Acórdão Nº 5001112-92.2019.8.24.0038 do Terceira Turma Recursal, 13-07-2022

Número do processo5001112-92.2019.8.24.0038
Data13 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Turma Recursal
Classe processualRECURSO CÍVEL
Tipo de documentoAcórdão
RECURSO CÍVEL Nº 5001112-92.2019.8.24.0038/SC

RELATOR: Juiz de Direito Alexandre Morais da Rosa

RECORRENTE: ALAN ALFEU ALEXANDRE (AUTOR) RECORRIDO: ESTADO DE SANTA CATARINA (RÉU)

RELATÓRIO

Relatório dispensado (art. 46 da Lei n. 9.099/1995).

VOTO

Trata-se de Recurso Inominado interposto por ALAN ALFEU ALEXANDRE contra sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados na ação de indenização por danos morais ajuizada contra o ESTADO DE SANTA CATARINA.

1. ADMISSIBILIDADE: conheço do recurso, porque próprio e tempestivo.

2. OBJETO DO RECURSO: reforma da sentença para reconhecer o ato ilícito, com a condenação em dano moral.

3. FUNDAMENTAÇÃO:

3.1. O CASO E O PEDIDO.

3.1.1. Conforme narrado na inicial (ev. 1), o recorrente ingressou no Presídio Regional de Joinville em outubro de 2017, encontrando a seguinte situação:

Afirmou que as violações estão comprovadas nos autos n. 0005260-08.2017.8.24.0038, consoante inspeções realizadas pelo Juiz João Marcos Buch, titular da Vara de Execuções Penais.

Em face da violação de direitos, requereu:

3.2. A DEFESA.

3.2.1. O recorrido ESTADO DE SANTA CATARINA apresentou resposta (ev. 11) com o questionário ofertado pelo Presídio de Joinville, discorrendo ainda sobre os efeitos da condenação em face das possibilidades do Estado em arcar com indenizações de dano moral (sublinhou eventual condenação em patamar módico, conforme orientação do STF):

3.3. A DECISÃO.

A sentença rejeitou a pretensão, com o fundamento de que os danos não ficaram devidamente comprovados (ev. 30).

3.4. RESPONSABIIDADE DO ESTADO E O SISTEMA PRISIONAL.

3.4.1. A responsabilidade do Estado (CR, art. 37, § 6º) em face de omissões específicas demanda a declaração do contexto de inércia, consistente na culpa subjetiva por violação de deveres inerentes à condição estatal, nas modalidades de (a) negligência; (b) imperícia; e/ou (c) imprudência.

3.4.2. Desde 2015, quando do julgamento da APPF 347, o Supremo Tribunal Federal declarou o estado do Sistema Carcerário como o de "coisa inconstitucional", configurado pela geral, reiterada e ilícita violação de Direitos Fundamentais dos presos, demandando respostas coordenadas e estruturais do Estado Brasileiro. A noção do "estado de coisas inconstitucional" surgiu em 1997 com a decisão da Corte Constitucional Colombiana, atribuindo aos fatos estabelecidos a qualificação de reiterada, grave e direta violação de Direitos Fundamentais.

Consta da ADPF 347:

CUSTODIADO - INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL - SISTEMA PENITENCIÁRIO - ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL - ADEQUAÇÃO. Cabível é a arguição de descumprimento de preceito fundamental considerada a situação degradante das penitenciárias no Brasil. SISTEMA PENITENCIÁRIO NACIONAL - SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA - CONDIÇÕES DESUMANAS DE CUSTÓDIA - VIOLAÇÃO MASSIVA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS - FALHAS ESTRUTURAIS - ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL - CONFIGURAÇÃO. Presente quadro de violação massiva e persistente de direitos fundamentais, decorrente de falhas estruturais e falência de políticas públicas e cuja modificação depende de medidas abrangentes de natureza normativa, administrativa e orçamentária, deve o sistema penitenciário nacional ser caraterizado como "estado de coisas inconstitucional". FUNDO PENITENCIÁRIO NACIONAL - VERBAS - CONTINGENCIAMENTO. Ante a situação precária das penitenciárias, o interesse público direciona à liberação das verbas do Fundo Penitenciário Nacional. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA - OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA. Estão obrigados juízes e tribunais, observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, a realizarem, em até noventa dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contado do momento da prisão.

