Acórdão Nº 5001111-48.2020.8.24.0014 do Quinta Câmara Criminal, 06-05-2021

Número do processo5001111-48.2020.8.24.0014
Data06 Maio 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5001111-48.2020.8.24.0014/SC

RELATOR: Desembargador ANTÔNIO ZOLDAN DA VEIGA

APELANTE: WILLIAN NAZARIO BERNARDES DE OLIVEIRA (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

O Ministério Público ofereceu denúncia contra William Nazário Bernardes de Oliveira, imputando-lhe a prática do delito previsto no art. 159, conforme os seguintes fatos narrados na inicial acusatória (doc. 2):

No dia 25 de março de 2020, por volta das 13h05min, na BR 282, no interior do restaurante localizado ao lado do Posto de Combustível Tropeiro, neste Município e Comarca de Campos Novos/SC, o denunciado WILLIAN NAZÁRIO BERNARDES DE OLIVEIRA, com consciência e vontade, juntamente com terceiros ainda não identificados, sequestrou a vítima Wanderlei Antonio da Silva com o fim de obter, para si ou para outrem, vantagem econômica, notadamente o pagamento de três milhões de reais, referente à compra de 101 kg de cocaína. Registra-se que o crime foi iniciado no dia anterior, na BR 101, sentido ao Município de Barra Velha/SC, no Posto de Combustível Marcola, momento em que a vítima foi abordada pelo denunciado e seus comparsas, ainda não identificados, e levado até uma residência no Município de Balneário Piçarras/SC, local onde pernoitaram, e, na data do fato, deslocaram-se até este Município, pois a vantagem econômica exigida seria obtida por meio da venda de sacas de grãos de propriedade da vítima, armazenadas na cooperativa denominada Copercampos. Destaca-se, ainda, que o crime teria ocorrido por determinação de membros da facção criminosa PCC, Primeiro Comando da Capital, e que o denunciado tinha permissão para matar a vítima, caso a dívida não fosse paga na data dos fatos.

Processado o feito e encerrada a instrução processual, sobreveio sentença (doc. 50), por meio da qual o magistrado a quo julgou procedente a pretensão ministerial, condenando o acusado às penas de 10 anos, 10 meses e 20 dias de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática do delito descrito no art. 159, caput, do Código Penal.

Inconformado com a prestação jurisdicional, o acusado interpôs recurso de apelação. Em suas razões (doc. 4, do processo de segundo grau), pleiteou o reconhecimento da nulidade do depoimento da testemunha, ao argumento de que ela teria sofrido tortura.

Alegou que "Em depoimento feito em juízo, onde assegura-se o contraditor e ampla defesa, a testemunha BRUNA afirma que torturada pelos milicianos a falar o que fosse conveniente a estes, sob a ameaça de que assim seria melhor a esta e, portanto, toda e qualquer prova vinda desta é ilícita por derivação".

Sustentou que não há harmonia entre a prova colhida durante o inquérito policial e a submetida sob o crivo do contraditório.

No mérito, pleiteou sua absolvição, defendendo a ausência de provas, uma vez que "o Supremo Tribunal Federal, assentou entendimento no sentido de que os depoimentos que devem prevalecer são aqueles tomados sob o crivo do contraditório e da ampla defesa."

Alegou que o decreto condenatório está fundamentado unicamente em elementos colhidos ao longo do inquérito policial, o que é vedado pelo art. 155 do CPP.

Requereu, de modo subsidiário, a revogação de sua liberdade provisória, para que aguarde o final do processo em liberdade.

Arrazoou que o crime não foi cometido mediante violência ou grave ameaça, até mesmo a vítima confirmou que não foi foi coagida, tampouco há indicativos de que o réu solto volte a delinquir ou que ainda persistam qualquer comoção social pelo crime.

Foram apresentadas contrarrazões pelo órgão ministerial (doc. 5 do processo de segundo grau), nas quais pugnou pelo conhecimento e desprovimento do recurso interposto.

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Humberto Francisco Scharf Vieira (doc. 6 do processo de segundo grau), manifestando-se pelo conhecimento e desprovimento do reclamo.

Este é o relatório.

Documento eletrônico assinado por ANTONIO ZOLDAN DA VEIGA, Desembargador Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 791460v14 e do código CRC 35ab4ea0.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): ANTONIO ZOLDAN DA VEIGAData e Hora: 9/4/2021, às 13:7:22





Apelação Criminal Nº 5001111-48.2020.8.24.0014/SC

RELATOR: Desembargador ANTÔNIO ZOLDAN DA VEIGA

APELANTE: WILLIAN NAZARIO BERNARDES DE OLIVEIRA (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

VOTO

Presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, conheço do recurso.

1. Preliminar - tortura praticada contra testemunha.

A defesa sustenta a nulidade da oitiva da testemunha Bruna Aparecida Quintiliano, ao argumento de que ela teria sofrido tortura pelos policiais, antes do depoimento realizado na delegacia.

Verifico da audiência de instrução e julgamento (doc. 41 do processo de origem) que Bruna, ao ser ouvida perante o juiz de direito, alegou que foi torturada na delegacia de polícia.

