Acórdão Nº 5001054-60.2020.8.24.0004 do Terceira Câmara de Direito Público, 05-10-2021

Número do processo5001054-60.2020.8.24.0004
Data05 Outubro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5001054-60.2020.8.24.0004/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5001054-60.2020.8.24.0004/SC

RELATORA: Desembargadora BETTINA MARIA MARESCH DE MOURA

APELANTE: SERVIÇO AUTÔNOMO MUNICIPAL DE ÁGUA E ESGOTO - SAMAE ARARANGUÁ/SC (RÉU) APELADO: CONDOMINIO ARARANGUA CENTER COMERCIAL EXECUTIVO (AUTOR) ADVOGADO: CRISTINA ZEFERINO DA ROCHA (OAB SC049592)

RELATÓRIO

Condomínio Araranguá Center Comercial Executivo ajuizou "Ação Declaratória de Cobrança Abusiva c/c Obrigação de Fazer c/c Repetição de Indébito c/c Tutela Provisória (de Evidência)" contra Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto - SAMAE. Aduziu, em síntese, que se utiliza do serviço de fornecimento de água da Ré, cujo consumo mensal é aferido por meio de hidrômetro único e que aquela, em desacordo com a lei e a jurisprudência, ao invés de cobrar pelo consumo real informado no equipamento, "impôs cobrança indevida e abusiva, correspondente a 32 economias, considerando consumo presumido de 320 metros cúbicos mensais, com base na tarifa mínima por economia, categoria comercial, equivalente a dez metros cúbicos". Sustentou que a partir de "outubro de 2019, com a implantação dos serviços públicos de coleta e tratamento de esgoto, sobre a cobrança mensal de consumo d'água, em cada conta mensal, foi acrescentado 60% (sessenta por cento) do valor, majorando substancialmente o desembolso indevido". Disse que a adoção dessa prática pela Ré, de levar em consideração o número de economias, com a consequente presunção de consumo mínimo para cada condômino, viola o seu direito, pois a cobrança é feita por estimativa, cujo resultado é maior que o real. Requereu o deferimento de liminar, para que a Ré se abstenha de realizar o corte do fornecimento dos serviços de água e esgoto e não inscreva o seu nome nos órgãos de proteção ao crédito e a suspensão da forma de cobrança. No mérito, pleiteou a confirmação da medida e a condenação da Ré à repetição do valor de R$ 84.719,91 (oitenta e quatro mil, setecentos e dezenove reais, e noventa e um centavos), bem como dos valores que vierem a ser indevidamente cobrados, após o ajuizamento da demanda.

A liminar foi parcialmente deferida, "apenas para determinar a adequação da cobrança da prestação de serviço ao correspondente ao consumo real, inclusive quanto à fatura que vencerá neste mês de fevereiro" (evento 7, EP1G).

Citada, a Ré apresentou contestação (evento 17, EP1G). Arguiu, em preliminar: a ilegitimidade ativa ad causam do Condomínio, já que a demanda envolve interesse individual dos proprietários e locatários das galerias; a prescrição trienal; e a incorreção do valor da causa, pois levou em conta o IPCA-E para atualização do montante devido, sendo que o correto é a aplicação da TR. No mérito, sustentou que a cobrança de tarifa mínima pela multiplicação do número de unidades autônomas no caso em apreço, não está em desacordo com a decisão elencada no Recurso Especial n. 1.166.561/RJ e que a cobrança está lastreada no artigo 71 do Decreto Municipal n. 8.822/2019. Disse que o STJ já proferiu entendimento, no sentido de que um condômino que não utiliza dos serviços não pode arcar com o custo daquele que utilizou, posto que a situação gera desigualdade entre os consumidores. Referiu que "haveria subversão do sistema de tarifas, passando a criar-se diferenciação por consumidor e por destinação do serviço, sem qualquer aval legal e constitucional/social para isso". Requereu a extinção do processo, sem resolução do mérito e, subsidiariamente, a improcedência da pretensão inaugural.

Houve réplica (evento 21, EP1G).

