Acórdão Nº 5001128-81.2022.8.24.0930 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 04-05-2023

Número do processo5001128-81.2022.8.24.0930
Data04 Maio 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5001128-81.2022.8.24.0930/SC



RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO


APELANTE: BANCO BRADESCO S.A. (RÉU) ADVOGADO(A): JULIANO RICARDO SCHMITT (OAB SC020875) APELADO: ELZENDA MONICA PIETROSKI (AUTOR) ADVOGADO(A): ADILSON NARCISO (OAB SC032464)


RELATÓRIO


Banco Bradesco S.A. interpôs recurso de apelação da sentença do Evento 17 dos autos de origem, que, proferida pelo 2º Juízo da Unidade Estadual de Direito Bancário, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados por Elzenda Monica Pietroski em ação Revisional ajuizada em face da instituição financeira apelante, o que se deu nos seguintes termos:
I - RELATÓRIO:
Elzenda Monica Pietroski ajuizou ação revisional de contrato de empréstimo consignado cumulada com repetição de indébito em face de Banco Bradesco S.A..
Sustentou, em síntese: limitação da taxa de juros remuneratórios à taxa média de mercado divulgada pelo BACEN na data da assinatura do contrato; impossibilidade da capitalização mensal dos juros; e inaplicabilidade das cláusulas contratuais que ferem, entre outros diplomas, o Código de Defesa do Consumidor.
Postulou, ao final, a revisão do contrato e a repetição do indébito ou a compensação com eventual saldo devedor. Requereu, outrossim, a aplicação das disposições do Código de Defesa do Consumidor, a inversão do ônus da prova e a concessão dos benefícios da justiça gratuita. Anexou procuração e documentos (evento 1).
Inversão e gratuidade processual deferidas (evento 4).
Citada, a instituição financeira ré ofereceu contestação. Preliminarmente, arguiu a ausência de pretensão resistida e a inépcia da inicial. No mérito, sustentou, em resumo: legalidade da contratação dos juros remuneratórios e sua capitalização; descabimento da repetição de indébito; e impossibilidade de inversão do ônus da prova. Concluiu pela improcedência da pretensão. Colacionou procuração e documentos (evento 12).
A parte autora deixou de apresentar réplica.
Conclusos os autos.
É o relatório.
II - FUNDAMENTAÇÃO:
2.1 Julgamento antecipado da lide
Julgo antecipadamente a lide, porque a matéria em questionamento, embora de direito e de fato, dispensa a produção de outras provas além daquelas já arregimentadas aos autos (CPC, art. 355, I).
2.2 Preliminares
2.2.1 Ausência de pretensão resistida
Melhor sorte não assiste à parte ré no tocante à preliminar de ausência de pretensão resistida, pois o fato de a parte autora não a ter procurado para tratativa consensual em nada impede o ajuizamento da ação, sendo prescindível qualquer contato/acordo anterior diante da inafastabilidade da tutela jurisdicional (CRFB, art. 5°, XXXV).
De observar que o caso concreto não se enquadra em nenhuma das hipóteses em que o prévio requerimento administrativo é substancial para demonstrar o interesse de agir, conforme consolidado pela jurisprudência dos tribunais superiores.
Ademais, a postura da instituição financeira em juízo não é a de concordância com a pretensão da parte contrária, o que, por via reflexa, evidencia sua resistência.
2.2.2 Inépcia da petição inicial
A preliminar de inépcia da inicial também não merece prosperar, pelo que, da simples leitura da peça de ingresso, é possível verificar que esta preenche, satisfatoriamente, os requisitos do art. 330 do Código de Processo Civil, não incorrendo em quaisquer das situações de inaptidão elencadas em seu § 1º.
A par disso, a parte autora também cumpriu com os requisitos estampados no § 2° do mesmo dispositivo legal, porquanto esclareceu quais obrigações contratuais pretende controverter, bem como apontou o valor incontroverso do débito.
Nesse sentido, extraio da jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:
"APELAÇÃO CÍVEL. 'AÇÃO DE REVISÃO DE TAXA ANUAL DE JUROS C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS'. TOGADO A QUO QUE JULGOU PROCEDENTES OS PEDIDOS URDIDOS NA EXORDIAL. INCONFORMISMO DO RÉU.DIREITO INTERTEMPORAL. DECISÃO PUBLICADA EM 15-3-21. INCIDÊNCIA DO PERGAMINHO FUX. SUSTENTADA INÉPCIA DA INICIAL. TESE RECHAÇADA. DEMANDANTE QUE EXTERNOU AS SUAS RAZÕES DE FATO E DE DIREITO E APONTOU AS INCUMBÊNCIAS CONTRATUAIS SOBRE AS QUAIS PRETENDE O ESMIUÇAMENTO DO NEGÓCIO JURÍDICO, POSSIBILITANDO O EXERCÍCIO DA DEFESA PELO BANCO. FINALIDADE DOS ARTS. 319, 330, §§ 2° E 3°, TODOS DO CPC, QUE RESTOU ALCANÇADA. PREFACIAL DEFENESTRADA. [...]." (AC n° 5005493-83.2020.8.24.0079, rel. Des. José Carlos Carstens Kohler, j. 06.07.2021)