Em consequência, desde 2015 os agentes públicos estão cientes da necessidade de implementação de políticas públicas aptas à solução estrutural da questão carcerária. Por isso, a obrigação estatal está delineada.

3.4.3. A Constituição da República também estabelece direitos assegurados à pessoa recolhida em estabelecimento prisional, dentre eles o da vedação de penas cruéis (CR, art. 5º, inciso XLVII), a individualização do cumprimento da pena (CR, art. 5º, inciso XLVIII) e o respeito à integridade física e moral (CR, art. 5º, inciso XLIX).

3.4.4. O Conselho Nacional de Justiça orientou os magistrados a aplicarem o Bloco de Constitucionalidade e as decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) por meio de Recomendação expressa, na linha do Decreto 4.463/2002, pelo qual o Brasil reconheceu a competência da CIDH em relação à interpretação ou aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica).

O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas (arts. 2º, 7º, 10 e 14), a Convenção Americana de Direitos Humanos (arts. 5º, 11 e 25), a Convenção da ONU contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes e as Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros (Regras de Mandela), indicam o padrão mínimo do serviço público de cumprimento de penas.

Destaca-se das Regras de Mandela:

Regra 1 Todos os presos devem ser tratados com respeito, devido a seu valor e dignidade inerentes ao ser humano. Nenhum preso deverá ser submetido a tortura ou tratamentos ou sanções cruéis, desumanos ou degradantes e deverá ser protegido de tais atos, não sendo estes justificáveis em qualquer circunstância. A segurança dos presos, dos servidores prisionais, dos prestadores de serviço e dos visitantes deve ser sempre assegurada

3.4.5. O Supremo Tribunal Federal já indicou orientação para os casos em que não forem observadas as normas de conformidade do Sistema Prisional, por meio do Tema 367:

Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Repercussão Geral. Constitucional. Responsabilidade civil do Estado. Art. 37, § 6º.

2. Violação a direitos fundamentais causadora de danos pessoais a detentos em estabelecimentos carcerários. Indenização. Cabimento. O dever de ressarcir danos, inclusive morais, efetivamente causados por ato de agentes estatais ou pela inadequação dos serviços públicos decorre diretamente do art. 37, § 6º, da Constituição, disposição normativa autoaplicável. Ocorrendo o dano e estabelecido o nexo causal com a atuação da Administração ou de seus agentes, nasce a responsabilidade civil do Estado.

3. "Princípio da reserva do possível". Inaplicabilidade. O Estado é responsável pela guarda e segurança das pessoas submetidas a encarceramento, enquanto permanecerem detidas. É seu dever mantê-las em condições carcerárias com mínimos padrões de humanidade estabelecidos em lei, bem como, se for o caso, ressarcir danos que daí decorrerem.

4. A violação a direitos fundamentais causadora de danos pessoais a detentos em estabelecimentos carcerários não pode ser simplesmente relevada ao argumento de que a indenização não tem alcance para eliminar o grave problema prisional globalmente considerado, que depende da definição e da implantação de políticas públicas específicas, providências de atribuição legislativa e administrativa, não de provimentos judiciais. Esse argumento, se admitido, acabaria por justificar a perpetuação da desumana situação que se constata em presídios como o de que trata a presente demanda.

5. A garantia mínima de segurança pessoal, física e psíquica, dos detentos, constitui dever estatal que possui amplo lastro não apenas no ordenamento nacional (Constituição Federal, art. 5º, XLVII, "e"; XLVIII; XLIX; Lei 7.210/84 (LEP), arts. 10; 11; 12; 40; 85; 87; 88; Lei 9.455/97...

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