO ART. 85, § 11, DO CPC/2015. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 0300091-27.2015.8.24.0073, de Timbó, rel. Des. Soraya Nunes Lins, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 07-12-2017) (grifou-se).

Por conta disso, ante a ausência de prova de que as assinaturas constantes no contrato apresentado são de fato da autora, deve-se acolher a alegação da parte autora de ausência de contratação voluntária no caso em comento.

Apesar de a autora reconhecer que recebeu em sua conta valor oriundo do banco réu (evento 3), reafirma que não contratou o referido empréstimo, o que demonstra que ela age de boa-fé no caso em comento, porquanto não omitiu informação relevante. De qualquer sorte, deverá restituir o valor recebido em sua conta corrente.

Não bastasse isso, em que pese os documentos pessoais do autor e aqueles apresentados ao banco sejam idênticos, é possível verificar certa divergência na grafia das assinaturas constantes no documento de identidade (evento 1 - cpf 3) e na assinatura constante no contrato (evento 12 - contrato 3), que não é grosseira, mas é perceptível por detida análise e simples comparação.

Portanto, não tendo a demandada demonstrado a legalidade da contratação e a existência do débito, há de se reconhecer que a autora não efetuou o contrato...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT