Acórdão Nº 5001063-26.2020.8.24.0035 do Terceira Câmara Criminal, 29-06-2021

Número do processo5001063-26.2020.8.24.0035
Data29 Junho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão










Recurso em Sentido Estrito Nº 5001063-26.2020.8.24.0035/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5001063-26.2020.8.24.0035/SC



RELATOR: Desembargador ERNANI GUETTEN DE ALMEIDA


RECORRENTE: KETLIN IRACI DA SILVA CLEMENTE (ACUSADO) ADVOGADO: FELIPE DA SILVA CARLOS (OAB SC055274) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) OFENDIDO: KAIRA MARIANE MATIUZZI (OFENDIDO)


RELATÓRIO


Na Comarca de Ituporanga, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Ketlin Iraci da Silva Clemente pela prática, em tese, da contravenção penal prevista no art. 21, caput, do Decreto-Lei 3.688/1941, e das condutas criminosas tipificadas nos art. 147, caput, e art. 121, § 2º, I e IV, c/c art. 14, II, todos do Código Penal, em razão dos fatos assim narrados (evento 1):
Fato I - Vias de Fato e Ameaça
No dia 8 de março de 2020, entre às 00h00min e 1 hora, no interior do estabelecimento denominado "Bar Casa Rosa", situado na Rua 14 de Fevereiro (SC-350), Centro, nesta cidade e Comarca de Ituporanga-SC, a denunciada KETLIN IRACI DA SILVA CLEMENTE, com consciência e vontade, portanto dolosamente, praticou vias de fato contra a vítima Kaira Mariane Matiuzzi, ao desferir três golpes com uma taça no rosto da ofendida, sem que esta ficasse ferida.
Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, a denunciada KETLIN IRACI DA SILVA CLEMENTE, com consciência e vontade, portanto dolosamente, ameaçou de causar mal injusto e grave à vítima Kaira Mariane Matiuzzi, ao afirmar que "essa desgraçada tem o corpo fechado, então vamos ver ainda acabo com ela".
Fato II - Homicídio Doloso Qualificado Tentado
Por fim, ainda sob as mesmas circunstâncias de lugar, mas por volta das 6h30min, a denunciada KETLIN IRACI DA SILVA CLEMENTE, com consciência e vontade, portanto dolosamente, tentou matar a vítima Kaira Mariane Matiuzzi, pois lhe desferiu diversos golpes de faca (não apreendida), atingindo-lhe o rosto, a nuca, o ombro e antebraço direitos, o antebraço esquerdo e a mão esquerda, causando-lhe os ferimentos descritos no laudo pericial de fl. 21 do APF, consistentes em "Escoriações em hemiface direita, medindo 1 cm; Ferimento cortante em região occipital direita, medindo 2.5 cm, suturado; Ferimento cortante em região de ombro direito, medindo 2.5 cm, suturado; Equimose em face anterior de antebraço esquerdo, medindo 4 x 2 cm; Equimose em face anterior de antebraço direito, medindo 5 x 3 cm; Ferimentos cortantes em face dorsal e externa de III e dorsal e externa de IV quirodáctilos esquerdos, suturados, medindo 1.5 cm cada; Escoriação em joelho esquerdo, medindo 5 x 2 cm.".
Convém ressaltar que a denunciada não alcançou a consumação por circunstâncias alheias à sua vontade, tendo em vista a rápida e efetiva intervenção de terceiros, que evitaram que a vítima sofresse um número maior de golpes.
Merece ser frisado que o crime foi cometido por motivo torpe, haja vista que a denunciada acreditava que a vítima teria se envolvido sexualmente com o seu o namorado/cliente, haja vista tratar-se de garota de programa.
Por fim, o crime foi cometido mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, pois a denunciada a atacou de surpresa, pelas costas e desprevenida, enquanto esta dormia com a cabeça coberta pelo lençol, não podendo esperar tamanha agressão.
Sobreveio decisão em que peça acusatória oferecida em desfavor de Ketlin Iraci da Silva Clemente foi admitida para pronunciá-la, como incursa, em tese, nas sanções do art. 21, caput, do Decreto-Lei 3.688/1941, e das condutas criminosas tipificadas nos art. 147, caput, e art. 121, § 2º, I e IV, c/c art. 14, II, todos do Código Penal, a fim de submetê-la a julgamento perante o Tribunal do Júri. Por fim, concedeu-se o direito de recorrer em liberdade, mediante as cautelares que restaram fixadas anteriormente (eventos 156 e 190).
A defesa de Ketlin Iraci da Silva Clemente interpôs recurso em sentido estrito (evento 201). Em suas razões recursais, sustentou, em preliminar, a configuração de nulidade absoluta ante a deficiência da defesa e em razão da inversão das provas colhidas durante a instrução processual.
No mérito, pugnou pelo decote das qualificadoras do motivo torpe (CP, art. 121, § 2º, I) e do emprego de recurso que dificultou sua defesa (CP, art. 121, § 2º, IV) e pela absolvição sumária no tocante ao crime de ameaça (CP, art. 147, caput), ante a ausência de condição de procedibilidade, consistente na representação da vítima. Por fim, requereu a exclusão das infrações penais previstas no art. 147, caput, do Código Penal e art. 21, caput, do Decreto-Lei 3.688/1941, em razão do princípio da consunção, as quais restariam absorvidos pelo delito tipificado no art. 121, § 2º, I e IV, c/c art. 14, II, todos do Código Penal (evento 209).
Contrarrazões no evento 263.
Em juízo de retratação (CPP, art. 589), a decisão foi mantida (evento 264).
Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Humberto Francisco Scharf Vieira, em que se manifestou pelo conhecimento do recurso, afastamento da preliminar e seu desprovimento (evento 11)

