Acórdão Nº 5001056-82.2021.8.24.0040 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 08-02-2022

Número do processo5001056-82.2021.8.24.0040
Data08 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5001056-82.2021.8.24.0040/SC

RELATORA: Desembargadora REJANE ANDERSEN

APELANTE: ZULEIDE MARIA DE FREITAS (AUTOR) ADVOGADO: ROGER DA SILVA HENRIQUE (OAB SC018137) APELADO: BANCO MERCANTIL DO BRASIL SA (RÉU) ADVOGADO: LOURENCO GOMES GADELHA DE MOURA (OAB PE021233) ADVOGADO: DANILO FREITAS MAIA (OAB PE043047)

RELATÓRIO

Zuleide Maria de Freitas ajuizou ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, inexistência de débito com tutela de urgência antecipada c/c restituição de indébito e indenização por dano moral (RMC) em desfavor de Banco Mercantil do Brasil S.A., ao argumento de que está sofrendo descontos indevidos em seu benefício previdenciário, os quais são realizados a título de reserva de margem consignável oriunda de contratação de cartão de crédito que aduz ter sido realizada mediante um desvirtuamento da real operação de crédito que pretendia contratar.

A concessão da justiça gratuita foi deferida (evento 4)

Contestação da casa bancária (evento 11).

Réplica (evento 16).

Ato contínuo, sobreveio sentença da qual se extrai a seguinte parte dispositiva (evento 18):



Ante o exposto, com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos deduzidos na petição inicial, julgando extinto o feito e resolvido o mérito.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios da parte adversa, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, restando suspensa a exigibilidade da cobrança, uma vez que deferido à autora os benefícios da Justiça Gratuita (Evento 04).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Cumpridas as formalidades legais, arquivem-se.

Irresignada com o decisum de primeiro grau, a parte autora apresentou recurso de apelação (evento 22) pela reforma da sentença vergastada para: a) reconhecer a nulidade do contrato de empréstimo consignado por meio de cartão de crédito e, por consectário, dos descontos realizados em seu benefício previdenciário a título de reserva de margem consignável (RMC); b) determinar a condenação da casa bancária por dano moral; c) repetição de indébito em dobro; d) condenação da parte ré em custas e honorários advocatícios.

Apresentação de contrarrazões (evento 29).

Por conseguinte, os autos ascenderam a esta Corte de Justiça.

É o relato do necessário.

VOTO



Trata-se de recurso de apelação interposto pela parte autora contra sentença que, no âmbito da presente ação, julgou improcedentes os pedidos formulados na peça exordial.

Realizada a admissibilidade recursal, passa-se à análise das insurgências levadas ao duplo grau de jurisdição.

1 Legalidade do contrato firmado entre as partes

Sustenta a apelante que a sentença singular deve ser reformada para declarar a inexistência da contratação de empréstimo consignado via cartão de crédito, o qual originou os descontos a título de reserva de margem consignável, realizados no seu benefício previdenciário. Para tanto, alega que sua intenção era apenas a de fazer um empréstimo consignado simples e jamais a de contratar cartão de crédito, o qual aduz nunca sequer ter utilizado ou desbloqueado. Argumenta, ainda, que a manutenção dos termos do contrato sub judice implicará em uma dívida eterna, a qual representa obrigação totalmente desproporcional ao consumidor.

Da análise detida dos autos em epígrafe, depreende-se que a celeuma principal cinge-se na verificação da (i)legalidade da contratação de empréstimo consignado, por meio de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) e, também, na averiguação da existência de eventual vício de consentimento em relação à referida contratação.

Compulsando detidamente o caderno processual verifica-se por incontroverso, que houve transação formalizada pelas partes para realização de empréstimo, o qual se consolidou por meio do documento denominado "Termo de Adesão ao Cartão de Crédito Consignado e Autorização para Desconto em Folha de Pagamento" (evento 11, CONTR4).

Entretanto, apesar de o referido documento estar formalmente perfeito e possuir a assinatura da requerente, ora apelante, o contexto fático-probatório coligido nos autos revela uma ilicitude na referida contratação, a qual se materializa no fato de que houve um desvirtuamento da real intenção da demandante que, ao que tudo indica, desejava apenas realizar um empréstimo consignado, sem, contudo, adquirir/contratar qualquer cartão de crédito.

