Acórdão Nº 5001085-54.2019.8.24.0218 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 20-10-2020

Número do processo5001085-54.2019.8.24.0218
Data20 Outubro 2020
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5001085-54.2019.8.24.0218/SC



RELATOR: Desembargador ROBSON LUZ VARELLA


APELANTE: MARIA CORREA DA SILVA (AUTOR) E OUTRO ADVOGADO: FRANCINARA MAGRINI FERREIRA APELADO: OS MESMOS


RELATÓRIO


Trata-se de recursos de apelação cível interpostos por Maria Correa da Silva e Banco BMG SA contra sentença de parcial procedência (evento 15) da denominada ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito cumulada com restituição de indébito e indenização por danos morais, a qual foi prolatada nos seguintes termos:
Ante o exposto, julgo procedente, em parte, com resolução do mérito (CPC, art. 487, inc. I), o pedido formulado por Maria Correa da Silva contra Banco BMG S/A, para: a) declarar a nulidade das operações de crédito contratadas entre as partes, referentes ao cartão de crédito n. 5259.xxxx.xxxx.2118; b) condenar o réu a restituir à autora todos os valores descontados do seu benefício previdenciário por força das aludidas operações de crédito, de forma simples, acrescidos de correção monetária, segundo os índices oficias da CGJ/SC, desde a data do respectivo desconto, e de juros de mora de 1% ao mês, a contar da data da citação (CC, art. 405 e 406) - admitida sua compensação (CC, art. 368) com a obrigação do autor de restituir ao réu R$ 1.078,00 (um mil e setenta e oito reais), acrescidos de correção monetária desde a data do respectivo depósito; e c) condenar o réu a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), acrescido de correção monetária, segundo os índices oficias da CGJ/SC, desde a data deste arbitramento (STJ, Súmula n. 362), e de juros de mora de 1% ao mês, a contar da data da citação (CC, art. 405 e 406).
Condeno o réu a pagar as despesas processuais (CPC, art. 82, § 2º) e os honorários advocatícios, cujo valor fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da condenação (CPC, art. 85, § 2º). Esclareça-se que "'Embora a verba indenizatória por dano moral seja arbitrado em valor inferior ao indicado na inicial (art. 292, inc. V, do Código de Processo Civil), não há sucumbência da parte autora, nos termos da Súmula 326, do STJ' (ED n. 0306889-38.2017.8.24.0039, rel. Des. Rubens Schulz, j. em 02.05.2019)" (TJSC, AC n. 0303020-03.2016.8.24.0007, Rel. Des. Gerson Cherem II, DJ de 11-7-2019).
Em suas razões recursais (evento 22), a casa bancária sustenta, em síntese, a legalidade do negócio jurídico celebrado entre as partes, ressaltando a inexistência de prova de que a apelada teria sido levada a erro, não se vislumbrando, assim, irregularidade que dê causa à anulação do instrumento. Assevera que, à época da pactuação, a recorrida já não tinha margem consignável em seus rendimentos, inviabilizando a contratação de empréstimo consignado, restando apenas a obtenção de crédito consignado através da adesão ao contrato de cartão de crédito com margem consignável. Diz que inexiste termo final a caracterizar em dívida impagável, porquanto o débito é extinto com pagamento do débito, que se dá na data do vencimento da fatura, que constitui liberalidade da autora. Defende que o uso cartão fica constituído e provado pelo saque de valores. Também, afirma inexistir danos indenizáveis, requerendo, subsidiariamente, a minoração do "quantum". Ainda, discorre acerca do descabimento da restituição de valores, vislumbrando, em caso de manutenção do "decisum", que eventual importância disponibilizada à parte adversa sejam devolvidos ou compensados, e devidamente corrigidos monetariamente, sob pena de enriquecimento ilícito.
Por sua vez, a autora (evento 27) requer a majoração dos danos morais, bem como dos honorários advocatícios.
Foram apresentadas contrarrazões (eventos 28 e 32).
Este é o relatório

