Acórdão Nº 5001026-97.2021.8.24.0088 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 18-08-2022

Número do processo5001026-97.2021.8.24.0088
Data18 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5001026-97.2021.8.24.0088/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: ELIAS RIBEIRO RAMOS (AUTOR) APELADO: BANCO PAN S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

ELIAS RIBEIRO RAMOS interpôs recurso de apelação contra a sentença proferida pelo magistrado de primeiro grau André Luiz Tibúrcio Alves, nos autos da ação declaratória de inexistência de relação jurídica c/c pedido de danos morais c/c repetição de indébito proposta contra BANCO PAN S.A., em curso perante o juízo da Vara Única da Comarca de Lebon Regis, que julgou improcedentes os pedidos formulados na petição inicial, nestes termos:

1. RELATÓRIO

Trata-se de "ação declaratória de inexistência de relação jurídica c/c pedido de danos morais c/c repetição de indébito", ajuizada por ELIAS RIBEIRO RAMOS contra BANCO PAN S.A.., ambos devidamente qualificados nos autos.

Na peça exordial (ev. 1), sustentou a parte demandante, em síntese, que formalizou com a instituição financeira demandada um contrato de empréstimo consignado, mas que, de forma diversa da pactuada, esta passou a realizar descontos denominados de "reserva de margem consignável" (RMC), via cartão de crédito. Frisou que aludido serviço não foi solicitado ou contratado na forma que consta do extrato, além de que representa prática abusiva em razão da falta de informação ao consumidor e porque implica vantagem excessiva.

Fundada em tais motivos, pugnou pela declaração de ilegalidade do empréstimo realizado [na modalidade de cartão de crédito com reserva de margem consignável] e a condenação da instituição demandada a restituir os valores descontados ilegalmente do seu benefício previdenciário. Ainda, requereu a condenação da demandada ao pagamento de indenização por danos morais.

Valorou a causa, postulou a gratuidade da justiça, a inversão do ônus da prova e a exibição de cópia do contrato objeto da lide e outros documentos relacionados. Carreou documentação e procuração.

Em despacho (ev. 3), a parte demandante foi intimada para que acostasse ao presente caderno processual, os históricos de créditos de seu benefício previdenciário, bem como o extrato de empréstimos consignados, documentos imprescindíveis a instrução do feito .

Houve o deferimento da Gratuidade da Justiça, a inversão do ônus da prova e a citação do demandado. (ev. 9).

Devidamente citada, a parte demandada apresentou contestação ao ev. 17, por intermédio da qual alegou, a prejudicial de mérito da prescrição. Ainda, sustentou a ausência de interesse de agir. No mérito, defendeu que o contrato celebrado observou a legislação vigente e a vontade das partes, sendo validamente assinado pela parte demandante, inexistindo, assim, qualquer vício ou ilegalidade na contratação. Ainda, aduziu não haver danos morais passíveis de indenização. Por fim, requereu a improcedência dos pedidos inaugurais. Juntou documentos.

Ao ev. 18, a parte demandante apresentou réplica.

Vieram-me os autos conclusos.

É o relato necessário.

Passo a fundamentar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO (art. 93, inc. IX, da CRFB/1988)

Cuida-se de ação de natureza declaratória e condenatória, por meio da qual pretende a parte demandante, com fundamento na inexistência de contratação de empréstimo consignado na modalidade cartão de crédito (e da chamada reserva de margem consignável - RMC), condenar o demandado ao pagamento de indenização por danos morais.

2.1. Questões processuais pendentes, preliminares e/ou prejudiciais

2.1.1 Preliminar de ausência de interesse processual

No que tange à preliminar de ausência de interesse processual sustentada pelo demandado, ao argumento de que não foi demonstrado o dano experimentado pela parte demandante, diviso que ela confunde-se com o mérito e com ele será analisada.

De toda forma, sabe-se que o interesse processual da parte postulante é aferido com base no binômio necessidade x adequação da medida judicial manejada. No caso dos autos, o demandado apresentou peça defensiva, impugnando expressamente os pedidos iniciais, o que revela a existência de pretensão resistida e o interesse de agir, motivo pelo qual afasto, desde já, a prefacial aventada.

2.1.2 Prejudicial de mérito da prescrição

Alusivo à prejudicial de mérito da prescrição, sustenta a parte demandada que deve ser reconhecido o decurso do prazo prescricional à pretensão condenatória, ao argumento de que entre a data de formalização do contrato (ocorrida no ano de 2017) e o ajuizamento da ação (no ano de 2021) decorreu prazo superior a 3 (três) anos, na forma do art. 206, § 3º, incs. IV e V, do Código Civil.

Entretanto, razão não lhe assiste.

É consabido que, nos contratos como o da espécie, aplica-se o art. 27 do Código de Defesa do Consumidor, que dispõe que "prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria".

Ademais, em se tratando de pacto de trato sucessivo pertinente aos descontos no benefício previdenciário do consumidor, a jurisprudência pátria consolidou-se no sentido de que o termo inicial para o cômputo do prazo prescricional é a data do último desconto efetuado, motivo pelo qual não há falar em prescrição.

Nesse sentido, colhe-se da jurisprudência:

APELAÇÃO CÍVEL. "AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL" - RMC. TOGADO DE ORIGEM QUE JULGA PROCEDENTES OS PEDIDOS DEDUZIDOS NA EXORDIAL. IRRESIGNAÇÃO DO BANCO. DIREITO INTERTEMPORAL. DECISÃO PUBLICADA EM 03-10-19. INCIDÊNCIA DO PERGAMINHO FUX. PRELIMINAR SUSCITADA DE PRESCRIÇÃO. PRETENSÃO DA REPARAÇÃO DE DANOS PELA CONSUMIDORA QUE SE EXTINGUE EM CINCO ANOS. PRESTAÇÃO CONTINUADA. TERMO INICIAL PARA CONTAGEM DA DATA DA PRESCRIÇÃO À PARTIR DO ULTIMO PAGAMENTO EFETUADO PELA CONSUMIDORA. DESCONTOS ATIVOS QUANDO DA INTERPOSIÇÃO DA AÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 27 DO CDC. QUINQUÊNIO NÃO ESCOADO. TESE AFASTADA PREJUDICIAL RECHAÇADA. [...] (TJSC, Apelação Cível n. 0300191-31.2019.8.24.0076, de Turvo, rel. Des. José Carlos Carstens Köhler, Quarta Câmara de Direito Comercial, j. 03-12-2019) (grifou-se).

2.2. Julgamento antecipado de mérito

Vencidos os pontos supracitados, infere-se que a causa encontra-se apta a julgamento, consoante artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, eis que os elementos constantes dos autos afiguram-se suficientes à prolação de sentença, notadamente em virtude da natureza da controvérsia.

Com efeito, a considerar o caso dos autos, tem-se que o meio probatório mais adequado é o documental, cujo momento de produção, sob pena de preclusão, é a inicial e a contestação.

Sobre o tema:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS AJUIZADA NA VIGÊNCIA DO CPC/2015. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS INAUGURAIS. RECURSO DA AUTORA. [...] 2. CERCEAMENTO DE DEFESA. ALEGADO PREJUÍZO DECORRENTE DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. TESE QUE NÃO COMPORTA ACOLHIMENTO. CONCLUSÃO ACERCA DA EXISTÊNCIA DA CONTRATAÇÃO QUE REQUER A ANÁLISE DE PROVA EXCLUSIVAMENTE DOCUMENTAL. CONTRATO ASSINADO E COMPROVANTE DE DISPONIBILIZAÇÃO DE VALOR À AUTORA MEDIANTE SAQUE NO CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO ANEXADOS À CONTESTAÇÃO NOS AUTOS. ADEMAIS, AUSÊNCIA DE ESPECIFICAÇÃO DE QUALQUER EVENTUAL PROVA QUE A DEMANDANTE PRETENDIA PRODUZIR. [...] (TJSC, Apelação n. 0300917-60.2018.8.24.0166, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Luiz Zanelato, Primeira Câmara de Direito Comercial, j. 17-06-2021) (grifou-se).

Com efeito, eventual realização de audiência de instrução e julgamento em nada contribuiria ao deslinde da controvérsia em exame.

Vale anotar, ainda, que "o julgamento antecipado da lide não implica cerceamento do direito de defesa se os elementos constantes dos autos são suficientes para formar o convencimento do magistrado e a matéria a ser apreciada dispensa a produção de outras provas" (TJSC, Autos nº 0003589-14.2011.8.24.0020, Rel. Des. Sebastião César Evangelista, j. em 6/10/2016).

Desse modo, ausentes demais questões processuais pendentes ou prejudiciais e, considerando que o feito tramitou regularmente, estando, pois, presentes todos os pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, passo ao exame do mérito.

2.3 Mérito

2.3.1 Incidência do Código de Defesa do Consumidor ao caso concreto

Inicialmente, há que se consignar que o caso em apreço deve ser examinado à luz do Código de Defesa do Consumidor, haja vista que as partes enquadram-se nas definições legais de fornecedor e consumidor, a teor da norma insculpida nos arts. e da Lei n. 8.078/90.

Ainda, nos termos da Súmula 297 do STJ: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".

Assim, resta evidente que a presente demanda deve ser julgada sob os escopos da legislação consumerista.

Outrossim, em se tratando de relação de consumo, é de se aplicar o art. 6º, inciso VIII, do CDC, que impõe a inversão do ônus da prova, desde que verossímeis as alegações do consumidor/demandante e caracterizada sua hipossuficiência diante da parte contrária, o que é o caso dos autos.

Entretanto, mesmo se tratando de relação de consumo regida pelos ditames do Código de Consumidor, não se pode perder de vista que "a incidência da legislação consumerista ou o deferimento da inversão do ônus da prova, por certo não exime o demandante, ora consumidor, em apresentar, pelo menos, indícios probatórios suficientes acerca da pretensão exposta na exordial" (TJSC, Apelação Cível n. 0301160-10.2015.8.24.0004, de Araranguá, rel. Des. Gilberto Gomes de Oliveira, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 04-10-2018).

Assim, os pedidos formulados na inicial somente serão procedentes acaso demonstrada a alegada abusividade por parte da instituição bancária, ou seja, caso haja desvantagem desproporcional suportada pelo consumidor, ou, ainda, ilicitude contratual. Caso contrário, deverá prevalecer os termos do contrato livremente firmado entre as partes.

2.3.2 (Ir)regularidade do negócio...

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