Oportunamente, cumpre destacar que os próprios extratos bancários juntados pela casa bancárias no evento 11, OUT5, demonstram que não houve a utilização do cartão de crédito pela parte demandante para compras ou serviços. Doutro vértice, dessume-se dos autos que a instituição financeira recorrente sequer comprovou o envio ou a efetiva entrega do aludido cartão no endereço do recorrido, o que poderia ser facilmente provado por meio da apresentação de documento idôneo assinado pela requerente.

Sendo assim, tem-se por evidente que a pretensão da autora, ora apelante, era firmar, tão somente, o denominado "empréstimo consignado puro e simples", com parcelas fixas e preestabelecidas e não a de adquirir cartão de crédito que, conforme já salientado, não foi sequer utilizado para aquisição de produtos e serviços de consumo (fim específico de um cartão de crédito).

Importante destacar, também, que diante das especificidades concernentes a quaestio ora debatida, torna-se imprescindível elucidar a diferença existente entre o empréstimo consignado simples e o empréstimo de numerário via cartão de crédito, o qual se dá por meio de reserva de margem consignável (RMC). A esse respeito, tem-se excerto extraído do voto proferido pelo eminente Desembargador Robson Luz Varella, nos autos da Apelação Cível n. 0301157-67.2017.8.24.0042, o qual esclarece as características e diferenças pertinentes as mencionadas operações financeiras. Vejamos:

Sobre essas duas modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.asp).

Já a jurisprudência esclarece que no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, coloca-se "à disposição do consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo. O consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, acaba por aderir a um cartão de crédito, de onde é realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado [...]" (Tribunal de Justiça do Maranhão, Apelação Cível n. 043633, de São Luis, Rel. Cleones Carvalho Cunha). [...]" (Apelação Cível n. 0300673-62.2018.8.24.0092, da Capital, rel. Des. Robson Luz Varella, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 20-11-2018).

Tendo em vista os esclarecimentos alhures, é muito improvável que o consumidor submeter-se-ia a um contrato de cartão de crédito sem a intenção de fazer uso deste, simplesmente porque não o queria ou porque não saberia da sua finalidade. Ora, se a intenção da requerente era empréstimo de pecúnia, não haveria razão lógica para contratar cartão de crédito com desconto de margem consignável apenas para esse fim específico.

De mais a mais, não é crível que a casa bancária demandada tenha prestado informações claras e adequadas sobre a viabilidade da requerente formalizar contrato de empréstimo por outros meios (menos onerosos), destacando as diferenças dos custos e encargos. Fosse assim, não haveria dúvidas que a requerente iria utilizar-se do meio menos custoso, ou seja, o empréstimo consignado "simples", com juros reduzidos, números de prestações e, principalmente, com termo final.

Logo, em que pese a requerente ter lançado sua assinatura nos documentos, sobressai límpida a existência de mácula na manifestação de vontade desta (apelante), porquanto há fortes indícios de que a casa bancária requerida, ora apelada, não prestou informações claras e adequadas acerca da modalidade contratual firmada entre as partes (empréstimo de dinheiro por meio de contratação de cartão de crédito), a qual é extremamente mais onerosa para o consumidor.

Diante destas constatações, tem-se que a conduta perpetrada pela casa bancária apelada afetou a boa-fé objetiva, razão pela qual fica evidente a nulidade da avença firmada entre as partes.

A respeito da quaestio, tem-se o seguinte julgado deste Areópago:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA AUTORA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. BANCO RÉU QUE, VIOLANDO O DIREITO DE INFORMAÇÃO, INTERFERIU DIRETAMENTE NA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE DA CONSUMIDORA, ENSEJANDO NA ACEITAÇÃO DE CONTRATO INEVITAVELMENTE MAIS ONEROSO DENTRE OS DISPONÍVEIS. CONTRATO NULO. DANO MORAL EVIDENTE. ATENTADO CONTRA VERBA DE SUBSISTÊNCIA. JUROS DE MORA DA CITAÇÃO E CORREÇÃO MONETÁRIA DO ARBITRAMENTO. ÔNUS SUCUMBENCIAL INVERTIDO.

Quando se desvirtua ou se sonega o direito de informação, está-se agindo em sentido diametralmente oposto a boa-fé objetiva, ensejando, inclusive, a enganosidade. A informação deve ser clara, objetiva e precisa, pois, do contrário, equivale ao silêncio, vez que influi diretamente na manifestação de vontade do consumidor sobre determinado serviço ou produto - corolário da confiança que o consumidor deposita no fornecedor. O banco, ante as opções de modalidades de empréstimo ao consumidor, sem dotá-lo de...

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