VOTO


O recurso preenche os requisitos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.
Preliminares
A defesa de Ketlin Iraci da Silva Clemente sustenta a configuração de nulidade absoluta ante a deficiência da defesa e a inversão das provas colhidas durante a instrução processual.
No entanto sem razão.
Pelo que se infere dos autos, a recorrente foi devidamente citada e, no entanto, certificou-se o decurso do prazo para apresentação da resposta à acusação. Em razão disso, nomeou-se defensor para representá-la (eventos 15 e 16), o qual apresentou resposta à acusação, em que pugnou pela revogação da prisão preventiva, absolvição sumária (CPP, art. 415) ou impronúncia (CPP, art. 414), requereu a concessão do benefício da justiça gratuita, arrolou as mesmas testemunhas da acusação e pediu a produção de todas as provas admitidas.
Em razão da atuação do defensor nomeado e do pedido formulado em sede de resposta à acusação, sobreveio decisão em que a prisão preventiva foi revogada e concedida a liberdade mediante o cumprimento das cautelares diversas da prisão (evento 26), ainda que, posteriormente, diante do descumprimento das condições, tenha sido restabelecida (evento 82).
Inclusive, o defensor nomeado também acompanhou a audiência de instrução e julgamento no dia 22 de outubro de 2020, em que parte das testemunhas da acusação foram ouvidas e, mediante pedido formulado pela defesa e expressa concordância na inversão da ordem processual, procedeu-se o interrogatório da recorrente. A propósito, na ata de audiência de instrução e julgamento e antes de proceder o interrogatório da recorrente, consignou-se expressamente a concordância das partes no tocante à inversão da ordem processual (evento 94):
[...] Após o depoimento da testemunha André Martendal, a acusada passou a ser interrogada na forma do artigo 187 do CPP, em razão de requerimento da defesa, tendo as partes concordado com a inversão da ordem legal. Após o depoimento da testemunha Thainara Freitas de Mattos este magistrado questionou se a ré teria mais alguma coisa a declarar em seu interrogatório, tendo dito que não, mantendo a versão apresentada. O Ministério Público insistiu na oitiva da vítima, a ser localizada no endereço constante na certidão do evento n. 91. A defesa concordou com a dispensa da acusada na audiência a ser marcada para a oitiva da vítima. Pelo MM. Juiz foi proferida a seguinte decisão: "Designo o dia 30 de outubro de 2020, às 18 horas, para a audiência em continuação, oportunidade em que será tomado o depoimento da vítima. Intime-se a vítima com urgência no endereço do evento 91. A presença acusada fica dispensada. Intimados os presentes [...].
Outrossim, o defensor nomeado pelo juízo também se fez presente na audiência de instrução e julgamento em que se procedeu à oitiva da vítima, realizada no dia 9 de novembro de 2020.
Mesmo com a superveniência da constituição de defensor, o advogado nomeado apresentou alegações finais no dia 23 de novembro de 2020, em que sustentou as teses de homicídio privilegiado (CP, art. 121, § 1º), desclassificação para o crime de lesões corporais, ante a ausência de animus necandi (CPP, art. 419), requereu o afastamento das qualificadoras do motivo torpe (CP, art. 121, § 2º, I) e do emprego de recurso que dificultou a defesa da ofendida (CP, art. 121, § 2º, IV), absorção do crime de ameaça (CP, art. 147, caput) e contravenção penal de vias de fato (Decreto-Lei 3.688/1941, art. 21, caput) pelo crime contra a vida, e revogação da prisão preventiva restabelecida (evento 143).
A prisão preventiva restabelecida foi novamente revogada, a pedido do defensor nomeado, em decisão que se concedeu a liberdade mediante o cumprimento das cautelares diversas (evento 156). Somente no dia 10 de dezembro de 2020 o advogado constituído pela recorrente apresentou alegações finais em que sustentou, dentre outras matérias, a caracterização de nulidade absoluta em razão da deficiência da defesa formulada pelo defensor nomeado.
Não obstante o defensor constituído, em suas alegações finais (evento 185), tenha caracterizado a defesa da recorrente como ''exdrúxula, inefetiva, meramente formal, a qual acarretou prejuízos", e que a atuação apenas teria se voltado ao recebimento de honorários advocatícios, vislumbra-se que, ao contrário do consignado pela defesa, o defensor nomeado atuou com zelo profissional em todas as oportunidades, cujo desempenho, inclusive, mostrou-se determinante à revogação da prisão preventiva da recorrente em 2 (duas) oportunidades.
Portanto, embora não se olvide que a ausência de defesa constitui nulidade absoluta e que a sua deficiência somente anulará caso demostrada a existência de prejuízos, nos termos do verbete 523 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, a recorrente foi devidamente assistida...

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