Acórdão Nº 5001058-85.2021.8.24.0029 do Quarta Câmara de Direito Comercial, 22-02-2022

Número do processo5001058-85.2021.8.24.0029
Data22 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5001058-85.2021.8.24.0029/SC

RELATOR: Desembargador JOSÉ CARLOS CARSTENS KOHLER

APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU) APELADO: MARIA CECILIA DE CASTRO (AUTOR)

RELATÓRIO

Banco BMG S.A interpôs Recurso de Apelação (Evento 31) contra sentença prolatada pela Magistrada oficiante na Vara Única da Comarca de Imaruí que, nos autos da "ação declaratória de inexistência de contratação de empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável c/c reparação por danos morais" ajuizada por Maria Cecília de Castro, julgou parcialmente procedente a pretensão vertida na exordial, cuja parte dispositiva se transcreve:

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE os pedidos formulados na inicial, por MARIA CECILIA DE CASTRO na forma do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para ANULAR o contrato celebrado com o BANCO BMG S.A, vez que fora o consumidor/autor induzido em erro, conforme exposto alhures. Nessa toada, devem as partes efetuarem a devolução dos valores recebidos, aplicando-se juros e atualização monetária, a serem apurados em liquidação, aplicando-se a compensação conforme a porcentagem alcançada do débito - retorno ao status quo ante.

DETERMINO a aplicação do Índice Nacional de Preços do Consumidor - INPC, como indexador para fins de cálculo de correção monetária, a serem aplicados a partir do desembolso dos valores e juros de mora de 1% que fluem desde o evento danoso.

Deve a ré se abster de descontar qualquer valor a título de cartão de crédito no contracheque da autora, sob pena de multa referente ao dobro do valor indevidamente descontado, vez que dá-se por rescindido o negócio jurídico convolado inter partes.

Considerando que a rescisão do contrato envolve o retorno das partes ao statu quo ante, a instituição financeira ainda deve ser condenada, na forma do art. 42, parágrafo único, do CDC, a restituir os valores em favor da parte autora, a qual, todavia, deve se dar na forma simples, pois "somente a cobrança de valores indevidos por inequívoca má-fé enseja a repetição em dobro do indébito" (STJ, AgRg REsp. n. 1.127.566/RS, rela. Mina. Maria Isabel Galotti, DJe 23-3-2012).

Por outro lado, a autora também deverá devolver a quantia recebida por meio dos saques via cartão, sob pena de enriquecimento ilícito.

Os valores deverão ser devidamente atualizados em sede de liquidação de sentença, incidindo correção monetária a contar de cada desembolso (Súmula 35 STJ) e juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês desde o evento danoso (Súmula 54 STJ), pois, ante o reconhecimento da nulidade do pacto, não há como reconhecer a responsabilidade contratual entre as partes a justificar que o referido encargo passe a fluir da data da citação.

Por fim, fica autorizada a compensação dos créditos e débitos entre as partes, nos termos do art. 368 do Código Civil.

CONDENO o réu ao pagamento da quantia de R$ 8.000,00 (oito mil reais), a título de dano moral, em razão dos prejuízos suportados.

Sobre tal valor incidem juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês, computados desde o evento danoso, a rigor do art. 398, do Código Civil, e correção monetária pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor-INPC, desde a data do arbitramento de seu numerário, consoante se infere da redação dada à Súmula n. 362, também do STJ.

Em decorrência da sucumbência, CONDENO a parte ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação devidamente corrigido monetariamente, consoante prevê o artigo 85, § 2º, do CPC, considerando a natureza e importância da matéria trazida a conhecimento, o grau de zelo dos procuradores, o tempo que lhes foi exigido para o serviço e o lugar da sua prestação.

Registre-se. Publique-se. Intimem-se.

Em havendo interposição de recurso de apelação, ou apelação adesiva, eventualmente, observe-se e cumpra-se o disposto na Portaria n. 51/2017, deste Juízo.

Após, escoado o prazo recursal, certifique-se o trânsito em julgado e, em não havendo pendências legais e/ou administrativas, arquivem-se com as baixas de estilo.

(Evento 23)