Disse também que as declarações que forneceu na fase inquisitiva são falsas, pois, por ordem dos policiais, assinou o termo de declaração preliminar juntado ao doc. 6, p. 11, dos autos 5001109-78.2020.8.24.0014, não tendo declarado qualquer coisa que nele consta.

Mencionou, ainda, que possui fotos, bem como declaração de seu médico, das lesões causadas pelos agentes estatais. Por outro lado, verifico da audiência que o magistrado de primeiro grau permitiu a Bruna que enviasse a documentação (fotos e declaração) a e-mail fornecido por servidor do poder judiciário para que então se tomasse as medidas cabíveis.

Busquei nos autos alguma notícia da referida documentação, porém não a encontrei. A defesa também não realizou qualquer referência a alguma prova da "tortura".

Dessa forma, parto da premissa de que Bruna não enviou qualquer documento, foto ou declaração médica atestando as lesões que tenha sofrido.

É certo que o depoimento de Bruna na delegacia está por escrito, enquanto os demais foram realizados por audiovisual. Mas isso se deve ao fato de que Bruna foi ouvida na delegacia de Piçarras, enquanto que as outras testemunhas prestaram depoimento na delegacia de Campos Novos.

Desconheço certamente a realidade tecnológica da policial civil de Piçarras, mas a diferença tecnológica das delegacias citadas não é motivo suficiente para concluir que o depoimento de Bruna, em Piçarras, não foi realizado por audiovisual porque ela estava machucada.

Ou seja, concluir que a delegacia de Piçarras possuía equipamento para colher o depoimento por áudio e vídeo e só não o fez porque Bruna havia sido agredida pelos agentes públicos, e reconhecer a alegada tortura de Bruna nestes autos, inexistindo prova, até mesmo da materialidade (lesões corporais), seria por demais temerário.

Contudo, tendo em vista que o depoimento de Bruna Aparecida Quintiliano não se coaduna com o prestado na delegacia e em razão do teor do art. 155 do Código de Processo Penal, ignorarei as declarações preliminares juntadas ao doc. 6, p. 11, dos autos 5001109-78.2020.8.24.0014.

Dito isto, afasto a alegada nulidade da prova.

Quanto a alegação de ausência de coerência entre a prova colhida em juízo e os elementos de informação adquiridos ao longo do inquérito policial, saliento que a questão versa sobre o mérito condenatório e por esse motivo analisarei no tópico seguinte.

2. Mérito. Pleito absolutório.

No mérito, o apelante objetiva sua absolvição, ao argumento de que não existem provas suficientes para um decreto condenatório.

Razão, contudo, não lhe assiste.

A autoria e materialidade do crime estão evidenciadas pela oral colhida em ambas as fases procedimentais.

A vítima, ouvida na delegacia, imputou a prática do crime ao acusado, nos seguintes termos:

Eu iria fazer uma venda de grãos na Coopercampos e iria passar para eles; eu fui falar com a minha esposa e não tinha ninguém na nossa casa e na Coopercampos estava tudo fechado, então como não teria como levantar o dinheiro, eu pedi ajuda para a minha esposa para acionar a polícia; hoje de manhã eu estava em Piçarras, no cativeiro; eles me chamaram lá no posto em Guaramirim e me levaram para essa casa em Piçarras, que fica no fundo da Rua 2.150; chegando lá tinha um outro senhor lá, que conheço por "Alemão"; eles falaram que ou eu pagava a dívida, pois eu havia indicado o senhor Otavio Roberto Silva, ou eu, ele e minha família e a dele iriam morrer; segundo ele seria a dívida de cento e dois quilos de cocaína; a cocaína seria proveniente da Bolívia; ficamos a noite toda lá, eles falando falando, na televisão que chamam de "videoconferência",falando de "irmãos", me ameaçando, ameaçando outro rapaz; pela manhã saímos eu, o Willian e outro menino chamado Luan, por volta das 07h36min; lá na frente esse "Alemão" perguntou para mim que tinha um cara que queria falar comigo, ai eu parei na sinaleira em Piiçarras, perto de uma padaria, e um senhor chamado Marcos Negueira queria mostrar algo para mim; deixei meu carro e fui em uma casa em que ele me mostrou um volume muito grande de droga; ele falou que tinha em torno de quatrocentos e cinquenta quilos; ele queria mostrar isso para eu falar para o meu "financeiro" para falar para o Otavio Roberto Silva que eles precisavam vender o produto; eu nenhum momento eles falaram que eu era avalista ou algo do genêro, pois eu não mexo com droga; me pegaram no posto por volta de 14h15min e depois me tomaram a chave e me colocaram numa Subaru preta e me levaram para o cativeiro; de manhã viemos para Campos Novos; quando eu cheguei nesse cativeiro o Willian já estava lá no cativeiro ontem à tarde, já estava lá por volta das 14h15min; estavam ele, um rapaz pequeno chamado "Neto" e mais um rapaz magro que não sei quem é; nesse cativeiro também tinha uma senhora de idade, conhecida por "Dona Tita", tinha uma moça de uns trinta anos e...

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