Sobreveio sentença (evento 25, EP1G), nos seguintes termos:

[...] Face ao exposto, julgo procedente a demanda, para condenar Samae - Serviço Autônomo de Água e Esgoto do Município de Araranguá: a) a se abster de cobrar da requerida a tarifa mínima de acordo com o número de economias, em detrimento do número hidrômetros, devendo, quando ultrapassado o valor da tarifa mínima, efetuar a cobrança de acordo com o consumo real; b) a ressarcir a requerente os valores cobrados indevidamente em razão do desrespeito ao item 'a' do presente dispositivo. O montante será apurado em liquidação de sentença e deverá ser atualizado mediante a incidência de correção monetária pelo INPC desde o efetivo desembolso e juros a contar da citação.Quanto aos índices de correção e aos juros, observe-se o art. 1º-F da Lei nº 9.497/97, com a interpretação dada pelo STJ nos julgamentos dos REsps 1.495.146 e 1.495.144. A presente decisão deverá se adequar a eventual entendimento firmado pelo STF ou pelo STJ que possua força vinculante.Ressalto que a questão relativa à correção do débito atualmente aguarda pacificação pelo STF (Tema 810). Tenho que não se está diante de caso de suspensão dos processos, já que o feito não versa exclusivamente sobre a aplicação dos encargos. Entendimento contrário levaria à paralisação de todas as ações judiciais que implicassem em imposição à Fazenda de condenação pecuniária, já que necessariamente deve ser feita. De qualquer forma, os critérios de correção fixados na decisão do presente feito sofrerão os efeitos de eventual alteração de entendimento realizada pelo STF e pelo STJ e que possua força vinculante.Condeno o requerido no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em favor do procurador da parte contrária.Fixo os honorários no percentual mínimo previstos nos incisos I a V do § 3º do art. 85 do CPC, devendo a parte fazer o devido enquadramento após apurar o montante devido, nos termos do art. 85, § 4º, II, do CPC, observando-se, se for o caso, que na base de cálculo dos honorários que não estão incluídas as parcelas com vencimento posterior à sentença.A Fazenda fica dispensada do pagamento da partes das custas cuja responsabilidade pelo adimplemento foi a ela atribuída (LCE 156/97).Sem reexame necessário, conforme art. 496, § 3º, III e § 4º, II, do CPC.Publique-se, registre-se e intime-se.Transitada em julgado a decisão, arquive-se. [...]

Irresignada, a Ré interpôs recurso de apelação (evento 31, EP1G). Reitera as preliminares de ilegitimidade ativa ad causam e prescrição trienal, bem como as teses de mérito.

O Autor apresentou contrarrazões, pleiteando o não conhecimento do recurso, por ausência de dialeticidade (evento 35, EP1G).

Os autos ascenderam a esta Corte, sendo redistribuído por meio da decisão monocrática colacionada ao evento 6 (EP2G).

Este é o relatório.

VOTO

1. Da admissibilidade

Inicialmente, consigno que a decisão recorrida foi publicada quando já em vigor o Código de Processo Civil de 2015, devendo este regramento ser utilizado para análise do recebimento da apelação.

Dito isso, deve-se afastar a tese de falta de dialeticidade suscitada pelo Apelado/Autor em contrarrazões. Isso porque, muito embora a Apelante/Ré reproduza as teses arguidas em contestação, nas razões recursais, o reclamo impugna as razões de decidir da sentença, bem como permite a clara compreensão do objeto da insurgência e dos fundamentos pelos quais a Recorrente, almeja a reforma da decisão.

Desse modo, presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conheço do recurso.

2. Do recurso

2.1 Das preliminares

2.1.1 Ilegitimidade passiva ad causam

Alega a Apelante/Ré a ilegitimidade ativa ad causam do Condomínio, já que a demanda envolve interesse individual dos proprietários e locatários das unidades econômicas.

Referido tópico, apesar de ter sido suscitado em contestação, não foi apreciado pelo Magistrado de origem. Contudo, possível o seu exame em segundo grau, nos termos do artigo 1.013, § 3º, inciso III, do Código de Processo Civil de 2015.

Melhor sorte não socorre à Apelante/Ré.

Isso porque, é incontroverso que o Condomínio Apelado/Autor possui um único hidrômetro de água, ao invés de um individual para cada unidade econômica e, além disso, consoante se depreende da documentação carreada aos autos (evento 1, Anexo 10/31), as faturas estavam em nome do Recorrido e foi esse, quem arcou com o pagamento do montante supostamente indevido.

Assim, afasta-se a prefacial.

2.1.2 Prescrição trienal

Defende a Apelante/Ré que aplicável ao caso a prescrição trienal, prevista no artigo 206, § 3º, inciso IV, do Código Civil

Razão não lhe assiste.

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça pacificou a questão, ao julgar os Embargos de Divergência em Agravo em Recurso Especial n. 632599/RS, definindo-o como decenal:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO DE TARIFAS. SERVIÇOS DE TELEFONIA. COBRANÇA INDEVIDA. APLICAÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL DECENAL DO CÓDIGO CIVIL (ART. 205 DO CÓDIGO CIVIL). MATÉRIA...

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