VOTO


Insurgem-se ambos os litigantes contra sentença de parcial procedência da ação declaratória de inexistência do contrato de cartão de crédito cumulada com repetição do indébito e indenização por danos morais.
Os pontos atacados nos apelos serão analisados separadamente com o objetivo de facilitar a compreensão.
Contratação via cartão de crédito consignado (irresignação da ré)
Relativamente ao tema, importa esclarecer que, durante o curso do processado, a parte autora defendeu a nulidade da contratação ajustada com a ré, sustentando ter sido vítima de fraude por esta ao adquirir cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), operação diversa e mais onerosa do que o contrato de empréstimo consignado, o qual acreditou efetivamente ter celebrado.
Consta do petitório inicial o relato a seguir reproduzido:
Contudo, o que mais causou espanto na parte Requerente foi ser informado (a) por terceiros de que os descontos mensalmente efetuados em sua conta não abatem o saldo devedor, uma vez que o desconto do mínimo cobre apenas os juros e encargos mensais do cartão, o que se verifica pela evolução do débito acostada aos autos, no qual, apesar de a parte requerente sofrer desconto mensal no seu benefício, não há redução do valor da dívida.
No pronunciamento judicial atacado, o Magistrado de Primeiro Grau concluiu pela nulidade do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, determinando que os valores depositados na conta bancária da autora, atualizados monetariamente pelo INPC, sejam compensados, na forma simples, com os valores descontados indevidamente pelo banco a título de RMC, corrigidos pelo INPC e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, ambos a contar de cada desembolso.
Em seu reclamo, pretende a apelante a reforma do referido "decisum", a fim de que seja julgada improcedente a demanda, no que assevera, para tanto, a validade do contrato de cartão de crédito consignado, defendendo ter sido entabulado com anuência da demandante, a significar, em consequência, a licitude dos descontos efetuados no seu benefício previdenciário e a inviabilidade de restituição de valores.
Pois bem.
Sobre as modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.asp).
Ainda a respeito, esclarece a jurisprudência que, no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, "disponibiliza-se ao consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, j. em 14/5/2015, DJe 20/5/2015).
Nessa perspectiva, a concessão de crédito através dessas duas modalidades (empréstimo e cartão de crédito), mesmo na consignação, possui considerável distinção, especialmente em relação às taxas de juros e demais encargos, avistando-se maior onerosidade ao consumidor quando se vale do cartão de crédito em detrimento do empréstimo.
Isso se deve, por vezes, em razão de que "o consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, efetuou a contratação de um cartão de crédito, de onde foi realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, j. em 14/5/2015, DJe 20/5/2015).
Inclusive, é sabido que tal prática abusiva e ilegal difundiu-se, atingindo parcela significativa de aposentados e pensionistas, tendo como consequência o ajuizamento de diversas ações visando tutelar o direito dos consumidores coletivamente considerados a fim de reconhecer a nulidade dessa modalidade de desconto realizado a título de Reserva de Margem Consignável (RMC).
Acerca do "modus operandi" utilizado pelas casas bancárias, o Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon), da Defensoria Pública do Estado do Maranhão, para fins de ajuizamento de ação civil pública, bem descreveu como funciona a prática:
O cliente busca o representante do banco com a finalidade de obtenção de empréstimo consignado e a instituição financeira, nitidamente, ludibriando o consumidor, realiza outra operação: a contratação de cartão de crédito com RMC.
Na sua folha de pagamento será descontado apenas o correspondente a 6% do valor obtido por empréstimo e o restante desse valor e mais os acréscimos é enviado para pagamento sob a forma de fatura que chega mensalmente à casa do consumidor.
Se este pagar integralmente o valor da fatura, que é o próprio valor do empréstimo, estará quitada a dívida; se, entretanto, como ocorre em quase todos os casos, o pagamento se restringir ao desconto consignado no contracheque (6% apenas do total devido), sobre a diferença não paga, isto é, 94% do valor devido, incidirão juros que são duas vezes mais caros que no empréstimo...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT