Acórdão Nº 5001051-98.2020.8.24.0071 do Sétima Câmara de Direito Civil, 24-03-2022

Número do processo5001051-98.2020.8.24.0071
Data24 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSétima Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5001051-98.2020.8.24.0071/SC

RELATOR: Desembargador CARLOS ROBERTO DA SILVA

APELANTE: VDM OPERACOES LOGISTICAS EIRELI EM RECUPERACAO JUDICIAL (RÉU) APELADO: JAQUELINE FERRARI (AUTOR)

RELATÓRIO

VDM Operações Logísticas EIRELI - em Recuperação Judicial interpôs recurso de apelação contra sentença (Evento 23 dos autos de origem) que, nos autos da ação declaratória de inexistência de débito c/c reparação por danos morais ajuizada em seu desfavor por Jaqueline Ferrari, julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais.

Para melhor elucidação da matéria debatida nos autos, adota-se o relatório da sentença recorrida:

JAQUELINE FERRARI, devidamente qualificado e representado, ajuizou a presente AÇÃO INDENIZATÓRIA, com pedido de tutela de urgência, em face de VDM OPERACOES LOGISTICAS EIRELI EM RECUPERACAO JUDICIAL, igualmente individuado, alegando, em síntese, que não conseguiu efetuar o pagamento dos dois últimos boletos bancários de uma compra parcelada de materiais profissionais junto da Requerida, porquanto era apresentado uma mensagem de baixa do documento.

Discorreu que apenas tomou ciência de que seu nome foi inserido no SPC/Serasa quando foi tentar realizar uma compra de material profissional com outro fornecedor. Disse que tentou novamente contato com a Requerida, a qual informou que os boletos haviam sido cancelados em vista da alteração do banco utilizado nas negociações da empresa.

Acrescentou que não houve prévia comunicação aos credores acerca dessas alterações administrativas da Requerida e que, aliado ao fato das dificuldades em contato, não podem serem imputados à ela o atraso no pagamento dos valores remanescentes.

Por esses motivos, requereu que seja declarado inexistente o débito que deu origem à inscrição de seu nome no registro de maus pagadores, devendo a Requerida ser condenada no pagamento de indenização pelos danos morais suportados, postulando, ainda, pela imediata retirada do seu nome da SERASA, bem como aplicado o CDC com a consequente inversão do ônus da prova.

Valorou a causa e juntou documentos.

Deferido o pedido de tutela de urgência, foi determinada a citação da Requerida, tendo o Aviso de Recebimento retornado sem cumprimento.

A Requerida compareceu expotaneamente nos e. 13/15, apresentando contestação, discorrendo sobre a adequação do processo no rito do Juizado Especial Cível e incompetência da demanda, porquanto foi negada a aplicação do Código de Defesa do Consumidor na decisão de e. 7, devendo ser aplicado o Código de Processo Civil, art. 46, o qual prevê que a ação deve ser proposta no domicílio do réu. Ainda, impugnou a gratuidade da justiça concedida à Autora e discorreu sobre a inépcia da inicial por não haver clareza sobre a causa de pedir e o pedido.

No mérito, aduziu que não há prova documental de registro de protesto por sua iniciativa e que os boletos eram emitidos por uma instituição financeira, uma factoring e que essa era a responsável por realizar eventual protesto.

Impugnou as conversas de WhatsApp trazidas aos autos, dizendo ser impossível identificar se o conteúdo refere-se ao presente caso e se foi feito com algum funcionário da Requerida.

Requereu o julgamento antecipado do mérito e informou sobre a recuperação judicial e a improcedência da ação ante a não comprovação da responsabilidade e existência de protesto em nome da Autora.

Juntou documentos.

Em vista do comparecimento espontâneo, foi considerada tempestiva a contestação apresentada.

Houve réplica.

É o relatório.

Da parte dispositiva do decisum, extrai-se a síntese do julgamento de primeiro grau:

Ante o exposto, com fulcro no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados por JAQUELINE FERRARI contra VDM OPERACOES LOGISTICAS EIRELI EM RECUPERACAO JUDICIAL e, por conseguinte:

a) DECLARO A INEXISTÊNCIA do débito que serviu de parâmetro para a inclusão do nome da Autora nos órgãos de proteção ao crédito.

b) CONFIRMO a tutela de urgência concedida no evento 7, para determinar que a Requerida promova a exclusão do nome da Autora do cadastro de inadimplentes, referentes à inscrição ora analisada, em 10 (dez) dias, sob pena de pagamento de multa diária no valor de R$ 100,00 (cem reais) por dia de atraso, a contar do 11º dia de sua intimação, inclusive, cuja vigência ora limito ao prazo de 30 (trinta) dias;

c) CONDENO a Requerida a pagar para a Autora, a título de indenização por danos morais, o valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), que deverá ser corrigido monetariamente pelo INPC a partir desta data e acrescido de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a contar do evento danoso (06/03/2015), consoante os artigos 406 do CC c/c 161, § 1º, do CTN.