Em suas razões recursais, a Instituição Financeira aduziu, em suma, que: (a) "ao contrário do que restou fundamentado pela sentença recorrida, a contratação foi comprovada mediante a juntada do termo de adesão nº 59083882, vinculado ao cartão de crédito n.º [...], firmado pela parte demandante junto ao recorrente em 02/12/2019."; (b) "No ato de celebração do contrato, a parte autora realizou um SAQUE AUTORIZADO no valor de R$1.279,00, o qual foi disponibilizado através de transferência bancária no Banco do Brasil, na agência 5211, na conta 116771-5."; (c) "a parte autora concluiu o seu aceite eletrônico, mediante a utilização de usuário e senha cadastrados no internet banking, dados esses estritamente pessoais e intransferíveis, atestando a manifestação de vontade para a contratação e autorização para que fossem iniciados os descontos em folha de pagamento."; (d) "a lide ventilada versa sobre simples alegação genérica da existência de suposto dano, desamparada de qualquer meio de prova, não sendo argumento suficiente para ensejar a alteração do contrato firmado entre as partes."; (e) "Os contratos de cartão de crédito consignado com possibilidade de saque realizados pelo Banco BMG são suficientemente claros e precisos ao identificar a modalidade que está se contratando, os mecanismos de pagamento e cobrança dos débitos correspondentes."; (f) "NÃO HÁ QUALQUER ILEGALIDADE NA MODALIDADE DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL, CONFORME ART. 15 E SEGUINTES DA INSTRUÇÃO NORMATIVA INSS/PRES Nº 28, de 16 DE MAIO DE 2008"; (g) "a parte autora assinou os contratos mesmo sabendo o tipo de operação, a qual estava realizando. Deste modo, o banco recorrente, em nenhum momento agiu de forma abusiva, visto que havia informação clara a respeito do contrato pactuado."; (h) "notório que a parte recorrida é pessoa esclarecida, não podendo alegar em proveito próprio a incapacidade de prever as conseqüências de sua opção de celebrar contrato de cartão de crédito consignado, tampouco a abusividade do conteúdo do contrato ao qual aderiu por livre e espontânea vontade."; (i) "Não se verifica qualquer agressão aos direitos da personalidade da consumidora, de modo que, neste aspecto, merece acolhimento a irresignação recursal da parte recorrente a fim de que o dano moral seja afastado"; (j) "Inobstante estar clarividente que o recorrido não deve indenizar a parte recorrente por danos morais, deve-se registrar, que do mesmo modo, a sentença proferida deve ser reformada para minorar o dano moral fixado, devendo ficar adstrito aos limites da razoabilidade e proporcionalidade."; (k) "a suposta responsabilidade decorre de RELAÇÃO CONTRATUAL. Dessa forma, na remota hipótese de não ser adotada a tese acima, os juros moratórios devem ser fixados A PARTIR DA CITAÇÃO, nos moldes do que dispõe o artigo 405 do Código Civil"; e (l) "outra conclusão não se pode chegar senão a de que deve ser totalmente provido o presente recurso inominado, decretando a improcedência do pleito autoral, por se tratar de contratação legitima e os descontos se tratarem de um desdobramento desta contratação".

Empós, com o oferecimento das contrarrazões (Evento 35), ascenderam os autos a este grau de jurisdição em razão da prevenção.

É o necessário escorço.

VOTO

Primeiramente, uma vez preenchidos os requisitos de admissibilidade, o Recurso é conhecido.

Esclareço por oportuno, que a decisão recorrida se subsome ao regramento processual contido no Novo Código de Processo Civil, porquanto a publicidade do comando judicial prolatado pelo Estado-Juiz se deu em outubro de 2021, isto é, já na vigência do CPC/2015.

1 Do Recurso

1.1 Do pleito de legalidade do pacto firmado

Aduz o Banco, em epítome, a legalidade do pacto aventado, da reserva de margem e dos descontos efetuados.

Razão não lhe ampara.

A Autora ajuizou "ação declaratória de inexistência de contratação de empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável c/c reparação por danos morais" em face do Banco BMG S.A., argumentando que percebe benefício previdenciário e, nesta condição, realizou contrato de empréstimo consignado com o Réu, autorizando descontos mensais diretamente neste.

A Demandante aduziu que empós a celebração do aludido mútuo foi surpreendida com a informação que a contratação se deu em modalidades diversa, mediante "cartão de crédito com reserva de margem consignável - RMC".

Diante desse quadro, clamou pela declaração de inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito com RMC, pela restituição em dobro dos valores descontados indevidamente, bem como pela condenação do Demandado ao pagamento de compensação pelo abalo moral suportado.

A Magistrada a quo julgou procedentes os pedidos articulados na peça vestibular, pautando-se nos seguintes fundamentos:

MÉRITO

A pretensão merece prosperar.

Analisar-se-á os pedidos observando o conjunto da postulação, em atenção ao disposto no art. 322, § 2º, do CPC (teoria da substanciação).

De início, cumpre esclarecer que no feito sub judice aplicar-se-á o Código de Defesa do Consumidor, vez que preenchidos os pressupostos dos arts. 2º e 3º, §§ 1º e 2º, da mencionada lei e, ainda, por força do que preleciona a Súmula n. 297 do egrégio STJ, isso tudo sem prejuízo da aplicação, pela tese do diálogo de complementaridade, do Código Civil de 2002.

Ademais, frise-se que ao caso em tela aplica-se o art. 14 do Código Consumerista, pois nas relações de consumo a responsabilidade do fornecedor por intempéries no fornecimento de serviço prescinde de análise de culpa (responsabilidade objetiva). Segundo o que traz o § 3º do dispositivo indigitado, cabe ao fornecedor comprovar, para que seja excluída a sua responsabilidade, que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste (inciso I) ou, então, a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (inciso II) - portanto, inarredável a inversão do ônus probatório.

Constitui direito básico do...

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