A petição inicial, dessa forma, presta-se aos fins a que se propõe, sendo clara o suficiente para que a parte ré possa exercer plenamente seu direito constitucional de defesa, como, de fato, exerceu, por meio de robusta contestação.
2.3 Revisional
O diploma consumerista observa a teoria alemã da base objetiva do negócio, a qual possibilita a relativização da pacta sunt servanda, admitindo-se que a força vinculante (CDC, art. 46) dos contratos seja contida pelo magistrado em certas circunstâncias, modificando cláusulas que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas (CDC, art. 6°, V).
Malgrado o microssistema jurídico seja matéria de ordem pública, cumpre frisar que, de acordo com a Súmula 381 do Superior Tribunal de Justiça, "nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas". Referido entendimento se aplica, inclusive, aos requerimentos genéricos formulados no pedido, mas sem a devida correspondência na fundamentação.
Ademais, não posso olvidar que o contrato é um agente que permite a circulação de riqueza, com indiscutível interesse para a promoção do desenvolvimento social. Dessa forma, à luz da análise econômica do direito, bem como das alterações promovidas pela Lei n° 13.655/18 (LINDB, art. 20), é preciso considerar as externalidades positivas e negativas que estão envolvidas na modificação do negócio jurídico atingido pela decisão judicial.
Logo, faz-se mister observar não somente a função social interna dos contratos, mas também a externa, sem desconsiderar os efeitos que advirão da proteção do consumidor no mercado de crédito. Afinal, a invalidação dos instrumentos bancários tem o condão de fazer com que o restante dos usuários do sistema financeiro suportem a revisão individual.
Nos termos da Lei da Liberdade Econômica, a intervenção do Estado na autonomia privada deve ser subsidiária e excepcional (Lei n° 13.874/19, art. 2º, II). Como reforço desse princípio, o Código Civil estabelece que "nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual" (CC, art. 421, parágrafo único).
Indispensável, então, ponderar a revisão em favor do hipossuficiente com os custos de transação de Ronald Coase e o custo total dos acidentes de percurso no contrato de Donald Wittman, conforme síntese conclusiva de Ejan Mackaay e Stéphane Rousseau:
"Para a autoridade pública põe-se a questão, aplicando o teste de Wittman, de saber se intervenção proibindo ou corrigindo certas cláusulas gera economias suficientes nas precauções que, de outra forma, seriam adotadas pelos consumidores para compensar as perdas (custos de oportunidade) de contratos mais vantajosos que alguns negociaram sem tal intervenção, e dos custos adicionais que recaem sobre os fornecedores. Claro, se for necessário impedir a prática de contratos de adesão, as perdas seriam, sem dúvida, mais importantes do que as economias de escala obtidas. Observa-se que os direitos modernos, sob a égide do direito do consumo, interveem pontualmente contra os agentes atacadistas para impedir ou corrigir cláusulas ou práticas que possam servir de instrumento para comportamentos oportunistas prejudiciais aos consumidores" (Análise econômica do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 467).
Fixadas tais premissas teóricas, passo a analisar as cláusulas apontadas como abusivas.
2.3.1 Limitação dos juros remuneratórios
A respeito dos juros remuneratórios cobrados no período da normalidade, impende destacar os dois enunciados abaixo do Superior Tribunal de Justiça:
Súmula 382: "A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade."
Súmula 541: "A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada."
No julgamento do Recurso Especial nº 1.061.530/RS, submetido ao rito dos recursos repetitivos, o Superior Tribunal de Justiça estabeleceu, entre outras, as seguintes orientações acerca dos juros remuneratórios:
"[...] ORIENTAÇÃO 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS
"a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF;
"b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade;
"c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02;
"d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto."
Dessa forma, para a aferição da legalidade ou abusividade dos juros remuneratórios deve ser utilizada como parâmetro a taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil, considerando o tipo de operação bancária, a qual não se limita ao percentual...

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