Como corolário, CONDENO a Requerida ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios em favor da advogada da Autora, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o montante total da condenação, conforme o disposto no artigo 85, § 2º, do CPC.

Em suas razões recursais (Evento 32, APELAÇÃO1, dos autos de origem), a ré suscita, preliminarmente, a nulidade da sentença em face da preclusão quanto à aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, pois indeferida em decisão anterior.

Assevera que o juízo é incompetente, uma vez que, afastada a lei consumerista, a demanda deve ser proposta no foro do domicílio do réu, conforme o art. 46 do Código de Processo Civil.

Aduz que a petição inicial é inepta, porquanto "a Apelada não menciona o número de identificação do título alegadamente protestado ou o valor do débito relativamente ao qual teria havido a negativação, bem como não consta dos autos qualquer indicativo de data de vencimento do boleto/duplicata/título em relação ao qual a Apelada pretende obter a tutela declaratória de inexistência do débito, sendo que a Apelante teve que deduzir (presumir) qual seria o título objeto do litígio" (p. 7).

No mérito, alega que "falta especificação, na narrativa da Apelada, sobre qual teria sido o protesto indevido, sobretudo porque não consta dos autos nenhum documento comprovatório de existência de protesto. Frise-se: NÃO HÁ NOS AUTOS comprovação documental de protesto por iniciativa da Apelante" (p. 9).

Sustenta que em consulta à Serasa no momento da contestação não constava qualquer registo de protesto.

Refere que "alega a Apelada, genericamente, que teve dificuldade no pagamento dos boletos relativos às parcelas 4 e 5 da referida compra, mas não comprova adequadamente a dificuldade no pagamento" (p. 9).

Argumenta que "a própria Apelada também assume, à fl. 02 da petição inicial, que NÃO realizou, na data de vencimento, o pagamento das parcelas 4ª e 5ª da compra que foi realizada. Ou seja, é incontroverso que não houve adimplemento das referidas parcelas nas datas de vencimento" (p. 10).

Defende que "não praticou ato ilícito capaz de gerar dano moral indenizável, diante da ausência de provas nos autos, impondo-se o imediato julgamento de improcedência dos pedidos formulados na petição inicial" (p. 11).

Aventa que, em relação aos juros moratórios, "são três os pontos que merecem reforma: 1) data do evento danoso, que não é 06/03/2015, pois os fatos narrados se passam em 2020; 2) o termo inicial para fluência dos juros de mora é a data da citação, e não a data do evento danoso; 3) não cabimento do art. 161, §1º, do CTN, para fundamentar a condenação, já que o processo não versa relação jurídica de natureza tributária, incabível a aplicação de dispositivo da legislação tributária" (p. 11).

Sobreleva que o quantum indenizatório dos danos morais é excessivo e "muito acima da média de valores adotadas pela jurisprudência nos casos similares a este" (p. 14) e deve ser reduzido.

Pondera que "diante da completa ausência de comprovação de prejuízo de ordem moral sofrido pela Apelada, a r. sentença deve ser reformada para afastar condenação em danos morais, pois os danos morais ao contrário dos danos materiais não são presumíveis dependendo de comprovação dos fatos, o que não ocorreu no presente caso" (p. 16).

Aponta que "em caso da manutenção da condenação da Apelante ao pagamento de indenização à Apelada, o que não se espera, pelos argumentos já expostos, requer que seja constituído o título executivo judicial, podendo a parte habilitar seu crédito, no momento oportuno, por via própria" (p. 17) em face da recuperação judicial da recorrente.

Avulta que "a parte Apelada não é hipossuficiente, sobretudo porque a documentação por ela juntada aos autos do processo não comprovam a falta de recursos para que seja agraciada com a Justiça Gratuita" (p. 19), de modo que requer a revogação da benesse concedida à recorrida.

Com as contrarrazões (Evento 36 dos autos de origem), ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.

Este é o relatório.

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos inaugurais.

Porque presentes os pressupostos de admissibilidade, conhece-se do reclamo interposto.

Tem-se como fato incontroverso, porque não impugnado pela ré, que no dia 30-4-2020 o nome da autora foi protestado na Cidade de Tangará (Evento 1, OUT6, dos autos de origem).

A controvérsia, portanto, cinge-se em perquirir, preliminarmente, se há a) nulidade do decisum por preclusão pro judicato no que toca à aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor; b) incompetência territorial do juízo a quo; c) inépcia da petição inicial; e d) possibilidade de revogação do benefício da gratuidade da justiça concedida à autora.

No mérito, cabe averiguar a) a origem do ato notarial; b) de quem seria a responsabilidade pelo pagamento em atraso de suposto boleto referente à relação negocial entre as partes; c) a (in)existência de ato ilícito; d) a (in)ocorrência de danos morais indenizáveis e, se devido o ressarcimento pelo abalo anímico, cumpre sopesar o quantum compensatório; e) o termo inicial e o percentual dos juros de mora; e f) a (im)possibilidade de habilitação de crédito no processo de recuperação judicial da ré.

Sobre tais pontos...

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